13 Julho 2021
"Continuaremos participando do processo de cura e reconciliação da grande família haitiana, para que possam, finalmente, viver uma libertação integral e o gosto pela vida", escrevem em nota os jesuítas no Haiti, que vivenciam de perto os recentes acontecimentos do país.
A nota é da Companhia de Jesus, Província do Canadá, território do Haiti, publicada por Jesuítas da América Latina, 09-07-2021. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
O assassinato do presidente do Haiti, Sr. Jovenel Moïse: espelho do caos político e socioeconômico de uma sociedade.
Um convite para dar testemunho da esperança do Ressuscitado nas profundidades da angústia humana.
Na noite de 06 a 07 de julho de 2021, um acontecimento macabro se somou à longa lista de dolorosos acontecimentos que têm marcado a vida sociopolítica de nosso país nos últimos meses: sequestros, assassinatos, massacres e deslocamentos em massa de populações, bloqueio de vias públicas e o isolamento de mais de três departamentos geográficos, etc. Pela manhã, os meios de comunicação anunciaram a triste notícia... por volta da 1h da madrugada, um comando armado assassinou – com 12 projéteis de armamento pesado – presidente da República, Sr. Jovenel Moïse, em sua residência privada, situada na zona residencial de Pèlerin 5, em Pétion-Ville, uma comuna da área metropolitana de Porto Príncipe. A primeira-dama, Martine Moïse, também foi atingida por três projéteis, mas segue viva, ainda que em estado crítico. A notícia circulou rapidamente, por todos os cantos do país. Paradoxalmente, não provocou nenhuma revolta, por apoio ou manifestação de tristeza. Assombro! Prudência! Incerteza! Medo! Etc. A população segue refugiada em casa, e a vida social, especialmente nas cidades, está quase completamente paralisada: transporte público, instituições públicas, bancos, centros comerciais, mercados públicos, negócios informais...
Este ocorrido está longe de ser um ato isolado. Foi produzido em um contexto de crise generalizada, de violência indiscriminada, a ocupação de quase um terço do território da capital por bandas armadas, e a paralisia quase total da vida política, econômica e cultural do país. Isso representa um indicador da desordem de uma sociedade, a continuação lógica de uma assombrosa e triste escalada que se acelerou nos últimos meses.
Essa situação é descrita na mensagem dos jesuítas de 18 de dezembro de 2020. Nela, alertamos e instamos aos atores nacionais e internacionais implicados. O assassinato do presidente Moïse, ao mesmo tempo em que agrava o caos em que o país está mergulhado, também continua a ser um espelho que reflete os principais problemas que paralisam a sociedade atual: a grave crise de segurança, o colapso das instituições, o vazio constitucional, o profundo descrédito da política e a rejeição do Chefe de Estado por grande parte da população, a gangsterização dos habitantes dos bairros populares urbanos e do mundo rural como estratégia política, a polarização da vida política, o amargo fracasso dos atores internacionais, o egoísmo e a estreiteza de grande parte da poderosa oligarquia econômica...
O presidente experimentou um nível de impopularidade raramente registrado por um Chefe de Estado na história política do país. O colapso da economia e seu forte impacto na população, especialmente nos setores majoritários marginalizados, as dissensões dentro de sua família política (o PHTK) no período anterior às eleições, seus conflitos abertos com a companhia da oligarquia, sua falta de experiência política e sua gestão catastrófica da crise, incluindo sua relação com as gangues, responsáveis por centenas de sequestros, massacres e inúmeros assassinatos, etc. Infelizmente, tudo apontava para o fim trágico da experiência política desse jovem empresário, oriundo de uma família de camponeses pobres e protegido por seu mentor, o ex-presidente Michel Martelly, no infernal e corrupto mundo político de Porto Príncipe. Seu assassinato criou uma situação próxima ao caos. Até agora, não é possível um resultado jurídico claro que garanta a continuidade do Estado e um mínimo de estabilidade política; é assim que é profunda a crise institucional e constitucional. Por sua vez, a classe política, especialmente a oposição, dividida e desacreditada, não tem conseguido criar consensos e chegar a acordos com vista a garantir uma transição política credível e sair deste atoleiro. Será que a comunidade internacional, especialmente os Estados Unidos da América, o verdadeiro líder do jogo político haitiano, será capaz de acompanhar os atores políticos locais em uma saída da crise em benefício da nação haitiana? Também neste caso, a incerteza está na ordem do dia.
É neste contexto especial de ansiedade e incerteza, de sofrimento, mas também de esperança, que nós, os Jesuítas do Haiti, somos chamados a anunciar o Cristo Ressuscitado, vencedor do mal, da violência, da mentira e da morte; para incorporar as preferências apostólicas universais da Companhia de Jesus. Tal situação nos faz tocar em nossa própria carne nossas limitações humanas, nossa impotência; mas, ao mesmo tempo, convida-nos a confiar na graça do Senhor que nos fortalece para viver a nossa missão com autenticidade, para fazer crescer a vida e fazer germinar a esperança no coração das mulheres e dos homens do nosso país, especialmente dos mais jovens. Desta forma, continuaremos participando do processo de cura e reconciliação da grande família haitiana para que possam finalmente viver uma libertação integral e o gosto pela vida. Nem é preciso dizer que contamos também com a sua solidariedade fraterna ativa.
Que o Senhor abençoe nosso país, nos dê paz, conforto e serenidade!
Porto Príncipe, 08 de julho de 2021
Cúria da Companhia de Jesus no Haiti
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Haiti. O assassinato do presidente Moïse: espelho do caos político e socioeconômico - Instituto Humanitas Unisinos - IHU