22 Setembro 2023
"Hospedar é sair da lógica da inimizade, é fazer do inimigo potencial um hóspede. Deveríamos aprender a pensar o grau de civilização em referência ao nível de humanidade e respeito pela humanidade do homem, não em termos de tecnologia e desenvolvimento", escreve Enzo Bianchi, fundador da Comunidade de Bose, em artigo publicado por La Repubblica, 18-09-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Como já aconteceu na história antiga e recente da imigração, nos últimos dias os habitantes de Lampedusa deram ao mundo uma lição de solidariedade e acolhimento ao abrirem as suas portas, alimentando e acolhendo os imigrantes em suas casas. Platão, em sua última e inacabada obras As leis, escreveu: “Consideremos nossos deveres para com o hóspede estrangeiro. Temos que dizer que são os compromissos mais sagrados. De fato, o estrangeiro, isolado como está dos seus companheiros e dos seus parentes, é para os homens e para os deuses objeto de um amor ainda maior. Por isso, quantas precauções devemos tomar, se tivermos apenas um pouco de prudência, para chegar ao fim da nossa vida sem ter não cometido nenhuma falta contra os estrangeiros!”. Para Platão, o verdadeiro outro não é aquele que escolhemos convidar para a nossa casa, mas aquele que aparece, não escolhido, diante de nós: é aquele quem chega até nós trazido pela situações e pela trama tecida por nossas vidas.
O outro é aquele que se coloca diante de nós como uma presença que pede para ser acolhida na sua diversidade irredutível; pouco importa se pertence a outra etnia, a outra fé, a outra cultura: é um ser humano, e isso deve ser suficiente para que o possamos acolher.
Em outras palavras, por que oferecer hospitalidade? Porque somos homens, para nos tornarmos homens, para humanizarmos a própria humanidade. Ou entramos na consciência de que cada um de nós, por ter vindo ao mundo, é em si mesmo hóspede da humanidade, ou a hospitalidade correrá o risco de ficar entre os deveres a cumprir. Considerar-se hóspedes da humanidade que está dentro de nós, hóspedes e não senhores, pode nos ajudar a cuidar da humanidade que está em nós e nos outros, e sair da perversa indiferença e da recusa pela compaixão. O pobre, o sem-teto, o andarilho, o estrangeiro, o morador de rua, aquele cuja humanidade é humilhada pelo peso das privações, das rejeições e do abandono, do desinteresse e da estranheza, começa a ser acolhido quando eu começo a sentir sua humilhação como minha, quando entendo que a mortificação da sua humanidade é a minha própria mortificação. Então, sem inúteis e covardes sentimentos de culpa e sem hipócritas bons sentimentos, pode começar a relação de hospitalidade que me leva a fazer tudo o que está ao meu alcance pelo outro.
Hospedar é sair da lógica da inimizade, é fazer do inimigo potencial um hóspede. Deveríamos aprender a pensar o grau de civilização em referência ao nível de humanidade e respeito pela humanidade do homem, não em termos de tecnologia e desenvolvimento.
Praticar a hospitalidade dessa forma trará consigo uma dádiva inesperada: quase inadvertidamente acabaremos por descobrir que, ao abrir espaço para o outro nas nossas casas e nos nossos corações, a sua presença não nos tira o espaço de vida, mas amplia as nossas casas e os nossos horizontes, assim como a sua partida não deixará um vazio, mas expandirá o nosso coração a ponto de lhe permitir abraçar o mundo inteiro.
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Praticar a hospitalidade. Artigo de Enzo Bianchi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU