28 Agosto 2020
Petistas ironizam flerte de Bolsonaro com Bolsa Família e Minha Casa Minha Vida e planejam reação com lançamento de programa econômico.
A reportagem é de Bruna Aidar, publicada por HuffPost Brasil, 26-08-2020.
O presidente Jair Bolsonaro tem mirado em programas que foram carro-chefe dos governos petistas de Lula e Dilma Rousseff a fim de elevar sua popularidade, especialmente nas regiões Norte e Nordeste, já de olho na reeleição. Sinalizações dessa guinada à agenda de gestões anteriores é a troca do nome do Minha Casa Minha Vida para Casa Verde e Amarela com benefícios ampliados a essas regiões e a busca por viabilizar o Renda Brasil.
O programa de transferência de renda, ainda em gestação, visa substituir o Bolsa Família, criado no governo Lula, e o auxílio emergencial de R$ 600 aprovado excepcionalmente para trabalhadores informais que tiveram impacto na renda por causa da pandemia de coronavírus.
A nova pauta do governo veio junto com o esvaziamento do discurso de enxugamento da máquina pública e uma mudança na postura do presidente. Após sentir efeito positivo em sua popularidade por causa do auxílio emergencial e de um comportamento mais moderado que vinha sendo adotado até semana passada, Bolsonaro passou a ouvir mais ministros como Rogério Marinho, do Desenvolvimento Regional, e Tarcísio de Freitas, da Infraestrutura.
Eles defendem que a retomada de obras pode conter os danos da pandemia e alavancar a popularidade do governo, até então mais atrelado a polêmicas que a entregas.
As viagens oficiais, que o presidente retomou apesar das mais de 100 mil mortes pela covid-19, também indicam que ele já trabalha de olho em 2022. Desde junho, Bolsonaro fez 12 viagens oficiais a diferentes cidades, 3 delas para o nordeste, onde o eleitorado resiste mais fortemente a ele. Em 2018, 8 dos 9 estados da região tiveram mais votos para Fernando Haddad (PT), que para ele (no Ceará, quem ganhou foi Ciro Gomes, do PDT).
A estratégia de Bolsonaro tem sido ironizada entre os petistas. Ao HuffPost, o senador Jaques Wagner (PT-BA) aposta que o Renda Brasil não terá a força do Bolsa Família. “O resultado deste governo pode ser uma nova proposta de auxílio emergencial, acompanhado da destruição da rede de proteção social, da precarização dos direitos trabalhistas, do fim do abono salarial, de 13 milhões de desempregados, desalento recorde, redução dos recursos para saúde e educação tantos outros retrocessos.”
Ele afirmou ainda que, “enquanto a política econômica do Paulo Guedes ditar os rumos, ele não terá dinheiro para investir em nada e, logo, não terá o que entregar para a população”. “Só viajar, sem ter o que entregar, não significa muita coisa, só para reunir a torcida de apoiadores e divulgar nas redes sociais”, ironizou.
Os petistas preparam uma reação e devem lançar, em setembro, programa econômico chamado “Plano de Reconstrução e Transformação do Brasil”. Eles também estão fazendo vídeos com o mote de que é o partido quem defende o trabalhador: em tom eleitoral, as peças elencam feitos e números dos governos petistas e questionam o real empenho de Bolsonaro quanto, por exemplo, à diminuição da pobreza.
“Eles só sabem mentir, fazem festa para inaugurar obra dos outros, interferem na Polícia Federal para proteger a própria família, reclamam na hora de pagar R$ 600 de auxílio na pandemia, só queriam dar R$ 200. É nessa hora que a gente vê, quem defende você é o PT”, diz o texto de um dos vídeos.
Pintando um cenário de prosperidade econômica, eles também ironizam Guedes, lembrando o episódio em que ele disse que, em momentos de câmbio mais favorável, “empregada doméstica ia pra Disneylândia”, comentário polêmico e que obrigou o ministro de Bolsonaro a se retratar. “O brasileiro conhece quem governa pro povo, e sabe que na hora do ‘vamos ver’, quem defende você é o PT”, concluem.
Para o professor e economista da Escola de Administração de Empresas da Fundação Getulio Vargas (EAESP-FGV), Nelson Marconi, a confecção do Renda Brasil indica que o intuito do governo não é a diminuição da desigualdade, mas sim a reeleição: “Se fosse realmente focado em reduzir a pobreza, seria um programa melhor desenhado para entrar no orçamento de forma mais equilibrada.”
“Programas de renda são essenciais, mas a prioridade aqui é basicamente eleitoral, perceberam que apesar de todas as barbaridades que o governo está fazendo na pandemia, a popularidade está se mantendo estável por causa do abono. Faz muita diferença para as pessoas e vão tentar manter esse apoio político ― que eu acho discutível, porque a economia não vai melhorar de qualquer forma”, criticou ele.
Marconi também questiona a proposta do governo de criar o Renda Brasil a partir da fusão de outros benefícios, como o abono salarial e o seguro-desemprego. “Isso gera um problema que chamamos, em política pública, de vazamento: você não atinge necessariamente o público específico. Em troco desse, você vai perder outras redes de proteção. É preciso estudar o desenho para que os programas se complementem e possam atingir outras pessoas.”
Por causa da atual situação fiscal do País, segundo Marconi, se não houver uma fonte nova de recursos, é difícil que o Renda Brasil seja factível. Seria preciso cortar gastos, sob o risco de que o governo reduza investimentos em saúde e educação, por exemplo, ou aumentar a arrecadação. “Não é a toa que o governo está fatiando a reforma tributária, é uma cortina, eles querem mais arrecadação”, pontua.
E de fato, apesar dos esforços de Bolsonaro, há um impasse dentro de sua equipe que tem impedido a viabilização do Renda Brasil. O argumento da ala, liderada pelo ministro Paulo Guedes, que freia a criação de mais despesas é a falta de recursos. Nesta terça-feira (25), o ministro afirmou ao presidente que depende de fim das deduções do imposto de renda o Renda Brasil de R$ 300 ― valor defendido por Bolsonaro.
A reestruturação de programas sociais de governos anteriores para aprimoramento e benefício eleitoral não é novidade. O próprio Bolsa Família, por exemplo, é pivô de uma discussão recorrente sobre quem é, de fato, o criador da proposta: uns atribuem ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), que instituiu o Bolsa Escola, embrião do modelo consagrado por Lula; outros, ao petista.
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De olho na reeleição, Bolsonaro mira em programas que marcaram os governos do PT - Instituto Humanitas Unisinos - IHU