23 Mai 2023
Enfrentar, vencendo a hipocrisia e a indiferença, a tragédia dos migrantes que morreram no Mediterrâneo. É o apelo que o Papa Francisco dirige na tarde de 22 de maio à Conferência Episcopal Italiana. Bergoglio abrirá a assembleia geral da CEI no Vaticano, na nova sala do Sínodo, com o já habitual diálogo a portas fechadas com os bispos da Península. O Pontífice, que excepcionalmente encerrará também a assembleia no dia 25 de maio, presenteará a cada prelado um livro muito significativo para explicar seu apelo à Igreja italiana. Trata-se do livro Fratellino (Irmãozinho, em tradução livre, Feltrinelli) escrito a partir da voz de Ibrahima Balde, nascido numa pequena aldeia do interior da Guiné, que hoje vive num hotel gerido pela Cruz Vermelha em Madrid, onde trabalha como mecânico, e pela mão de Amets Arzallus Antia, jornalista e poeta basco, que colabora com uma associação de assistência aos migrantes, onde conheceu Ibrahima, e onde nasceu a ideia de escreverem juntos a história de como chegou a Irun, no País Basco.
A reportagem é de Francesco Antonio Grana, publicada por Il Fatto Quotidiano, 22-05-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Fratellino, de Ibrahima Balde e Amets Arzallus Antia (Foto: Divulgação)
A sinopse do livro explica com muita eloquência o motivo que levou o Papa a presenteá-lo aos bispos italianos: "Está em busca de seu irmãozinho, que partiu com a intenção de chegar à Europa e nunca chegou, que Ibrahima Balde deixa a Guiné e o emprego de caminhoneiro, para embarcar numa viagem que não queria fazer, mas que é comum a milhares de africanos. O romance é a crônica lúcida e essencial da vida de Ibrahima Balde, contada por ele mesmo, e transcrita pelo poeta Amets Arzallus Antia. Uma voz que nos faz entender, sem vitimismo, mas com toda a dramaticidade, o que é a travessia do deserto, o tráfico de migrantes, a prisão, as torturas, a violência da polícia, a viagem no mar, a morte. Uma voz firme, tão clara e profunda que às vezes se torna poética, que nos conta o que significa conhecer a sede, a fome, o sofrimento.
Existem mil motivos e histórias que levam uma pessoa a atravessar o Mediterrâneo para tentar chegar à Europa. A desumanização de suas mortes, as expulsões, as vidas ilegais parecem necessárias para alimentar a nossa indiferença. Na realidade, cada uma dessas vidas é única e universal e essa história é seu dramático testemunho”.
Um livro que contém a mensagem que Bergoglio quer passar à CEI, sobretudo depois da tragédia de Cutro. De fato, como recordou recentemente o Papa: “Os corredores humanitários foram lançados em 2016 como resposta à situação cada vez mais dramática ao longo da rota do Mediterrâneo. Hoje temos que dizer que aquela iniciativa é tragicamente atual, aliás, mais necessária do que nunca; infelizmente também o atesta o recente naufrágio de Cutro. Aquele naufrágio não deveria ter acontecido, e todo o possível precisa ser feito para evitar que isso aconteça novamente. Um tema que sempre esteve no centro do pontificado de Francisco, cuja primeira viagem, em 8 de julho de 2013, foi a Lampedusa para rezar pelos migrantes que morreram no mar e condenar a "globalização da indiferença" diante dessas tragédias. Recordou-o o Papa na catequese da última audiência geral de quarta-feira, 17 de maio de 2023, falando de São Francisco Xavier: “Naquela época, as viagens de navio eram muito difíceis, eram perigosas. Muitos morriam no caminho de naufrágios ou doenças. Infelizmente, hoje morrem porque os deixamos morrer no Mediterrâneo…”.
Além disso, Francisco expressou repetidamente sua “proximidade com os milhares de migrantes, refugiados e outros necessitados de proteção na Líbia: nunca me esqueço de vocês; ouço os seus gritos e oro por vocês. Muitos desses homens, mulheres e crianças são submetidos a uma violência desumana. Mais uma vez, peço à comunidade internacional que cumpra suas promessas de buscar soluções comuns, concretas e duradouras para a gestão dos fluxos migratórios na Líbia e em todo o Mediterrâneo. E como sofrem aqueles que são barrados! Existem verdadeiros campos de concentração lá. É preciso pôr um fim ao regresso dos migrantes a países inseguros e dar prioridade ao socorro de vidas humanas no mar com dispositivos de salvamento e desembarque previsível, garantir-lhes condições de vida dignas, alternativas à detenção, rotas migratórias regulares e acesso a procedimentos de asilo. Sintamo-nos todos responsáveis por esses nossos irmãos e irmãs que há demasiados anos são vítimas dessa gravíssima situação”.
O Papa também reiterou isso em sua mensagem para o Dia Mundial dos Migrantes e Refugiados 2023 que será celebrado no dia 24 de setembro e cujo tema é Livres para escolher se migrar ou ficar: “Enquanto trabalhamos para que toda migração seja fruto de uma livre escolha, somos chamados a ter o maior respeito pela dignidade de cada migrante; e isso significa acompanhar e gerir os fluxos da melhor forma possível, construindo pontes e não muros, ampliando os canais para uma migração segura e regular”. Bergoglio sublinhou ainda que "onde quer que decidamos construir o nosso futuro, no país onde nascemos ou fora dele, o importante é que haja sempre uma comunidade pronta a acolher, proteger, promover e integrar todos, sem distinção e sem deixar ninguém de fora. O caminho sinodal que empreendemos como Igreja leva-nos a ver nas pessoas mais vulneráveis – entre estas muitos migrantes e refugiados – companheiros especiais de viagem, a serem amados e cuidados como irmãos e irmãs. Só caminhando juntos – concluiu Francisco – poderemos ir longe e alcançar a meta comum de nossa viagem”.
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Papa Francisco, apelo à CEI para superar a indiferença para com os migrantes. O livro escolhido como presente para os bispos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU