17 Agosto 2020
"O Auxílio Emergencial de R$ 600 é, de longe, o mais forte. Porém, também pesa a contenção temporária do presidente, que agora oculta, tanto quanto pode, seu caráter e intenções autoritárias. E mais: as sequelas pouco comentadas da covid-19", escreve Raquel Torres, editora do portal Outra Saúde, em artigo publicado por Outras Palavras, 14-08-2020.
Saíram ontem à noite os resultados da última pesquisa de avaliação do governo Bolsonaro feita pelo Datafolha, com entrevistas realizadas nesta segunda e terça-feiras. O Brasil acabara de ultrapassar 100 mil mortes pelo novo coronavírus (e definitivamente impulsionadas pela má condução brasileira da pandemia), mas isso não parece ter influenciado em nada as respostas. A aprovação do presidente subiu em quase todos os estratos demográficos e econômicos e atingiu o maior nível desde sua eleição: 37% dos brasileiros consideram seu governo ótimo ou bom, o que dá um aumento de cinco pontos percentuais desde o levantamento anterior, do fim de junho. Antes, a pontuação máxima já registrada tinha sido de 33%. Não bastasse isso, a reprovação caiu incríveis dez pontos: hoje, só 34% o consideram ruim e péssimo, contra 44% em junho.
O auxílio emergencial, como já era de se esperar, continua tendo grande impacto nos números. Entre quem pediu e recebeu o benefício, 42% acham o presidente ótimo ou bom (cinco pontos acima da média). No Nordeste, onde 45% dos moradores receberam o auxílio, a rejeição a Bolsonaro caiu de 52% para 35% e aprovação subiu de 27% para 33%. Mauro Paulino e Alessandro Janoni, diretores do Datafolha, notam que pelo menos três dos cinco pontos conquistados pelo presidente vêm de pessoas que estão no grupo apto a receber essa renda mensal: trabalhadores informais ou desempregados com renda familiar de até três salários mínimos.
Mas isso não explica tudo, já que houve certa uniformidade nos resultados. A rejeição a Bolsonaro caiu em vários grupos que se opunham a ele, como pessoas com curso superior (a rejeição caiu de 53% para 47%). Entre estudantes, recordistas no ‘ruim ou péssimo’, essa avaliação caiu de 67% para 56%. No Sudeste, onde Bolsonaro vinha perdendo campo continuamente, seu desempenho voltou a subir: a aprovação saltou de 29% para 36%.
Não deve ser coincidência, como nota o jornalista da Folha Igor Gielow, que a melhora tenha se dado junto com uma grande mudança na postura pública do presidente, que, desde a prisão de Fabricio Queiroz, anda extremamente manso em relação aos outros poderes. Ultimamente, em vez de participar de atos que pedem o fechamento do Congresso e do STF, Bolsonaro deu para viajar país afora inaugurando obras.
Em tempo: o presidente reconheceu ontem que, afinal, não deve conseguir criar o Aliança pelo Brasil. “É difícil formar um partido, não é impossível, mas é difícil. Uma burocracia enorme”, justificou, sinalizando a possibilidade de reconciliação com o PSL. A ver.
Luiz Henrique Mandetta, que admitiu recentemente a possibilidade de se candidatar à presidência, está para lançar um livro. ‘Um paciente chamado Brasil’ destaca sua passagem pelo Ministério da Saúde e, segundo a colunista da Folha Monica Bergamo, fala dos conflitos com Bolsonaro.
Eduardo Pazuello incorporou o Placar da Vida, do Ministério da Saúde, ao falar da situação brasileira em reunião da OMS. No encontro – onde, segundo o colunista do UOL Jamil Chade, tradicionalmente os governos apresentam seus números e as medidas adotadas na pandemia – o ministro interino simplesmente omitiu as 105 mil mortes e os 3,2 milhões de casos registrados no país. Decidiu ousar: “Até o final do dia de ontem, o Brasil contabilizava 2.309.477 casos recuperados de covid-19. Estamos entre os líderes mundiais em pacientes recuperados, o que evidencia o acerto das ações do governo brasileiro em resposta à pandemia”.
Não é preciso ser gênio para entender que, se a doença mata em geral menos de 5% dos infectados, qualquer país com muitas infecções vai ter sempre muitos “recuperados” também. Ser líder nisso é, obviamente, sinal de fracasso. Mas a positividade do Ministério ainda por cima desconsidera todos os efeitos que podem acometer quem já teve covid-19. Alguns pacientes continuam com sintomas meses após a alta. Quem fica internado muito tempo acaba com problemas que demandam cuidado e tratamentos específicos. E já estão sendo identificadas várias sequelas que o novo coronavírus pode deixar – algumas delas podem se tornar complicações para a vida toda. No podcast Tibungo, o Outra Saúde conversou sobre isso com o biólogo Marcelo Bragatte, um dos coordenadores da Rede Análise Covid-19, que explica em que pé estão as descobertas sobre sintomas e sequelas da doença. Também falamos com Wellington Cruz, que ficou mais de dois meses internado e conta o que passou (e ainda passa, meses depois) por conta do novo coronavírus.
Uma reportagem da Folha relembra várias estimativas sobre a gravidade que a crise da covid-19 atingiria no Brasil em agosto, e conclui que todo mundo – de políticos e empresários a médicos e epidemiologistas – errou. Osmar Terra é o rei das previsões furadas. Começou dizendo que morreria menos gente do que as vítimas de H1N1 de 2019, que foram 796 (no que foi seguido por Jair Bolsonaro). Depois, falou em duas mil vítimas no máximo. Disse também que “todas as epidemias” começaram a regredir em 13 semanas… E por aí vai. O repórter Fábio Zanini conseguiu uma nova declaração de Terra, que permanece extremamente firme nas suas teorias sem pé nem cabeça: “Reduzir a crítica a uma projeção numérica é uma forma de tentar desqualificar o que venho pregando na essência: fazer quarentena e ‘lockdown’ foi um erro, tanto que devemos chegar à triste e trágica marca de 100 mil mortes”, afirmou o deputado.
Entre outras estimativas furadas estão as de Onyx Lorenzoni (que falava em quatro mil mortos), Junior Durski, da rede Madero (para quem não se poderia fechar a economia para salvar cinco ou sete mil pessoas), e Luciano Hang (que, em junho, disse que o pico da doença já tinha passado).
Mas o repórter coloca o no mesmo balaio as projeções de epidemiologistas baseadas em modelos matemáticos, como o famoso estudo do Imperial College de Londres. Em março, seu estudo específico sobre o Brasil afirmava que o vírus poderia matar até 1,1 milhão de pessoas no país. Em cenários de quarentena apenas para os idosos, o número de mortes variaria entre 322 mil e 530 mil, e, no melhor dos casos, com 75% da população em quarentena, ficaria em cerca de 45 mil. Só que não dá para comparar estimativas como as de Terra, saídas sabe-se lá de onde, com modelagens feitas a partir dos dados conhecidos a cada momento, e que evidentemente vão mudando de acordo com as ações e condições locais.
Um estudo publicado no American Journal of Tropical Medicine and Hygiene calcula o quanto as notícias falsas sobre a pandemia já mataram mundo afora. Segundo os pesquisadores, só nos primeiros meses do ano quase 5,8 mil pessoas deram entrada em hospitais por causa de informações falsas recebidas em redes sociais, e pelo menos 800 morreram. Em muitos casos, os óbitos foram por ingestão de metanol ou produtos de limpeza, devido à crença de que esses produtos poderiam curar a covid-19.
Vale lembrar que um líder mundial envolvido em fake news sobre tratamentos bizarros é Donald Trump, que em abril sugeriu que infectados recebessem injeções de desinfetante. Somente nas 18 horas seguintes, Nova Iorque registrou 30 casos de ingestão desses produtos.
Perto disso, o incentivo ao uso de hidroxicloroquina é fichinha. Aliás, Eduardo Pazuello falou sobre a droga ontem, em audiência pública no Congresso. De acordo com ele, a pasta não conseguiu atender nem metade das demandas pelo medicamento. Jair Bolsonaro, para não perder o hábito, fez sua propaganda na transmissão ao vivo de ontem à noite. Garantiu que as pílulas extras produzidas pelo Exército vão ser usadas, então não vai haver desperdício… Não duvidamos, já que a pressão do governo (inclusive via orientações do Ministério da Saúde) é justamente no sentido de que se use tudo, mesmo que não faça bem.
O tratamento com plasma sanguíneo de pacientes convalescentes de covid-19 tem sido testado desde o começo da pandemia em vários países, com a aposta de que os anticorpos presentes auxiliem na cura. Ontem foi publicado (ainda sem revisão de pares) um grande estudo que indica um aparente benefício para pacientes que o receberam em diversos hospitais dos Estados Unidos. Foram mais de 35 mil pacientes envolvidos; os que receberam transfusões três dias depois do diagnóstico tiveram uma taxa de mortalidade de 8,7% nos sete dias seguintes; entre os que receberam o plasma quatro ou mais dias após o diagnóstico, a taxa foi de 11,9%.
Parece estar faltando um dado? Pois é – não houve um grupo controle, recebendo placebo, para comparar os resultados. Assim, não sabemos se essas taxas são muito diferentes das de quem não recebeu nada. É que o estudo, patrocinado pelos Institutos Nacionais de Saúde dos EUA, não foi projetado para realmente testar se o tratamento funciona bem, mas sim para ampliar o acesso ao plasma para os pacientes. Seus resultados até sugerem alguma melhora – além da pequena diferença na mortalidade quando o plasma era aplicado mais cedo, também se viu que as infusões mais ricas em anticorpos deram melhores resultados – , mas não dá para ter certeza.
O Brasil registrou três mortes de crianças com a rara síndrome que, possivelmente, está relacionada à covid-19. Foram identificados pouco mais de 300 de casos ao redor do mundo e ainda não se sabe bem como a síndrome funciona nem o que a causa. A relação com o novo coronavírus não foi confirmada, mas, como boa parte dos pacientes com os sintomas tem anticorpos para ele, imagina-se que seja uma relação tardia à covid-19.
Por aqui, 71 casos foram notificados até agora. “Isso não deve ser o número verdadeiro ainda. Uma coisa é notificar, saber que existe, e outra é todas as equipes que estão atendendo seguirem o caminho da notificação, uma questão de adesão. A síndrome não tem um código, não tem um prontuário, pode ter fatores que confundem”, alerta Jorge Afiune, presidente do Departamento de Cardiologia da Sociedade Brasileira de Pediatria, no Estadão.
A ANS decidiu, ontem, que planos de saúde vão ser obrigados a cobrir testes sorológicos para detecção do novo coronavírus. Contamos aqui que, em junho, a Justiça já havia emitido uma ordem nesse sentido, mas a agência havia conseguido suspendê-la. Agora, finalmente, beneficiários dos planos vão ter direito ao exame.
Autoridades chinesas informaram que uma amostra de asas de frango congeladas exportadas pelo Brasil testou positivo para o novo coronavírus. A OMS reforçou que não há evidências de que o SARS-CoV-2 possa ser transmitido pela comida, mas a notícia gerou algum furor, além de temores de que a compra de carne brasileira possa ser suspensa. O governo chinês disse que, “por enquanto”, não vai haver restrições.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Os dois fatores por trás do crescimento de Bolsonaro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU