02 Julho 2020
"O acolhimento sincero - longe da hipocrisia clerical - aumenta a sacralidade e a dignidade de cada um: afinal, o pecado de Sodoma foi a falta de hospitalidade de um estrangeiro. Acolher o diferente significa tornar-se uma Igreja aberta ao futuro que, de acordo com a intuição de K. Rahner, constitui "o que nos vem ao encontro” inevitavelmente", escreve Pe. Roberto Oliva, da diocese de San Marco Argentano – Scalea (Cosenza), nascido em 1990, foi o vencedor do prêmio Don Berlingieri 2018 pela tese de bacharelado (ainda não publicada) sobre o tema da profecia e da conversão na Igreja, em uma perspectiva de autocrítica, em artigo publicado por Settimana News, 01-07-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
A Igreja é chamada a se questionar seriamente sobre as modalidades espirituais e pastorais para acolher as pessoas homossexuais.
Chama a atenção a conclusão aberta do n. 195 do recente documento O que é o homem da Pontifícia Comissão Bíblica (PCB) sobre a homossexualidade: “A contribuição das ciências humanas, junto com a reflexão de teólogos e moralistas, será indispensável para uma exposição adequada do problema, apenas esboçado neste Documento”.
É necessária uma contribuição de várias vozes sobre o tema à luz da missão evangelizadora da Igreja para as mulheres e os homens do nosso tempo. Enquanto a comunidade eclesial repete a exigência de acolher as pessoas homossexuais, sabe-se bem, por outro lado, que esse dever constitui naturalmente sua vocação. Antes, a Igreja é chamada a se questionar seriamente sobre as modalidades espirituais e pastorais desse acolhimento.
Como a Igreja pode acolher essas pessoas?
Ao tentar praticar um corajoso e atento discernimento sem resistência: não apenas propondo imediatamente uma norma moral - que tenderia a afastar - mas apresentando a novidade do Evangelho, que é natureza sua inclusive. Preocupam nessa direção os dados relatados por Piotr Zygulski em seu recente artigo O acolhimento cristão, antes de qualquer lei: “Nos últimos sete anos e meio dos 1.050 crimes de viés homofóbico, 10 (1%) foram cometidos por presbíteros”. Precisamente daqueles que deveriam ser especialistas em discernimento e acolhimento, promovem gestos que, na realidade, contam o legado de um preconceito mais cultural que teológico.
“Ninguém pode ser condenado para sempre, porque essa não é a lógica do evangelho. Não estou me referindo apenas aos divorciados que vivem uma nova união, mas a todos, em qualquer situação em que se encontrem”, assim se expressa o Papa Francisco em Amoris laetitia que, através do discernimento, exorta a Igreja a incentivar a proximidade do amor de Deus, também nas histórias mais complexas a fim de superar a lógica da contraposição: "pode ou não pode", "dentro ou fora", "regular ou irregular".
Mas o discernimento permanece apenas em um nível espiritual-pessoal? Limita-se apenas a descobrir a preciosidade da vida humana aos olhos de Deus?
Se for apreendido em sua preciosidade, pode provocar processos mais exigentes que - examinando a apresentação imediata do ensinamento eclesial - levam a formular melhor algumas posições magisteriais, à luz da evolução da exegese bíblica e do pronunciamento eclesial. Dois exemplos são interessantes a esse respeito.
– O já mencionado Documento da PCB, apresentando a exegese de Gn 19 - notoriamente relatado pelo magistério para apoiar a desaprovação da orientação e da prática homossexual - mostra como, a partir do segundo século, uma determinada leitura moral da passagem bíblica tenha se afirmado. O relato do pecado de Sodoma (Gn 19), de fato, é citado em apoio à posição magisterial tanto no Catecismo da Igreja Católica no número 2357 - onde a homossexualidade é definida como "grave depravação" - como em outros Documentos da Igreja. A PCB mostra que, na realidade, a exegese da passagem em questão deve ser revista, uma vez que o verdadeiro pecado de Sodoma é a falta de hospitalidade ao estrangeiro, representado pelos dois anjos: “A rejeição do diferente, do estrangeiro, necessitado e indefeso, é o princípio da desintegração social, tendo em si uma violência mortífera que merece uma punição adequada”, assim explica a PCB.
Como é possível que, durante anos, tenhamos usado uma interpretação enganada do dado bíblico para motivar uma rígida posição moral?
– A questão se torna premente em relação à evolução do próprio magistério, que acolhe a tradição fundada nas Escrituras sagradas. Como no recente caso em que o Papa Francisco aprovou a nova redação do n. 2267 do CCC sobre a inadmissibilidade da pena de morte. Ou, retrocedendo, em 1866, encontramos a Instructio 1293 do Papa Pio IX palavras textuais sobre os escravos: “A servidão como tal, considerada em sua natureza fundamental, não é totalmente contrária à lei natural e divina. Pode haver muitos justos direitos à servidão e tanto os teólogos como os comentadores dos cânones sagrados se referiram a eles. Não é contrário à lei natural e divina que um servo possa ser vendido, comprado, trocado ou doado”.
Sabemos quanta estrada tenha feito o magistério sobre esse assunto, evoluindo também no entendimento da lei natural frequentemente usada como arma defensiva. O magistério pode se desenvolver - traduzindo melhor a tradição recebida - quando se deixa questionar pelos sinais dos tempos e pelo crescente valor que a dignidade humana assume dentro da comunidade civil.
O discernimento que a Igreja é chamada a praticar faz com que ela possa experimentar a evangelização - como Paulo VI escreveu em Evangelii nuntiandi - somente quando se evangeliza, ou seja, quando se converte ao saudável realismo evangélico que não permite a hipocrisia farisaica ostentar o ideal, mas sabe "ajudar a encontrar os caminhos possíveis de resposta a Deus e de crescimento através dos limites" (Papa Francisco).
O discernimento pode conduzir o magistério a uma maior conscientização de suas posições para acolher realmente as pessoas e não apenas retoricamente: a imagem ecumênica do retorno ao rebanho é frequentemente duplicada dentro da comunidade, quando a algumas categorias de pessoas são solicitados improváveis itinerários de conversão.
O acolhimento sincero - longe da hipocrisia clerical - aumenta a sacralidade e a dignidade de cada um: afinal, o pecado de Sodoma foi a falta de hospitalidade de um estrangeiro. Acolher o diferente significa tornar-se uma Igreja aberta ao futuro que, de acordo com a intuição de K. Rahner, constitui "o que nos vem ao encontro” inevitavelmente.
Os diferentes a quem a Igreja é chamada para anunciar o Evangelho da misericórdia constituem o universo plural e original da humanidade, que Deus ama e não condena: ontem eram os divorciados e novamente casados, hoje talvez os homossexuais.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Igreja e homossexuais: que acolhimento? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU