19 Junho 2020
Quando a esposa de Steven Rafferty, Kathy, notou que a recente carta do arcebispo Carlo Maria Viganò a Donald Trump havia sido postada na página oficial do Facebook da sua paróquia, ela deixou um comentário questionando a integridade tanto do remetente quanto do destinatário da carta.
A reportagem é de Christopher White, publicada em National Catholic Reporter, 18-06-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A carta foi rapidamente deletada, mas foi um ponto de ruptura para os Rafferty, que frequentam a Paróquia da Imaculada Conceição, em Cottonwood, Arizona.
Nessa carta, enviada no dia 6 de junho, Viganó, ex-núncio papal nos EUA, afirmou que ele e Trump estavam unidos em uma batalha cósmica entre as forças do bem e do mal.
Para os Rafferty, o fato de verem sua paróquia compartilhando o texto de um arcebispo italiano que já havia pedido a renúncia do Papa Francisco os deixou “relutantes em participar de uma paróquia que promove esse tipo de coisa”, disse Steven Rafferty ao NCR.
“Geralmente, sou bem quieto”, disse ele. “Essa é a primeira vez que eu me posicionei. Essa história do Viganò é simplesmente irreal e está fora de controle.”
Embora Rafferty tente se manter informado sobre as notícias da Igreja, muitos paroquianos confiam naquilo que ouvem da paróquia para moldar a sua compreensão da vida da Igreja, tanto em nível local quanto global, disse ele. Viganò “não merece o nosso tempo”, disse Rafferty. “Ele está minando a autoridade da Igreja e o papa, e isso me incomoda muito.”
A história de Rafferty não é estranha. Em todo o país, os padres têm usado suas homilias, boletins e mídias sociais paroquiais para promover Viganò, que, desde que emitiu um manifesto de 11 páginas contra Francisco em agosto de 2018, tem sido anunciado por muitos católicos de direita como o líder da resistência ao papado de Francisco.
No dia 10 de junho, quando Trump tuitou a carta de Viganò (originalmente publicada no site de direita LifeSiteNews) a seus 82 milhões de seguidores, junto com elogios ao arcebispo, ele ajudou a aumentar drasticamente o seu alcance, junto com o perfil de Viganò.
So honored by Archbishop Viganò’s incredible letter to me. I hope everyone, religious or not, reads it! https://t.co/fVhkCz89g5
— Donald J. Trump (@realDonaldTrump) June 10, 2020
Embora muitos católicos tenham ignorado o ex-diplomata vaticano, que escreveu sobre teorias da conspiração maçônicas e alimentou suspeitas de um “Estado profundo”, alguns observadores católicos se preocupam com um efeito normalizador quando párocos promovem indivíduos radicalizados como Viganò a católicos comuns que não estão em sintonia com as disputas internas da Igreja.
Em muitos desses casos, os padres em questão usam suas homilias e recursos paroquiais para promover uma fusão entre uma teologia tradicionalista e questões políticas conservadoras. Nas semanas seguintes ao ataque de Viganò contra Francisco em 2018, muitas Conferências Episcopais de todo o mundo emitiram declarações especificamente denunciando o ex-núncio. A Conferência dos Bispos dos EUA não o fez.
De fato, mais de duas dezenas de bispos estadunidenses – Dom Thomas Olmsted, de Phoenix, Dom Thomas Paprocki, de Springfield, Illinois, e o agora falecido Dom Robert Morlino, de Madison, Wisconsin, entre eles – emitiram declarações de apoio a Viganò à época, o que apenas ajudou a legitimar e amplificar seus esforços contínuos e os dos padres que agora transmitem essas perspectivas a seus rebanhos.
Cathleen Kaveny, professora de Direito e Teologia no Boston College, disse ao NCR que o efeito pretendido da recente carta de Viganò a Trump é continuar, em uma linguagem diferente, as guerras culturais, como evidenciado pelo uso de uma linguagem apocalíptica.
“Para os católicos comuns, a moral da história é que Trump se opõe ao aborto, e, portanto, você precisa votar no republicano”, disse Kaveny sobre quem compartilha a carta. “Eu não acho que alguém realmente espere o apocalipse. Só acho que eles estão claramente tentando convencer as pessoas a votarem em Trump, e não em [Joe] Biden [candidato democrata].”
De acordo com Massimo Faggioli, historiador da Igreja da Villanova University, algumas lideranças da Igreja operam sob a premissa de que “os católicos comuns estão protegidos das calúnias e das teorias da conspiração graças a um tipo de imunidade eclesial do rebanho”, e, portanto, muitos optam por descartar Viganò como irrelevante.
“O fato é que apenas uma pequena porcentagem de católicos ficou imunizada ao ler sobre Viganò desde os seus tempos já muito agitados no Vaticano, depois como núncio nos EUA e, finalmente, quando ele foi desonesto em agosto de 2018”, disse Faggioli ao NCR.
Homilias e boletins recentes publicados na internet pelo Pe. Ronald Antinarelli, pároco da Igreja de Nossa Senhora da Vitória, em Rochester, Nova York, lamentam aquilo que ele descreve como falta de coragem de bispos dispostos a enfrentar autoridades seculares. No entanto, para ele, há uma exceção louvável: Viganò.
“O Prelado não está em uma boa posição junto à atual multidão na Cidade do Vaticano e vive há muito tempo escondido, com medo da própria vida”, escreveu ele na página inicial do site da paróquia no dia 8 de junho, junto com um link para a carta. “Peço que você leia e envie cópias para todas as pessoas que você conhece. Lembre-se disto: os portões do inferno não prevalecerão.”
Antinarelli não respondeu ao pedido de comentário do NCR; no entanto, um porta-voz do bispo de Rochester, Salvatore Matano, divulgou uma declaração dizendo que o padre não agiu com a permissão do bispo.
“O Pe. Antinarelli agiu de forma independente e sem consultar o bispo”, escreveu o porta-voz em um e-mail ao NCR. “Nestes tempos muito conturbados, unimo-nos e apoiamos o nosso Santo Padre, Papa Francisco, Vigário de Cristo e Pastor Supremo, rezando pela paz e unidade, expressando nossa profunda gratidão a Sua Santidade pelo seu serviço a todas as pessoas.”
O post de Antinarelli do dia 8 de junho desapareceu da página inicial da paróquia de Nossa Senhora da Vitória.
O Pe. Richard Heilman, capelão do Estado de Wisconsin para os Cavaleiros de Colombo, costuma usar o seu “blog de ensino” RomanCatholicMan.com para comentar os últimos acontecimentos políticos e eclesiais. No dia 6 de junho, ele compartilhou uma cópia da carta, que ele disse ter sido enviada pelo tradutor de Viganò.
“Essa carta é monumental, pois nomeia o ‘Inimigo Invisível’ que controla uma minoria que sitiou o nosso país – eu não poderia concordar mais com ela!!!”, escreveu Heilman.
Heilman atua como pároco da Igreja de Santa Maria, em Pine Bluff, perto de Madison, Wisconsin, a mesma paróquia onde o Pe. John Zuhlsdorf, um popular padre blogueiro tradicionalista, está listado na equipe.
Dom Donald Hying, bispo de Madison, Wisconsin, não respondeu ao pedido de comentário do NCR, e Heilman recusou uma entrevista.
Em Tallulah, Louisiana, o Pe. Ryan Humphries, pároco da Igreja de São Eduardo, o Confessor, também se somou ao coro de párocos que usam as mídias sociais para elogiar o arcebispo.
“A alegação de Viganò sobre uma ‘Igreja Profunda’ é muito real”, escreveu ele no Twitter no dia 9 de junho. “Ainda há uma grande causa de esperança! A Igreja prosperou apesar da distorção de Judas por parte de Satã e prosperará de novo, apesar dos erros dos nossos tempos.”
Na Igreja de São José Operário, em Tyler, Texas, o Pe. Joseph Valentine incluiu a carta de Viganò no boletim paroquial no dia 14 de junho, junto com uma passagem de uma entrevista de uma testemunha da aparição mariana de Fátima, alertando que a Igreja dos EUA e seus bispos serão vencidos pelo comunismo.
Em alguns aspectos, Valentine segue apenas o exemplo de seu próprio bispo, Joseph Strickland, que, após a carta inicial de Viganò contra Francisco em 2018, emitiu sua própria carta menos de 24 horas após a publicação do ataque. Strickland disse que achou Viganò confiável e pediu a seus padres que lessem a carta dele em todas as missas dominicais daquela semana de agosto de 2018.
O Pe. Bob Bonnot, pároco aposentado e diretor executivo da Associação de Padres Católicos dos EUA, disse ao NCR que esses esforços servem apenas para alimentar as divisões entre os católicos.
“Poucas pessoas têm noção de quem é Viganò e, além do seu próprio bispo e talvez de um ou dois outros bispos ou cardeais importantes, não seriam capazes de falar muito sobre a hierarquia da Igreja”, disse Bonnot.
No entanto, Bonnot alertou que, se os paroquianos respeitam e confiam em seu pároco, é provável que prestem atenção no que ele diz e nos indivíduos ou causas que ele promove.
Faggioli disse ao NCR que muitos católicos são expostos a conteúdos como os de Viganò quando recebem o endosso de um pároco local ou através de certos tipos de mídias católicas. Ele disse que entende a relutância da Conferência dos Bispos dos EUA em falar coletivamente contra Viganò “para evitar o perigo de elevá-lo através de uma sanção oficial, um martírio voluntário que Viganò e seus facilitadores certamente apreciariam”.
Por outro lado, disse Faggioli, “quando os párocos se calam contra os apoios informais que ele recebe nos círculos católicos e na mídia católica, eu acho que se trata de uma falha no cuidado pastoral – ou pior, de cumplicidade no escândalo que ele tem criado desde 2018”.
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EUA. Padres e paróquias compartilham carta de Viganò a Trump - Instituto Humanitas Unisinos - IHU