11 Junho 2020
"Além das que já mencionei procuro refletir sobre: que contexto latino americano é esse e quais são as questões centrais por justiça socioambiental no continente? Qual o sentido de existir no tempo presente? Por que temos a dificuldade de reconhecer a falência do modo de produção capitalista? Que possibilidades e cuidados aprendemos com o COVID-19? Que contribuições a Educação Ambiental pode nos propiciar? Como será o amanhã pós COVID-19 da Educação Ambiental? Que perspectivas socioambientais poderemos ter numa América Latina e Caribe pós COVID-19?", questiona Vilmar Alves Pereira, filósofo, doutor em Educação pela Universidade do Rio Grande do Sul e bolsista de Produtividade do CNPq em Educação – Nível 2, em entrevista à Editora Garcia, sobre seu E-book "O que será o amanhã? A educação ambiental na América Latina e Caribe, a justiça ambiental e o covid-19".
Qual é o contexto do surgimento dessa obra?
São compreensões que emergem de experiências vivenciadas no sul da América Latina e Caribe a partir março de 2020 mais especificamente em Rio Grande-RS. Aqui o verão da alegria começou em nossa região beira-mar, receber outras brisas que não as costumeiras. Nesse movimento com muita preocupação recebemos notícias que os sinais do COVID-19 que iniciaram no final de dezembro de 2019 não eram apenas recados, mas apresentavam dados contundentes em que milhares de humanos diariamente estariam perdendo suas vidas. Mediante a esse grave quadro, movimentos nunca vistos começam a acontecer. Urgem ações coletivas e solidárias em todo o planeta se quisermos garantir a vida.
Outra motivação para essa escrita emerge da percepção sobre o modo como os embates entre a economia capitalista e a vida com possíveis retardamentos em muitos países estão sendo causadores de muitas mortes. Me preocupa o fato de mesmo percebendo o esgotamento paradigmático o sistema resiste, almejando protelar o velho modo de produção. Além dos milhares de morte, milhares de empregos são ceifados pela lógica do sistema. Paralelo a isso, muito me preocupa o aumento do número de humanos em exclusão e vulnerabilidade social com a presença cada vez mais imperativa do COVID-19.
Há três meses atrás eu me encontrava com um compromisso de pensar a Educação Ambiental e a justiça socioambiental na América Latina e Caribe. Assim fui percebendo que os movimentos criados pelo isolamento promoveram na humanidade inúmeras reflexões sobre o valor da vida humana e sobre a nossa condição existencial. Dentre muitas coisas, aproveitei esse período para escrever sobre algumas dessas reflexões. Desse modo, fui escrevendo partindo desse movimento reflexivo em isolamento com o intuito de contribuir com o pensar sobre a nossa existência e os espaços que ocupamos ou deixamos de ocupar nessa conjuntura.
Como foi escrever nesse contexto?
Confesso que não é a uma tarefa fácil escrever nesse tempo pois a cada dia que escrevo mais pessoas morrem no mundo e principalmente em nosso continente, país, estado e município. Paralelo a isso, vivo num Brasil (entre março e maio) que a cada dia apresentou uma nova faceta da crise política e ao mesmo tempo, sendo o epicentro da pandemia em maio, realiza grandes movimentos pelo fim do isolamento social em favor do retorno da velha economia. Dentre os que almejam esse retrocesso está o governo de Jair Bolsonaro que, para além de negar as orientações da Organização Mundial da Saúde e exonerar ministros da saúde, procura mitigar o impacto do COVID-19 comparando a “uma gripezinha” de modo muito desumano. Os resultados estão sendo desesperadores pois já passamos de 30 mil mortes em nosso país, mais aumento do desemprego e do número de excluídos. Outra preocupação é o fato de que na América Latina chegaremos a 220 milhões de pobres. Segundo do Obervatório COVID-19 da CEPAL teremos trinta milhões de pobres a mais no contexto pós COVID-19. Esses fatores fazem parte das preocupações centrais em minhas escritas.
Que outras questões orientam e movimentam esse e-book?
Além das que já mencionei procuro refletir sobre: que contexto latino americano é esse e quais são as questões centrais por justiça socioambiental no continente? Qual o sentido de existir no tempo presente? Por que temos a dificuldade de reconhecer a falência do modo de produção capitalista? Que possibilidades e cuidados aprendemos com o COVID-19? Que contribuições a Educação Ambiental pode nos propiciar? Como será o amanhã pós COVID-19 da Educação Ambiental? Que perspectivas socioambientais poderemos ter numa América Latina e Caribe pós COVID-19?
A Educação Ambiental tem alternativas para tantas questões?
Mediante e esse amplo conjunto de perguntas defendo que não possuímos soluções metafísicas com receituários prévios. No entanto, o que sabemos é que nossas pesquisas e ações no campo da Educação Ambiental e no Campo Popular não serão mais as mesmas no mundo pós COVID-19. Desse modo, não podemos nos omitir de nos posicionarmos. O convite que fazemos através dos ensaios consiste na necessidade de uma densa reflexão. Dela emergem compromissos que podemos reafirmá-los na direção da luta pela garantia da vida e de um futuro melhor. Mesmo sabendo que sozinha a Educação Ambiental não resolve todas as problemáticas considero ela fundamental para pensarmos novos contornos para o mundo pós COVID-19.
Como o senhor organizou a obra?
Eu utilizei o recurso filosófico de um formato de escrita mais livre através da construção de ensaios. Desse modo no primeiro Ensaio: Educação Ambiental e a Luta por Justiça Socioambiental na América Latina: Tempos Extremos realizo um esforço de compreender como a Educação Ambiental (EA) pode apresentar possibilidades de Justiça Socioambiental em cenários da América Latina em tempos de democracia em risco e de poderes governamentais extremos. Para tanto, realizei uma viagem em que busca aproximar a (EA) de alguns problemas socioambientais vivenciados por diferentes países. Trata-se de uma revisão bibliográfica tomando por referência o conceito de Educação Ambiental Crítica para análise da problemática. Os resultados demonstram uma grande busca por desenvolvimento sustentável. Do Uruguai até o México é possível perceber o quanto se buscam perspectivas de desenvolvimento sustentáveis no plano teórico. No entanto, no plano do mundo da vida, há muitas injustiças socioambientais que dificultam o atingimento de tais objetivos e que estão associadas aos seguintes aspectos: a) o modelo de desenvolvimento econômico voltados para o uso e abuso da extração de recursos naturais; (destacamos os grandes impactos pela vida através da mineração desenfreada na maioria das nações e pelo impacto criado pelo uso da matriz energética do petróleo). Demonstramos que aqui o capitalismo é mais agressivo que outros contextos pela forma de exploração dos recursos naturais e humanos. b) a fragilidade democrática faz com que muitos países na América Latina estejam nesse momento em contextos de democracia em afirmação ou em risco. Associa se a isso o retorno de governos populistas de extrema direita, como é o caso do Brasil. c) O continente antes do COVID-19 já apresentava alto índice de desemprego; d) como consequência do desemprego, da corrupção e do narcotráfico, o aumento da pobreza extrema é outro grave problema. e) como decorrência de problemas socioambientais e econômicos, as migrações ambientais consistem num outro fator que mobilizam milhares de humanos na América Latina e Caribe em busca de garantia de vida. f) as dívidas externas, a dependência dos países desenvolvidos em especial da China e dos Estados Unidos além dos altos tributos também são fatores de baixa expectativa de crescimento numa América Latina e Caribe pré-COVID-19. Procuro demonstrar também o largo caminho que a (EA) ainda tem pela frente, pois há muita vida sendo ceifada em nosso continente. Essa Educação não pode ser singularizada e vem sendo assumida de modos muito diversos em nosso continente. O demonstra que predomina, no entanto, uma Educação Ambiental de base conservacionista. Isso aparece como alternativa ao modelo de desenvolvimento econômico que é ainda insustentável.
No segundo ensaio abordo uma temática já divulgada anteriormente nesse espaço. Existências Ameaçadas: A Educação Ambiental em Tempos de COVID-19 onde busco refletir sobre a nossa condição existencial no contexto do COVID-19. Trata-se de um esforço hermenêutico, enquanto educador ambiental popular de refletir sobre o tempo presente. Desse modo, o ensaio passeia pela forma como vivemos a vida no sistema capitalista, num primeiro momento; num segundo, apresenta a percepção de indígenas e de um espiritualista de religião de matriz africana; posteriormente retomo algumas patologias socioambientais do capitalismo que ficam mais explícitas no contexto do COVID-19. Finalmente, apresento alguns desafios e formas de cuidado, bem como, a reflexão sobre o papel da Educação Ambiental na atual conjuntura. O estudo reforça a importância da (EA) nas escolhas que estaremos fazendo na direção do futuro coletivo de nosso planeta.
Almejando vislumbrar alternativas para o amanhã da Educação Ambiental no terceiro ensaio: O que Será O Amanhã? A Educação Ambiental Pós COVID-19 busco refletir sobre a Educação Ambiental (EA) e suas possibilidades no contexto pós COVID-19. Para tanto, num primeiro momento realizo esse movimento reflexivo a partir do conceito de paradigma de Kuhn e dos amplos movimentos que podem ocorrer na sua transição avaliando as limitações do paradigma moderno e do modo de produção capitalista; num segundo, me proponho pensar, alguns deslocamentos que o esgotamento do paradigma moderno sugere a (EA) associando o momento que estamos passando de COVID-19 ao conceito de entre lugares da (EA). Finalmente, a partir de um olhar hermenêutico, sugiro princípios de uma Ética Ambiental para uma Sociedade Pós COVID-19 num esforço reflexivo de pensar o futuro.
Finalmente encerro esse e-book com o ensaio: Perspectivas Socioambientais para uma América Latina e Caribe Pós COVID-19. Já mais imerso no contexto devastador do COVID-19, busco vislumbrar alguns horizontes possíveis pelo olhar da Educação Ambiental para nossa América Latina e Caribe. Desse modo, retomo nesse ensaio as principais problemáticas da nossa região estabelecendo algumas relações com o primeiro texto. Em seguida procuro demonstrar como o COVID-19 agrava quadros e problemas ambientais do contexto pré-COVID-19. Posteriormente a partir de um esforço hemerneutico compreensivo aponto para alguns rumos que podem contribuir nas escolhas e nos compromissos políticos que devemos desde já estar assumindo visando a garantia, preservação e possibilidade de vida digna na América Latina e Caribe.
Que outras contribuições e horizontes a Educação Ambiental pode trazer para o contexto pós-COVID-19 ao continente?
Visando contribuir pelo olhar propositivo da Educação Ambiental sugiro algumas perspectivas para o porvir latino-americano dentre elas destaco: o perigo do retorno a velha lógica econômica e a necessidade da adoção do ecossocialismo, da economia solidária e da agroecologia, a mudança na matriz energética, a mudança nas práticas de consumo, mudança nas relações humanidade-natureza, novas formas de aproximação entre as nações superando o modelo colonialista através de um esforço de descolonização que é também epistemológica, reforço das potencialidades e a superação do discurso da pobreza, a solidariedade latino-americana como possibilidade superação da exclusão social, a reinvenção de sistemas políticos mais democráticos com participação efetiva da população, a valorização da identidade latino-americana a partir do reconhecimento dos povos tradicionais e o enfrentamento de fato da postergação da discussão sobre as mudanças ou emergências climáticas. Já passamos do ponto a bastante tempo de enfrentar essa problemática central de uma crise socioecológica imensurável provocada pelo modo de produção capitalista que criou inúmeras patologias socioambientais dentre elas as emergências climáticas.
Finalmente acredito que temos alternativas suficientes na América Latina e Caribe para o enfrentamento da crise socioecológica além do ecossocialismo apontado acima para enfrentamento das mudanças climáticas, dos grandes danos que se manifestam mediante ao antropoceno. Dentre muitas sugiro outras três: a perspectiva ambiental da Ecologia Cosmocena, do Bem Vivir e da Pachamama que com todos os seus saberes e direitos reivindicam outros modos de viver a vida não apenas em nosso continente, mas em todo o universo. No que concerne a descolonização epistemológica apenas um exemplo, o caso de Cuba serve de referência sobre a independência no trato e no enfrentamento do COVID-19 e o sucesso na forma de gerir a vida mediante ao contexto da pandemia. Talvez possamos olhar com mais atenção para Cuba.
E a ideia de lançar a obra em português e também espanhol, qual propósito possui?
A ideia de lançar a obra com Edição Bilíngue consiste justamente nesse esforço por compreendermos que nossas grandes problemáticas na América Latina e Caribe são comuns e consequentemente nossos esforços também devem ser comuns. Acredito que a Educação Ambiental no contexto pós COVID-19 assumirá um espaço fundamental mais nas discussões voltadas a defesa da vida. Não se trata de qualquer vida. Nossa defesa deve ser sempre pela vida digna. Não há mais como nos omitirmos ou aceitarmos as invisibilidades ao campo ambiental sendo que o futuro que está em jogo é a nossa sobrevivência e ainda mais: a sobrevivência coletiva pois o problema de cada excluído é o meu e o nosso problema.
Que referência servem de aporte para os seus Ensaios?
Eu parto de uma base de estudos da filosofia, os pensadores da Escola de Frankfurt em especial Adorno Horkheimer e Habermas e sobre as questões ontológicas busco referências em Sartre e Heidegger. Tenho feito um esforço de aproximar essas leituras do campo em que pesquiso que são os Fundamentos da Educação Ambiental. Dentre tantos destaco Leff, Dusserl, Loureiro, Foster, Latour, Lowy, Sato, Henning, Cousin. Associado a isso devo confessar que fiz muitas profícuas e densas leituras dessa casa, do Instituto Humanitas, que passou a ser referência cotidiana em meus estudos. Para esses ensaios também li muitos textos do Observatório do COVID-19 da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) e do Comitê em defensa da vida (Colômbia), Observatório da Educação Ambiental (OBSERVAREA) além de ter assistidos muitas qualificadas falas em diferentes plataformas.
O que permanece em aberto nesse amanhã que vislumbra?
A grande interrogação que continua em aberto é a questão ontológica: qual é o sentido existencial que estamos tendo da pandemia do COVID-19 e o que poderemos estar redefinindo em nosso porvir. Foi e continua sendo essa questão principal que gerou os movimentos acima descrito na obra e tantos outros, pois ainda temos muita luta pela frente. Mas isso faz parte da nossa redefinição ontológica no sentido de viver melhor estabelecendo novas relações no planeta. A partir dessa compreensão encerro com as sabias palavras: "Quem luta, pode perder. Quem não luta, já perdeu". (Bertold Brecht).
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O que será o amanhã? A educação ambiental na América Latina e Caribe, a justiça ambiental e o covid-19 - Instituto Humanitas Unisinos - IHU