01 Julho 2021
"O cardeal Parolin não resolve as contradições. São questões relevantes especialmente para os católicos que trituraram a teologia conciliar e pretendem reformas não erroneamente julgadas salvíficas na idade que acredita que não precisa de Deus. Procurar-se-ia em vão a presença de católicos 'adultos' que parecem incapazes de defender a virada indubitável do Papa Bergoglio julgada herética pela visão fundamentalista da fé", escreve a jornalista e escritora italiana Giancarla Codrignani, ex-deputada italiana pela Esquerda Independente e sócia-fundadora da associação Viandanti, em artigo publicado por Viandanti, 28-06-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Vou retomar o discurso do Sínodo, tendo em devida conta o contexto cultural em que está se jogando um confronto, talvez final, com a tradição dogmática e, sobretudo, com um costume doutrinário, reconhecidas como salvíficas pela conservação vétero-católica e superadas pelas reformas do Vaticano II há mais de 50 anos.
Naquela época as vitrines da livraria San Paolo tinham títulos pouco conformistas, mas iluminadores e eram famosos Drewerman e Kung, enquanto os autores de hoje aludem diretamente ao fim do Cristianismo. Vito Mancuso, teólogo muito popular mesmo entre os leigos, apesar de negar que o seja, escreve: “Estou convencido de que o Cristianismo não foi fundado por Jesus Cristo” e fundamenta a sua declaração com argumentos irrefutáveis que levam o sacrifício de Jesus não a ressarcir um pecado original inexistente que teria induzido a morte em uma criação de Deus imaginada de outra forma, mas para restaurar no mundo a salvação vital na história.
Se Jesus não é o Filho (de Deus), uma abertura ao Islã pode me confortar, mas, independentemente da liberdade de pensamento e, portanto, da busca teológica, parece-me que a indeterminação com a qual se quer fazer conviver a fé com exigências de compatibilidades conceituais, produz teorias que, com demasiada facilidade, os conservadores definem heréticas e cismáticas e sustentam a ideologia infelizmente popular que torna morna a fé de nós, "modernos".
Pode ser esquemático, mas no dia 18 de junho o Papa "pegou pesado" quando respondeu aos diáconos romanos que lhe perguntaram o que esperava deles e ele respondeu o que "não" esperava: "nem meio padres, nem coroinhas de luxo”. Perfeito! De fato, eu, que não amo o diaconato (pelo menos na Europa) nem masculino nem feminino, sempre escrevi que nós mulheres, se realmente quiséssemos ter acesso aos ministérios ordenados, tínhamos que visar diretamente ao sacerdócio, já que sempre servimos com sacristãs de graça.
O Papa ensina que, independentemente da "natureza" do Senhor e de sua criação, a Igreja deve partir da vida cotidiana e de sua vivência efetiva para a humanidade, toda. Teologicamente, se enquadra da inversão de valores que o Concílio trouxe entre a vida dos homens e das mulheres (o povo de Deus) e a instituição eclesiástica (a hierarquia): os responsáveis primeiros somos nós. A syn-odalidade é o proceder juntos na vida, ainda mais se cristã.
É, portanto, na vida cotidiana dos cristãos que o Papa Francisco pensava ao anunciar o sínodo italiano em Florença, cinco anos atrás:
“a Igreja italiana ... deve iniciar um processo de sínodo nacional, comunidade por comunidade, diocese por diocese: este processo será também uma catequese ... é o momento. E comece a caminhar”. Mesmo que “não saibamos como vai acabar e não saibamos o que vai resultar. O caminho sinodal, que começará a partir de cada comunidade cristã, de baixo, de baixo, de baixo até o alto. E a luz, do alto para baixo, será a Convenção de Florença".
Já se falou bastante sobre o Sínodo italiano, sobretudo porque prevalece o ceticismo sobre sua viabilidade.
Em mim, prevalece a mens política masculina: há uma analogia com outra exigência premente, mas de difícil execução pelas resistências executivas: a Conferência sobre o Futuro da Europa [1] deve realizar um "processo de baixo para cima", centrado nos cidadãos de toda a União (em nível nacional, transnacional e regional) e sustentado por uma plataforma interativa multilíngue, com o objetivo de promover seu papel ativo e determinante na construção do futuro da União.
Ursula von der Leyen, como Francisco, certamente não se ilude. Mas luta. Algo que não fazem nem os políticos, nem os bispos e nem mesmo os cidadãos, especialmente se forem fiéis. Para os fiéis existe o agravante das duchas frias, pelo menos três turnos de calafrios gelados, não apenas inesperados, mas cheios de mistérios.
No dia 21 de maio, o cardeal Reinhard Marx apresentou ao Pontífice sua renúncia ao episcopado, acusando "fracassos pessoais" e "erros administrativos", mas, acima de tudo, "um fracasso institucional e sistemático" pela crise ligada na Alemanha aos escândalos de pedofilia, dos quais o alto prelado se sentia corresponsável. Renúncia surpreendente, tornada ainda mais estranha pela intervenção de Francisco que autoriza a publicação da carta em 4 de junho e seis dias depois não aceita a sua renúncia.
O Bispo de Roma, diante do escândalo dos abusos, já havia dito: “não nos salvarão as investigações ou o poder das instituições. Não nos salvará o prestígio de nossa Igreja que tende a dissimular os seus pecados; não nos salvará o poder do dinheiro nem a opinião das mídias (muitas vezes somos demasiado dependentes delas)”, chamando o povo de Deus de volta ao caminho cristão, na carta a Marx escreveu: “nos salvará a porta do Único que pode fazê-lo e confessar que nossa nudez: 'Eu pequei', 'nós pecamos'”.
Alberto Melloni percebeu a sombra de um pedido de renúncia rejeitado. Estou pensando na Conferência Episcopal alemã, que acaba de eleger uma mulher como sua Secretária e que em outubro deverá divulgar os resultados da forte participação naquele sínodo que já deverá ter enfrentado os fortes problemas do nosso tempo: Reinhard Marx não encontra nada melhor do que renunciar?
Se lermos algumas declarações do Cardeal Kasper (entrevistado em 6 de junho para o jornal diocesano noticiado em Adista em 26 de junho), cuja conhecida posição progressista é indiscutível - "vai além da minha imaginação que pedidos como a abolição do celibato e a ordenação de mulheres possam terminar com uma votação de dois terços na Conferência Episcopal e chegar a um consenso na Igreja universal”- deixar claro que a reação que venceu uma vez na aplicação do Concílio, está trabalhando aos flancos da resistência dos vértices iluminados.
Segunda ducha fria: o presidente da Conferência Episcopal americana (como é conhecida a Usccb era favorável ao presidente Trump), Mons. José Gomez, após ter pedido o parecer da Congregação para a Doutrina da Fé - que, na pessoa do cardeal Luis Francisco Ladaria, sugeriu moderação - sobre a possibilidade de negar a comunhão aos parlamentares católicos – entre os quais o presidente Biden – favoráveis ao aborto e à eutanásia, fez votar à assembleia da Usccb a proposta de encarregar a Comissão Doutrinal da Conferência a redigir o documento sobre o significado da Eucaristia na vida da Igreja.
Cento e sessenta e oito bispos votaram a favor, cinquenta e cinco contra. Em novembro, 75% dos bispos estadunidenses vão validar a “coerência eucarística” dos representantes em cargos públicos, apesar da defesa dos participantes, como o bispo de San Diego Robert McElroy, que votou contra porque “a Eucaristia não deve ser reduzida a meio político”, e o núncio Monsenhor Christopher Pierre lembrou os bispos à unidade, lembrando que “a Eucaristia não é simplesmente uma 'coisa' a ser recebida, mas o próprio Cristo, uma Pessoa a encontrar e este encontro deve ser posto em prática de acordo com um diálogo respeitoso e ponderado”.
Última ducha fria: o envio ao governo italiano de uma nota verbal para indicar ao governo italiano as preocupações da Santa Sé sobre alguns conteúdos atuais da proposta legislativa em exame no Senado (o Projeto de Lei Zan contra as perseguições homofóbicas) que “reduzem a liberdade garantida à Igreja Católica pelo artigo 2.º, parágrafos 1 e 3 do acordo de revisão da Concordata”.
Uma prática nunca utilizada, concernente uma matéria coerente com os princípios da caridade cristã de sempre, que ao se referir aos institutos educacionais católicos lembra os precedentes ruinianos, que intervêm contra normas nunca antes acusadas, visto que a Itália é a última a resolver um matéria já regulamentada pelos outros países democráticos europeus. Concorda em bloquear uma lei do Parlamento italiano apenas a direita.
Andrea Tornielli publica no Osservatore Romano uma entrevista com o Secretário de Estado Pietro Parolin, que "estava no México" quando foi entregue a famosa Nota do Vaticano e que diz literalmente: "Concordo plenamente com o presidente Draghi sobre a natureza laica do Estado e sobre a soberania do Parlamento italiano. Por isso, optou-se pelo instrumento da ‘Nota Verbal’, que é o meio próprio do diálogo nas relações internacionais”.
O cardeal Parolin não resolve as contradições. São questões relevantes especialmente para os católicos que trituraram a teologia conciliar e pretendem reformas não erroneamente julgadas salvíficas na idade que acredita que não precisa de Deus. Procurar-se-ia em vão a presença de católicos "adultos" que parecem incapazes de defender a virada indubitável do Papa Bergoglio julgada herética pela visão fundamentalista da fé.
Se Walter Kasper constata: “Cada vez que uma comunidade eclesial tentou sair de seus problemas por si mesma, contando apenas com suas próprias forças, métodos e inteligência, acabou multiplicando e alimentando os males que queria superar”, o otimismo da razão vai ter dificuldades para viver no Vaticano. Nem mesmo se estiver em Santa Marta.
[1] A Conferência sobre o Futuro da Europa é uma conferência proposta em 2019 que deveria ter começado a 9 de maio de 2020, mas que, devido à pandemia COVID-19, foi adiada para 9 de maio de 2021, o dia europeu, 71 anos após a declaração de Schuman. A Conferência deveria concluir-se em junho de 2022.
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Não apenas sinodalidade. Artigo de Giancarla Codrignani - Instituto Humanitas Unisinos - IHU