29 Junho 2023
“Os migrantes batem à nossa porta para obter seus documentos, para encontrar trabalho, saúde e moradia, enfim, para ter seus direitos respeitados. Mas não é só isso. Em grande parte dos casos, eles procuram um "ouvido" numa sociedade rumorosa e apressada, incapaz de escutar com atenção”, escreve o Pe. Alfredo J. Gonçalves, CS, vice-presidente do Serviço Pastoral dos Migrantes - SPM/São Paulo.
O conceito social e evangélico da "acolhida" - razão de ser da Pastoral dos Migrantes - comporta três aspectos complementares e entrelaçados: receber bem, ir ao encontro e escutar.
Uma boa recepção a quem bate à porta representa uma espécie de cartão postal da acolhida. Aqui são decisivos o olhar, o sorriso, o abraço, a casa e o coração abertos... Numa palavra, o rosto solícito da hospedagem. Esta última consiste em uma das marcas registradas dos personagens do Antigo Testamento, especialmente na figura de Abraão. Mas é também um dos valores da literatura universal. Basta pensar nas obras de Homero, Vergílio, Cervantes e tantos outros autores.
Mas não basta receber bem. Sempre haverá quem não bate à nossa porta. Por falta de forças, por vergonha ou por desconhecimento, boa parte dos migrantes sofre em silêncio, sem saber ao certo onde buscar socorro. Permanecem pelas ruas e pelos caminhos, na carência e não raro na mais absoluta mendicância. Daí a urgência e necessidade de ir-lhes ao encontro. "Igreja em saída", como nos lembra o Papa Francisco, é a presença da Igreja nas periferias, nos porões e nas fronteiras onde mais fervilha a dinâmica do fenômeno migratório. Igreja viva e ativa onde é mais dramática a fuga/busca das migrações.
Porém, tampouco basta ir ao encontro. Tanto na acolhida quanto na descoberta dos núcleos migratórios "invisíveis", a capacidade de escuta tem um valor particularmente significativo. Não uma escuta qualquer, e sim a importância de preparar o ambiente para uma escuta qualificada: "entra, senta aqui, respira fundo, toma um pouco de água, come alguma coisa e fala à vontade"... Significa possibilitar um resgate sério e sereno da vida, da história e dos valores culturais de quem acaba de chegar. Os migrantes batem à nossa porta para obter seus documentos, para encontrar trabalho, saúde e moradia, enfim, para ter seus direitos respeitados. Mas não é só isso. Em grande parte dos casos, eles procuram um "ouvido" numa sociedade rumorosa e apressada, incapaz de escutar com atenção.
Está em jogo, em primeiro lugar, a dignidade da pessoa humana, a qual passa pelo resgate de sua identidade. E esta só se faz e refaz no contato, no confronto e no diálogo com o outro, o diferente, o estranho. Desse encontro, os valores e contravalores de ambas as culturas se mesclam no intercâmbio, se fundem em uma nova esfera de solidariedade. No coração de cada pessoa e no coração de cada cultura debatem-se trigo e joio. Por isso, pessoas e culturas somente se depuram, se purificam e se enriquecem nessa possibilidade de embate, cara a cara, olho no olho. Trata-se de um "salto qualitativo" que vai da multiculturalidade a um processo real e complexo da interculturalidade que traz um enriquecimento recíproco. Os verbos falar e escutar, apesar das línguas distintas (ou precisamente por causa delas), formam juntos uma via de diálogo e libertação, além de abrir as portas para uma cidadania universal, símbolo da pátria definitiva.
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Migrantes. Acolhida qualificada. Artigo do Pe. Alfredo J. Gonçalves - Instituto Humanitas Unisinos - IHU