11 Junho 2020
"Muito mais do que programa acessório, assistencial ou complementar, de curto prazo, significa desenvolver o Bolsa Família e o Auxílio Emergencial em política permanente de renda incondicional de multidão. Mais do que isso, em um marco permanente de nova política. A Renda Universal como o programa dos programas, o cerne de um novo paradigma de mobilização produtiva e viver bem, o commonfare", escreve Bruno Cava Rodrigues, em texto publicado na página de seu Facebook, 09-06-2020.
Para fazer um gasto temos duas opções. Podemos gastar o que temos ou o que não temos, no momento do gasto. No primeiro caso, tenho dinheiro recebido anteriormente, como o pagamento do salário. No outro, tomo emprestado. Qual a diferença? É que, no segundo caso, pago juros, ou seja, um preço pelo crédito que obtive.
Existe uma série de críticas que dizem que o aumento da dívida doméstica é ruim em si mesmo, que o endividamento generalizado não passa de traiçoeira exploração. Teríamos vendido o futuro aos credores. Depende. Todo endividamento pressupõe um crédito.
Se, no presente, você consegue dinheiro que não possui, é porque tem algo a mais que o qualifica como passível do crédito. O que seria? Ativos sociais. O seu conjunto de capacidades, relações e atividades, o que lhe alarga o limite do cheque especial, do cartão de crédito, do financiamento de longo prazo.
Até onde posso expandir o meu crédito? Uma resposta é: até onde tenha alguém que te financie. Esse alguém que vai avaliar se vale a pena vender dinheiro para você em troca do juro, o dinheiro futuro.
Outra resposta correta: até o limite do que você for capaz de incorporar em termos de credibilidade. Quer dizer, através de relações, reputações e atividades, a pessoa (física ou jurídica) reúne um grau variável de crédito pessoal que, por sua vez, é parte do crédito social como um todo, já que só existimos economicamente em redes e agregados.
Se você conseguir aumentar a sua renda ao longo do tempo numa taxa superior à taxa de juros relativos às dívidas que contraiu, você será solvente. O endividamento foi produtivo e aumentou a sua demanda pessoal e, em consequência, a social (agregada).
De um lado ou de outro da resposta, pela via da oferta ou da demanda, chegamos ao mesmo problema, em duas formulações.
Qual o valor de juros que se está disposto a pagar/receber diante do crédito social definido? Até qual limite se expande/enxuga o crédito social diante de um valor de juros definido?
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O orçamento do governo funciona como o orçamento doméstico. Essa comparação pode ser feita. O leitor não precisa caucionar a analogia diante de uma suposta falácia da composição, que alguns economistas correm em apontar.
Alguns fazem isso para soprar as brumas do mistério sobre a moeda. Um fenômeno pedagógico curioso no estudo do tema monetário é como, logo nos primeiros cliques, ocorre do estudante julgar ter se deparado com as sete chaves para o segredo do dinheiro. Essa é a receita certa para o engessamento existencial típico de mais uma cultura woke: despertei de meu sono dogmático e me tornei iluminado por uma verdade oculta ou ocultada, fonte na ciência econômica para os fundamentalismos ortodoxos ou heterodoxos e suas deblaterações escolares de soma zero.
Em vez disso, penso que a intuição simples do dinheiro que temos no senso comum não está distante da explicação complexa.
Por que o orçamento do governo é como o orçamento doméstico? Porque, assim como as pessoas, o governo tem dois modos para financiar o seu gasto. Ele pode gastar o dinheiro que tem e o que não tem, no momento do gasto.
No primeiro caso, ele tem o dinheiro recebido anteriormente na arrecadação dos tributos. No outro, ele toma emprestado. Qual a diferença? É que, no segundo caso, paga juros, ou seja, um preço pelo crédito que obteve.
Existe uma série de críticas que dizem que o aumento da dívida pública é ruim em si mesmo, que o endividamento do governo não passa de traiçoeira exploração. Teríamos vendido o futuro aos rentistas. Depende. Todo endividamento pressupõe um crédito.
Se, no presente, o governo consegue dinheiro que não possui, é porque se qualificou para ser capaz de endividar-se. O que seria? O seu conjunto de capacidades, relações e atividades, o que lhe alarga o limite da dívida pública em relação à capacidade de arrecadar tributos, que a seu passo é proporcional ao produto da economia.
Até onde o governo pode expandir o seu crédito? Uma resposta é: até onde tenha quem o financie. Esse alguém que vai avaliar se vale a pena vender dinheiro ao governo em troca do juro.
Outra resposta correta: até o limite do que o governo conseguir incorporar em termos de credibilidade. Quer dizer, através de relações, reputações e atividades, o governo reúne um grau de crédito público que, por sua vez, é parte do crédito social como um todo, já que o governo participa da sociedade.
Se o governo conseguir aumentar a sua renda ao longo do tempo numa taxa superior à taxa de juros, será solvente. O endividamento foi produtivo e contribuiu para aumentar a demanda social (agregada).
De um lado ou de outro da resposta, pela via da oferta ou da demanda, chegamos ao mesmo problema, em duas formulações.
Qual o valor de juros que se está disposto a pagar/receber diante do crédito público definido? Até qual limite se expande/enxuga o crédito público diante de um valor de juros definido?
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Neste ponto, o economista da falácia da composição ressalva que a argumentação acima tem um catch. Por quê?
Porque, ao passarem dos limites, as pessoas podem acabar não tendo dinheiro no futuro para pagar o preço do dinheiro que tomaram emprestado no presente. Poderiam contrair mais dívidas para rolar as existentes? Sim, mas a situação de insolvência é exatamente essa bola de neve.
Ocorre que o governo não poderia passar dos limites. O governo não pode acabar não tendo dinheiro. Se o crédito que ele obteve foi em moeda nacional e o próprio governo cria a moeda nacional, então a solução é uma trivialidade. Basta ele mandar a casa da moeda "rodar a maquininha" (apertar a tecla 'enter') e zás: eis o dinheiro que faltava para saldar a dívida pública. Imprimir dinheiro!
Ah, mas nas democracias modernas, quem imprime dinheiro é o banco central. É verdade. Por isso que, na argumentação, é enfiada uma definição ad hoc de governo ("consolidado" ou "geral") que inclui o banco central. Com essa premissa, o governo é sempre solvente, por definição. Ele só não seria inerentemente solvente se a dívida fosse em moeda que ele não cria (numa economia dolarizada, na eurozona), ou quando o próprio governo decide não pagar (moratória).
A dívida pública seria um problema mal colocado. O problema é quanto do dinheiro criado é capaz de estimular demanda ou produção e terminar maior do que começou. O ciclo de vida do dinheiro iria da criação no momento do gasto até o retorno ao governo por meio dos impostos, que têm a função oposta de destruir dinheiro. O governo não precisa arrecadar para gastar, e também não é que o governo gaste para depois arrecadar. O problema é inteiramente outro: quanto e como gastar e arrecadar, de tal maneira que o ciclo de vida do dinheiro seja crescente?
Mas existe um catch no catch. É preciso dar mais uma volta no parafuso da falácia da composição.
A diferença de natureza entre o governo e a pessoa seria o poder soberano do governo geral de criar a moeda. Criá-la do nada, ex nihilo. Esse privilégio ontológico do ente governamental em relação às pessoas tem uma larga tradição. Ela remonta às teorias do direito divino, como de Jean Bodin ou, na versão secularizada do contrato social, de Thomas Hobbes.
A transição entre o céu e a terra se dá através do princípio uno e unitário do poder soberano. Em sua versão monetária, a teoria é a seguinte: o dinheiro descende do mundo das ideias ao mundo da realidade através da emissão governamental. E ponto. É uma teoria política que, transposta à cosmologia, corresponde ao criacionismo religioso.
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Mas vamos por a teologia de lado.
Sem a arquitrave soberanista, o governo passa a ser um ente social como os outros e a diferença será de grau e funcionamento, mas sem privilégio. Isto significa que as pessoas também criamos dinheiro. Em termos técnicos: o crédito social endógeno é criativo.
São os bancos que monetizam o nosso crédito ou somos nós que conferimos confiança à moeda bancária?
É o falso problema do ovo e da galinha. Da oferta ou da demanda, a resposta é a mesma: a monetização das dívidas é um processo social. E mais: é um processo social com efeito multiplicador, porque numa sociedade a integração das partes é maior do que a soma delas. Por assim dizer, existe o efeito multiplicador social da moeda (remeto às obras de Nigel Dodd ou Viviana Zelizer). A emissão não é do nada: ela se funda na confiança construída dia a dia por relações, reputações e atividades.
Por que precisamos dos bancos? Porque, sem eles, nosso crédito social somente poderia circular localmente, entre aqueles que nos conhecem. O potencial produtivo seria limitado pela dimensão pessoal. Pra isso que existe liquidez: para que a confiança pessoal seja integrada, com ganho produtivo, em confiança social global.
A monetização do crédito o torna impessoal e, desse modo, capilariza pela sociedade. No fundo, nunca houve um estado de natureza da economia sem dinheiro, como se aguardasse na antessala do estado civil. O dinheiro sempre existiu, porque é condição da própria existência da sociedade humana para além de comunidades locais minúsculas. A invenção foram os bancos, cuja principal função é conferir liquidez à produção de riqueza, noutras palavras, é socializar o crédito.
Então, vamos concordar com a recolocação do problema acima descrita, mas discordar da arquitrave soberanista que assume a centralidade do protagonismo estatal.
A pergunta principal realmente deve ser não sobre quanto seria o endividamento correto para um determinado nível de crédito social ou vice-versa, mas sim sobre o ciclo de vida do dinheiro entre o crédito e o débito. Ou seja, o problema do "como" organizativo ao longo do tempo, que é um fator qualitativo.
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O que tudo isso significa em termos práticos?
Estamos na beira de mais uma crise econômica. A paralisação das atividades devido à pandemia levou a uma queda imediata da renda presente. Pior ainda, comprometeu a expectativa geral no futuro, provocando aversão ao risco e, consequentemente, aumento do preço do dinheiro. As pessoas não somente reduzem o consumo, como evitam financiamentos de longo prazo. Os bancos retraem seus limites de crédito, emprestam com parcimônia. Os agentes econômicos em geral correm para ativos mais seguros.
Enquanto isso, a redução da demanda se soma a choque de oferta: cadeias produtivas são desmobilizadas pois o custo fixo não compensa. A capacidade instalada declina e empresas fecham, pessoas são demitidas e o desemprego explode. A desarticulação dos circuitos de oferta e demanda desorganizam a economia como um todo. O governo perde uma fração substancial de sua arrecadação levando à deterioração das contas públicas.
Diante desse prognóstico, brotou um inusitado consenso entre economistas de que é necessário ativar um contrachoque. Os mesmos que, há alguns meses, falavam em reformas de austeridade, nas atuais circunstâncias, são unânimes em concluir que seria um verdadeiro austericídio. Não há nenhuma ironia a ser aproveitada aqui. Esses economistas agora afirmam que é preciso pisar no acelerador dos gastos simplesmente porque apareceu uma ladeira. Do outro lado, voltaríamos ao statu quo ante. Quanto antes melhor.
Com efeito, as diferenças e disputas entre os economistas continuam, porém, elas se manifestam no 'como fazer' o contrachoque. Essas diferenças e disputas embutem opções políticas, mas, atenção, as opções políticas simetricamente não prescindem de explicações complexas da ciência econômica embutida.
Para esquematizar, o contrachoque é uma laranja com três gomos: monetário, fiscal e social. Os três se articulam ao redor do eixo da laranja que é o dinheiro. Se o crédito social é endógeno, a resposta social, sua mobilização produtiva, é parte essencial do problema. Assim como a resposta do governo, em termos de gastos (política fiscal), e a resposta do banco central, em termos de liquidez (política monetária/bancária).
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No Brasil, qual é a coordenação de competências entre o governo/tesouro e o banco central? O principal dispositivo está no Art. 164 da Constituição, mas a lógica macroeconômica vem sendo construída gradualmente, por exemplo, com o Plano Real (1994), o regime de metas da inflação (1999), a Lei de Responsabilidade Fiscal (2000), a Lei 11.803 (2008) etc. O Art. 164 proíbe que o BC financie diretamente o governo, separando na origem a emissão da moeda da emissão de dívida pública.
Em resumo, o governo deve se preocupar com o equilíbrio fiscal e a dívida pública é seu passivo, enquanto o banco central deve se preocupar com o equilíbrio monetário e a moeda, seu passivo. Em português claro, o governo deve balancear as receitas e as despesas e manter a dívida pública sob controle, enquanto o banco central não pode deixar a moeda descontrolar (inflação).
Os economistas monetaristas tendem a subordinar a política fiscal à monetária e, portanto, colocar a inflação (excesso de demanda) como problema maior. A seu favor age todo um passado inflacionista-desenvolvimentista, desde o Encilhamento. Uma herança macroeconômica especialmente maldita que vai da construção de Brasília à hiperinflação antes do Plano Real, bem como o período mais curto do mais recente desequilíbrio fiscal e monetário, no governo Dilma.
Já os economistas pós-keynesianos tendem a subordinar a política monetária à fiscal, com primazia do estímulo do orçamento público na economia, colocando o desemprego (capacidade ociosa) como problema maior. A seu favor age a conjuntura, pois todas as grandes potências econômicas estão concentradas agora em reaquecer a demanda.
Com a pandemia, ganhou enorme tração o princípio que, mais importante do que manter o equilíbrio monetário ou fiscal, o banco central e o governo devem estimular a economia. A diferença entre uns e outros consiste não apenas no 'como fazer' e na proporção de farinha e fermento, como também no caráter de curto prazo (monetaristas), longo prazo (keynesianos) ou permanente (MMT) do pacote de contrachoque.
Todos concordam que, neste cenário, o governo deve gastar e o BC pressionar pela queda do preço do dinheiro. Se os monetaristas entendem que o banco central deve ter um olho no juro e outro na inflação, os pós-keynesianos conferem primazia a um terceiro olho voltado à agenda produtiva.
É por isso que os ortodoxos compreendem que não é necessário imprimir dinheiro, cabendo uma regulação mais conservadora baseada no arroz com feijão da política monetária dentro da estrutura brasileira: redução dos juros de curto e longo prazo, irrigação de liquidez no mercado bancário, estímulo ao crédito.
Já os keynesianos enxergam uma relação mais estreita entre governo e banco central, pois, com a crise de 2008 o paradigma monetário já teria sido irreversivelmente deslocado. Portanto, na prática, já haveria um financiamento indireto da dívida pública através de mecanismos como o 'Quantitative Easing' ou, no Brasil, as operações compromissadas em grande escala.
Por último, os pós-keynesianos estatistas aglutinados na Modern Monetary Theory (MMT) panfletam a oportunidade histórica de curto-circuitar de vez emissão de moeda e emissão de dívida pública, colapsando as funções monetária e fiscal num único orçamento soberano. Defendem assim o financiamento direto do gasto público pelo banco central.
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É aqui que a discussão da renda universal se insere, no ponto em que entra em questão o terceiro gomo: a resposta social à situação de crise. Se o crédito social é endógeno e criador de dinheiro, a consequência lógica é que as políticas monetária e fiscal juntas não são suficientes para a mudança. Não adianta estimular a economia se a economia não responder do modo como se espera ou planeja. Não podemos perder nunca de vista que nós também somos a economia. Apesar do jargão técnico, os economistas estão falando de nós.
Vamos concordar com os monetaristas que a política monetária deve estar acima da política fiscal, sobretudo no Brasil. Principalmente, porque o governo é um mau empresário. Porque ainda tem muito a evoluir em termos de controle da ineficiência, corrupção e clientelismo. A crise de representação decorrente da crise de 2008, que bateu forte no Brasil em 2013, não tem nada a ver com uma revolta rentista contra a volta do estado. Na realidade, a crise da representação do século 21 esteve acoplada desde o princípio a uma demanda por melhores serviços públicos, que os estados deterioraram.
A tradução macroeconômica de Junho de 2013: se o multiplicador fiscal é inferior à unidade e o multiplicador social maior, a diferença do produto é o nosso déficit em relação à democracia.
Bem ou mal, o longo amanhecer da construção de confiança ao redor do governo brasileiro percorreu uma linha ascendente desde o Plano Real, na década de 1990, que foi condição institucional para o que veio depois. Sobretudo, com a ligação entre políticas fiscais e políticas sociais, nos anos 2000, quando uma fração majoritária da população se incluiu nos circuitos monetários/bancários, o que nos deu um relance de uma democracia possível.
No entanto, essa confiança conquistada a duras penas vem sofrendo uma ruína ao longo da década de 2010. Não tanto por culpa da crise da representação, mas em razão da resposta política a essa crise, que nos entrevou em loopings infernais. Respostas retrógradas que se traduzem num debate público ancorado no passado, numa incessante "volta a____".
Com isso, a resposta social descolou da reação dos governos e se alargou o fosso da representação.
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O acordo com os monetaristas, que desconfiam do governo, termina aqui. Pois a política monetária não pode ser um fim em si mesmo, pois a estabilidade não é um fim em si mesmo, a menos que o objetivo seja manter a posse do dinheiro com quem está hoje com a posse do dinheiro.
A política monetária precisa estar condicionada à política social, que também é parte, como um dos três gomos, da política do dinheiro. A política monetária deve estar com um olho voltado, sim, à agenda produtiva. Mas não à agenda produtiva implicada na ideia de retorno do estado, como se quiséssemos voltar ao mundo pré-1970.
Isso contraria não só a tendência motriz da crise da representação que aumenta a desconfiança sobre os políticos no governo, como a mudança estrutural do mundo do trabalho. O estado pré-1970 estava indexado a uma realidade da organização produtiva que não existe mais.
Esse é o principal problema da MMT, que não tem nada de moderna: na página 2 da teoria está... o socialismo real. Um estado forte e planejador que dispensa as instâncias intermediárias de regulação. A MMT promete uma quebra de paradigma, mas, no fundo, quer reconstituir o paradigma superado. É inteiramente arcaica e arcaizante, dentro de uma mentalidade woke que diz muito sobre o caráter revelatório da verdade que anuncia: o capitalismo seria uma mentira bem elaborada.
A agenda produtiva não deve ser organizada pelo governo, por meio de caricaturas de Plano Marshall ou na tentativa nostálgica de recompor um glorioso welfare state, mas pela resposta social. As políticas monetária e fiscal devem estar articuladas e, em última instância, subordinadas à política social.
O modo como o eixo dos gomos se articula será, logicamente, a Renda Universal. Em vez de financiar o governo para aumentar o gasto público dentro de uma agenda de produtividade, como querem os keynesianos, o objetivo deve ser o banco central financiar diretamente as próprias pessoas.
Não é tributação negativa, porque estamos falando de emissão de moeda primária pelo Banco Central e não renúncia de receita. Um fundo para transferências diretas de dinheiro, Fundo do Comum, administrado por representantes eleitos, e que poderia já começar com o lucro sobre as reservas internacionais sob a guarda do BC.
Isto implica, como gostaria a MMT, uma ruptura de paradigma. Mas de outro tipo. Nem tanto pelo retorno a um mundo que não mais existe, cujo horizonte é a estatização. Nem tanto pelo financiamento de um 'Job Guarantee' fazendo do governo o patrão universal da capacidade ociosa, ou de um 'People´s Quantitative Easing' através do gasto do governo. Mas sim uma fuga avante, um prolongamento afirmativo da crise da representação e da mudança estrutural do trabalho, na direção de uma Renda Universal.
Assim como o Quantitative Easing se perenizou num longo ciclo de liquidez que transformou o modelo de funcionamento institucional, as crises da política e do trabalho também são crises permanentes, que demandam a criação das respostas.
Muito mais do que programa acessório, assistencial ou complementar, de curto prazo, significa desenvolver o Bolsa Família e o Auxílio Emergencial em política permanente de renda incondicional de multidão. Mais do que isso, em um marco permanente de nova política. A Renda Universal como o programa dos programas, o cerne de um novo paradigma de mobilização produtiva e viver bem, o commonfare.
O dinheiro não cai do céu dos soberanos, ele emerge das redes, hábitos e relações, e é daí que devemos construir as instituições do futuro.
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