24 Agosto 2020
"Deixar os crimes de Trump e Erdogan sem reações fortes e eficazes significa contribuir para a perda da capacidade imunológica dos povos da Terra de resistir e combater os crimes dos poderosos. Se pensarmos também no que está acontecendo no Brasil, na Índia, na Rússia ..., sonho com um movimento universal de libertação da humanidade", escreve Riccardo Petrella, cientista político e economista italiano com doutorado em ciências políticas e sociais da Universidade de Florença (Itália), em artigo publicado por Il Manifesto, 23-08-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
Ambos personagens são conhecidos e temidos por sua violência e seu caráter ditatorial. Eles são divisores dentro de seu país (em nível de relações raciais e sociais, Trump; no nível étnico e religioso, Erdogan) e internacionais (Trump é visceralmente anti-chinês e anti-russo, bem como anti-europeu e contra tudo o que não é a favor dos EUA; Erdogan também é contra tudo o que não é a favor da Turquia, especialmente contra os gregos, os curdos, os iranianos, os judeus, os cristãos). Eles usam a mentira como uma prática política da verdade. Falam sobre paz quando fazem a guerra. Invocam seu Deus quando são blasfemos. Exaltam sua "nação" e seu "povo" quando agem apenas por seu poder pessoal e por sua "missão histórica". Mas acima de tudo, cometeram crimes contra a humanidade.
De acordo com o artigo 6c do Estatuto do Tribunal Militar Internacional de Nuremberg (1945), um "crime contra a humanidade" é definido como "assassínio, extermínio, redução à escravatura, deportação ou outros atos desumanos inspirado por razões políticas, filosóficas, raciais ou religiosas. ....". O crime contra a humanidade pode ser cometido em tempos de paz ou de guerra. Mais perto de nós, o Estatuto do Tribunal Penal Internacional de 17 de julho de 1998 especifica o significado a ser dado a "extermínio" no artigo 7, 2 (b), segundo o qual "o extermínio inclui a imposição intencional de condições de vida, como a privação de acesso a alimentos e medicamentos, calculada para levar à destruição de parte da população”.
Em 2 de julho, Trump fez seu governo comprar 92% dos estoques disponíveis do medicamento Remdesivir, o primeiro medicamento reconhecido como útil e eficaz no tratamento da Covid-19 (embora existam estudos que mostram sua ineficácia, ndr). Facilita a recuperação rápida. É produzido pela empresa estadunidense Gilead, uma das empresas envolvidas no desenvolvimento da vacina contra o coronavírus.
O argumento utilizado foi o de garantir aos cidadãos estadunidenses o acesso ao medicamento, sabendo expressamente que isso evitaria que outras populações o utilizassem, pelo menos não antes de outubro, quando as doses disponíveis do Remdesivir serão renovadas novamente. Para além das discussões técnico-jurídicas sobre o assunto, o ato de Trump se enquadra na categoria de crimes contra a humanidade porque foi cometido com a intenção deliberada de impedir efetivamente outras populações civis fora dos Estados Unidos terem o direito e liberdade de usar um medicamento importante para combater uma pandemia particularmente mortal (mais de 780 milhões de mortes em 20 de agosto de 2020).
Quanto a Erdogan, o "homem forte da região" decidiu acabar com os curdos na Síria lançando em outubro de 2019 a invasão e ocupação manu militari (operação batizada de "Fonte da Paz"!) dos territórios da região norte oriental da Síria, habitada principalmente por curdos. E isso com a aprovação, por acaso (?), de Donald Trump. Desde então, várias vezes autorizou o corte de água a uma população de meio milhão de pessoas já ferida, em um país que está em guerra há anos, por destruições, massacres, crises de alimentos e água. A última interrupção ocorreu no início deste mês, em um momento em que a pandemia de Covid-19 está em pleno crescimento.
Também a gestão de campos de refugiados pela ONU não consegue garantir um acesso mínimo à água potável segura e adequada para uso humano. Não se fala justamente que lavar as mãos regularmente é uma ferramenta indispensável para prevenir e limitar a propagação da epidemia? Pois bem, é precisamente por isso que a Turquia de Erdogan está usando a água como arma para atingir seu objetivo de acabar com a presença dos curdos na Síria e, portanto, na "República de Rojava".
Essa República, que os curdos conseguiram criar e administrar desde 2012, havia se tornado uma experiência política e socioeconômica única em seu tipo, altamente inovadora para toda a região. Demonstrou que outra sociedade mais justa e democrática pode ser construída, baseada no comunalismo federal, no cooperativismo e na abolição da discriminação de gênero.
Mais um motivo para atacar os curdos e tentar eliminá-los privando-os de água. No caso de Erdogan, o objetivo é claro: exterminar, ao menos política e socioeconomicamente, as populações curdas.
Os crimes de Trump e Erdogan são ainda mais inaceitáveis e cruéis devido ao grande silêncio de outros líderes mundiais. Onde está a condenação das ações de Trump, mesmo que apenas verbalmente (!), de parte dos líderes da União Europeia?
E eles acham que podem escapar impunes dos crimes de Erdogan, lembrando que pediram ao Conselho de Segurança da ONU que parasse a invasão ou, agora, se limitando a operações humanitárias de emergência (tipo "bom samaritano") abrindo poços de socorro para refugiados ou abastecendo a população de Rojava com água engarrafada comprada da Nestlé, Coca-Cola ou Danone?
Deixar os crimes de Trump e Erdogan sem reações fortes e eficazes significa contribuir para a perda da capacidade imunológica dos povos da Terra de resistir e combater os crimes dos poderosos. Se pensarmos também no que está acontecendo no Brasil, na Índia, na Rússia ..., sonho com um movimento universal de libertação da humanidade.
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Os crimes de Erdogan e Trump no silêncio da comunidade internacional - Instituto Humanitas Unisinos - IHU