17 Julho 2020
Dois arcebispos argentinos estão sendo criticados por seguirem as ordens do Papa Francisco, para a criação de um setor voltado a receber as acusações de abuso clerical. Os religiosos estão sendo acusados de “usurpação do papel do Estado, trapaças e outras fraudes”, acusação que outros descreveram como “grotesca”.
A reportagem é de Inés San Martín, publicada por Crux, 15-07-2020. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
A queixa-crime contra Dom Eduardo Martin, da Arquidiocese de Rosário, e Dom Sergio Fenoy, da Arquidiocese de Santa Fé, foi registrada depois que os dois prelados anunciaram a “implementação de um sistema para receber acusações” de crimes sexuais cometidos por padres e outros membros da Igreja.
A criação deste setor foi solicitada pelo Papa Francisco, que pediu às conferências episcopais que implementassem um tal sistema sob uma nova regra da Igreja lançada ano passado. Entre outras coisas, Vos estis lux mundi (“Vós sois a luz do mundo”) exige que toda diocese tenha um sistema que permita o público submeter facilmente acusações de abuso.
Na semana passada, Martin e Fenoy anunciaram na que estavam criando esse mecanismo, mas Carlos Ensinck, presidente da Ordem dos Advogados de Rosário, apresentou a sua queixa argumentando que as duas arquidioceses estão tentando “suplantar o ofício do Ministério Público, que é o órgão para onde é preciso denunciar um crime”.
Segundo o advogado, a criação de um setor por parte da Igreja para relatar os casos de abuso equivale a “abolir o Estado de direito”.
Ao jornal local La Capital, Ensinck disse que soube do sistema de recebimento de denúncias e acusações de abuso através do sítio eletrônico da Arquidiocese de Rosário, quando esta anunciou a criação do novo setor em 8 de julho. O órgão, em Rosário, é administrado por duas mulheres.
O advogado diz ser “bastante questionável” que funcionários da Igreja estejam na responsabilidade de gerenciar as queixas contra padres e outros religiosos.
No motu proprio de maio de 2019, o Papa Francisco diz especificamente aos bispos: “(…) mature em todos a consciência do dever de assinalar os abusos às Autoridades competentes e cooperar com as mesmas nas atividades de prevenção e contraposição; se persiga eficazmente, nos termos da lei, qualquer abuso ou maus-tratos contra menores ou contra pessoas vulneráveis; se reconheça a quantos afirmam ter sido vítimas de exploração, abuso sexual ou maus-tratos, e também aos seus familiares, o direito a ser recebidos, ouvidos e acompanhados; se ofereça às vítimas e às suas famílias um cuidado pastoral apropriado e também um adequado apoio espiritual, médico, psicológico e legal; se garanta aos arguidos o direito a um processo équo e imparcial, no respeito pela presunção de inocência e também pelos princípios de legalidade e proporcionalidade entre o delito e a pena”.
Quanto aos autores de tais crimes, o Papa Francisco declarou que “se remova dos seus encargos o condenado por ter abusado dum menor ou duma pessoa vulnerável e, ao mesmo tempo, se lhe ofereça um apoio adequado para a reabilitação psicológica e espiritual, e também para fins da reinserção social; se faça todo o possível para reabilitar a boa fama de quem foi acusado injustamente”.
Em carta assinada por Martin e pelo Mons. Emilio Cardarelli, vigário geral de Rosário, a arquidiocese diz que a “implementação do sistema de recebimento de denúncias” não pretende, de forma alguma, substituir o gabinete do promotor de justiça em receber queixas-crime.
A carta destaca que não há nenhuma tentativa de substituir a “área de competência do Estado” e explica que o objetivo é “adotar decisões administrativas e disciplinares dentro de seu próprio escopo de ação”.
A carta foi lida em todas as missas da arquidiocese no último domingo.
O texto do fim de semana destaca que a implementação do novo setor foi feita a pedido do Papa Francisco, a mais alta autoridade da Igreja Católica.
No comunicado, a arquidiocese afirma que “a Igreja, quanto às possíveis consequências jurídicas, cumpre e assume o que a Justiça decide, que é a única entidade competente para esse fim e a única à qual se deve ir [para registrar uma acusação]”.
Dois advogados de Rosario, ambos ex-presidentes da ordem dos advogados local, publicaram um comunicado na terça-feira descrevendo a decisão de Ensinck, de denunciar os arcebispos, como “ignorância indesculpável”.
“A suposição de que o acusado está usurpando as funções próprias do Estado é grotesca”, diz a carta assinada por Ignacio del Vecchio e Arturo Araujo. “Entender o óbvio teria bastado para dissipar essa confusão (…): há duas áreas para julgar esses fatos. O jurisdicional, civil ou criminal, e o interno da Igreja Católica”.
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Arcebispos argentinos são criticados por criar um sistema que facilita a denúncia de abusos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU