29 Mai 2020
Era o primeiro dia da semana.
Ao anoitecer desse dia, estando fechadas as portas do lugar onde se achavam os discípulos por medo das autoridades dos judeus, Jesus entrou. Ficou no meio deles e disse: «A paz esteja com vocês».
Dizendo isso, mostrou-lhes as mãos e o lado. Então os discípulos ficaram contentes por ver o Senhor. Jesus disse de novo para eles: «A paz esteja com vocês. Assim como o Pai me enviou, eu também envio vocês».
Tendo falado isso, Jesus soprou sobre eles, dizendo: «Recebam o Espírito Santo. Os pecados daqueles que vocês perdoarem, serão perdoados. Os pecados daqueles que vocês não perdoarem, não serão perdoados».
Leitura do Evangelho de João 20,19-23 (Corresponde ao Domingo de Pentecostes, ciclo A do Ano Litúrgico).
O comentário é de Ana Maria Casarotti, Missionária de Cristo Ressuscitado.
Depois de celebrar a Ascensão do Senhor a Igreja se reúne neste domingo para fazer memória do acontecimento de Pentecostes. Para compreender melhor o significado desta festa é preciso conhecer sua origem bíblica. Num primeiro momento nasceu como uma festa de ação de graças, no tempo de recolher a colheita. Cinquenta dias depois de recolher os primeiros frutos da colheita, ofereciam-se a Deus as primícias do trabalho.
De agrária converte-se logo numa festa histórica que lembra a promulgação da Lei no Sinai. Celebrava-se o aniversário da Aliança de Deus com Moisés cinquenta dias depois da saída do Egito, do êxodo libertador, e o povo judeu renovava os compromissos da Aliança. Jerusalém se enchia de pessoas vindas para celebrar a festividade de todas as partes.
No livro dos Atos dos Apóstolos narra-se a descida do Espírito Santo no dia de Pentecostes, quando todos os cristãos estavam reunidos num mesmo lugar e “todos ficaram repletos do Espírito Santo, e começaram a falar em outras línguas, conforme o Espírito lhes concedia que falassem”. Descreve-se assim a presença do Espírito Santo nesta data, que os congrega em oração e lhes concede expressar-se de forma diversa para serem entendidos/as nas diferentes culturas.
“Ao anoitecer desse dia estando fechadas as portas do lugar onde se achavam os discípulos por medo das autoridades dos judeus”, assim inicia-se o trecho do evangelho que meditamos hoje. Os discípulos reunidos, com medo, temorosos numa cidade cheia de pessoas, sem saber o que fazer. Eles já receberam a hostilidade dos judeus que culminou com a morte de Jesus! Jerusalém está cheio de crentes que chegam para a festividade.
O medo encerra os/as discípulos/as num espaço reservado, possivelmente procurando que ninguém saiba que esse grupo está reunido nesse espaço. Jesus já não está mais com eles. O Ressuscitado apareceu no meio deles, mas agora estão sozinhos, com uma promessa que ressoa no seu interior e possivelmente com muitas dúvidas, incertezas. A reação é ficar confinados, quase encarcerados pelo medo, como destaca o evangelista. Um medo que se apropria da comunidade e a impede de sair para fazer frente às dificuldades e comunicar assim a Boa Notícia de Jesus Ressuscitado. Um medo que se transforma em fraqueza e até covardia.
Podemos perguntar-nos: temos medo? O medo aparece com diferentes formas e cores, mas hoje há uma enfermidade, até o momento desconhecida, que atinge o mundo inteiro sem distinção de nível social, econômico ou cultural e gera medo. Um temor que permeia a sociedade toda, tanto pela possibilidade de contágio como pelas consequências que isso pode trazer. Neste momento crucial da nossa sociedade o medo pode ser um fator que nos fecha em nós mesmos, na nossa própria segurança, sem importar as pessoas ou os pequenos grupos que estão ao nosso redor.
Ou também pode ser, como descreve Pietro Parolin, um tempo “destinado a ter consequências relevantes em nossas vidas. E continua dizendo: “Somos colocados diante da nossa fragilidade e da nossa vulnerabilidade. Damo-nos conta de que não somos criadores, mas pobres criaturas, que existem porque Alguém lhes dá a vida a cada instante. Não somos seus donos absolutos. Basta uma qualquer coisa, um inimigo misterioso e invisível, para fazer-nos sofrer, para fazer-nos adoecer gravemente, para fazer-nos morrer. Reencontramo-nos pequenos, inseguros, indefesos, necessitados de auxílio.” Texto completo aqui.
E “Jesus entrou. Ficou no meio deles e disse: ‘A paz esteja com vocês’”.
Jesus entra na nossa vida para dar-nos em primeiro lugar sua paz e renovar nossa vida e a vida da nossa sociedade e das nossas comunidades. É preciso que sejamos recriados, renovados desde o mais íntimo e profundo. Não é uma simples mudança de atitude, de costume ou normas que determinam nossa atitude.
“Jesus soprou sobre eles, dizendo: ‘Recebam o Espírito Santo’”.
A presença do Espírito é representada em vários momentos com o símbolo do sopro e também do vento. Por exemplo, quando no livro do Gênese narra-se que depois de ter modelado o homem com a argila do solo, Deus “sopra-lhe nas narinas e o tornou um ser vivente” (Gn 2,7). Esse sopro de Deus gera vida! Em outros momentos aparece como o alento de Deus que “dá vida” (Jo 33,4), também como um louvor ao Deus da vida: “Envias o teu sopro e eles são criados, e assim renovas a face da terra” (Sl 104,30).
No relato do livro dos Atos dos Apóstolos lemos que no dia de Pentecostes os discípulos estão reunidos e, “de repente, veio do céu um barulho como o sopro de um forte vendaval, e encheu a casa onde eles se encontravam”. A presença do Espírito aparece também como um sopro, um forte vendaval que enche a casa e renova a vida das pessoas que estão reunidas.
Jesus sopra sobre os discípulos e os enche da vida do Espírito do Ressuscitado e os chama para realizar uma missão de ser comunicadores de sua paz e do seu amor e misericórdia a todo o mundo. Desta forma Jesus nos doa seu próprio ar que nos impulsiona e nos faz participar e comunicar sua Ressurreição.
O Espírito Santo atua no interior de cada pessoa e comunidade renovando-as e impulsionando a procurar novos caminhos para comunicar a novidade da sua presença no meio de nós. Neste momento que o Pentecostes é celebrado numa situação especial, o Senhor nos convida a reconhecer nossa pequenez diante da grandeza da missão que nos é confiada.
Cientes deste desafio, demo-nos as mãos, entrelacemos esforços, formando uma única rede cristã, para rezar juntos com confiança, como o fizeram Maria e a primeira comunidade, que se faça em nós a vontade de Jesus! Um momento especial para que todas as pessoas do mundo inteiro, deixando de lado as diferenças que provêm de nossas limitações, buscássemos tornar realidade o desejo de nosso Senhor, de que exista um só rebanho e um só Pastor!
E nos é oferecida “a possibilidade de redescobrir o valor da família, da amizade, das relações interpessoais, das frequentações que habitualmente negligenciamos, da solidariedade, da generosidade, da partilha, da proximidade na concretude das pequenas coisas. Precisamos uns dos outros e necessitamos de comunidades e sociedades que nos ajudem a cuidar uns dos outros”.
Lembrem-se também de que neste dia culmina a Semana de Oração pela unidade dos Cristãos promovida pelo CONIC, que nos convidou a meditarmos neste tempo de quarentena sobre o tema: Gentileza gera gentileza.
Fazemos nossas estas palavras de Marcelo Barros: “Esta Semana de oração pela Unidade dos Cristãos nos interpela a sairmos de nosso fechamento eclesiástico. Pede de nós reconhecer os cristãos e cristãs de outras tradições como irmãos e irmãs. Recomenda termos a gentileza como estilo de vida. E nos chama à unidade, mesmo em meio a todas as diferenças. O projeto é que obedeçamos ao mandamento de Jesus de sermos unidos. Que as Igrejas respeitem a autonomia de cada uma, mas construam juntas uma comunhão. Assim, poderão testemunhar ao mundo a gentileza de Deus conosco e trabalharmos pela justiça, paz e defesa da Terra e da natureza criada e habitada pelo Amor Divino”.
Acolhamos humildemente o Amor do Pai e do Filho, que é o Espírito Santo, para colaborar com a obra de Deus. E nossos povos latino-americanos tenham em Cristo vida em abundância!
Tu que sopras onde queres,
Vento de Deus dando vida,
sopra-me, sopro fecundo!
Sopra-me vida em teu sopro!
Faze-me todo janelas,
olhos abertos e abraço.
Leva-me em boa Notícia
sobre os telhados do medo.
Passa-me em torno das flores,
beijo de graça e ternura.
Joga-me contra a injustiça
em furação de verdade.
Deita-me em cima dos mortos,
boca-profeta a chamá-los.
Dom Pedro Casaldáliga
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O Espírito Santo: sopro de vida - Instituto Humanitas Unisinos - IHU