30 Setembro 2019
Como se articulou a Greve Climática Global – em que milhões questionaram corporações e governos. Por que a garota sueca tornou-se símbolo. A progressiva politização: da esperança ao desencanto e protestos. O que esperar agora, escreve Nick Engelfried, escritor e ativista ambiental, em artigo publicado no CTXT e reproduzido por OutrasPalavras, 27-09-2019. A tradução é de Antonio Martins.
Começou com um chamado à ação de um grupo de jovens ativistas espalhados pelo mundo, e logo tornou-se o que está se configurando como o maior protesto em favor do clima já visto, em escala planetária. A Greve Global pelo Clima, que terminou nesta sexta-feira (27/9) não foi a primeira ocasião em que pessoas de todo o mundo foram às ruas num único dia contra a destruição da natureza. Mas talvez seja um ponto de virada na resistência de base aos combustíveis fósseis.
“As greves estão ocorrendo em quase todos os lugares em que você pode pensar”, diz Jamie Margolin, uma estudante de ensino médio de Seattle, EUA, que jogou um papel na deflagração deste movimento global. “As pessoas estão participando em literalmente todas as partes do mundo”.
Entre os dias 20 e 27, milhões de pessoas participaram de ações que exigiram dos governos agir diante da crise climática. De estudantes muito jovens organizando manifestações a ativistas experientes planejando corte de vias em grandes cidades, as pessoas chamaram atenção para a urgência moral da mudança climática ao interromper a banalidade da vida cotidiana.
“É um instante de galvanização do movimento pelo clima, que está perdendo a batalha até agora”, diz Jake Woodier, da Rede Norte-Americana de Estudantes pelo Clima, que organizou-se para a greve em Londres e outras cidades do Reino Unido. “De repente, há toda uma nova geração de ativistas desafiando todo mundo, não importa quem seja, por não fazer o suficiente – e isso está despertando as pessoas”.
Como quase sempre, no caso de grandes movimentos sociais, o impulso para a Greve do Clima partiu de muitas iniciativas distintas, em diferentes pontos. Mas se as origens podem ser ligadas a um evento específico, foi provavelmente uma marcha em 2018, organizada pela organização juvenil Hora Zero (Zero Hour), que Margolin ajudou a fundar um ano antes, com um pequeno grupo de outros ativistas jovens – principalmente estudantes não brancos.
A marcha juvenil pelo clima do Hora Zero ocorreu em 21 de junho do ano passado, em Washington e foi precedida, dois dias antes, por um dia de pressão sobre os deputados norte-americanos, além de outros eventos nos Estados Unidos. Centenas de jovens aderiram, apesar da chuva, o que atraiu considerável atenção da mídia e jogou os holofotes em como a chamada Geração Z é atingida de modo desproporcional pela crise climática. Mas o que quase ninguém poderia ter imaginado é que, nos bastidores, o Hora Zero havia colocado em movimento uma série de processos que iria levar a uma mobilização ainda maior, e em escala global.
No outro lado do Atlântico, a garota sueca Greta Thunberg, então com 15 anos, havia lido notícias sobre o Hora Zero e fora inspirada pela visão de seus líderes a respeito de um movimento claramente liderado por jovens. Ela começou a seguir organizadores como Margolin nas mídias sociais. Em pouco tempo, garotas e garotos de distintos continentes comunicavam-se sobre ativismo climático pela internet. Em 20 de agosto, Thunberg realizou sua primeira “greve climática”, faltando à escola pra exigir ação, nas escadarias do Parlamento sueco. No mês seguinte, ela lançou as “Sextas-feiras pelo Futuro” (“Fridays for Future”), convidando outros estudantes para somar-se a ela em seus protestos semanais.
“As ações de Greta Thunberg deflagraram o movimento”, diz Woodier. “Num mundo em que somos levados quase sempre a nos individualizar e atomizar, e a crer que somos pequenos e não podemos fazer diferença, ela foi uma enorme inspiração para muitas pessoas jovens”.
No final de 2018, Greta passou a assistir encontros intergovernamentais sobre o clima na Europa – entre eles, um evento da ONU na Polônia. Ela não foi a primeira pessoa muito jovem a aparecer nas Nações Unidos e exortar governantes a agir, mas havia algo único em sua abordagem.
Greta era decisivamente mais focada que seus antecessores em denunciar a inação dos governantes. “Vocês só pensam em continuar com as mesmas ideias más que nos colocaram nesta crise. Vocês não são suficientemente maduros para dar às coisas seus nomes”, disse ela na Polônia. Para milhares de pessoas em todo o mundo que estavam saturadas de décadas de inércia governamental, seu tom marcou uma mudança indispensável.
Diversos fatores convergentes contribuíram para que o ativismo de Greta chegasse no momento perfeito. Ao longo da última década, movimento pelo clima foi aos poucos tornando-se mais capaz de organizar ações coordenadas entre os continentes, o que tornou possível a rápida difusão de novas táticas. Ao mesmo tempo, nos EUA, a Marcha por Nossas Vidas, contra a violência por armas de fogo, mostrou como poderia um movimento de massas formado por muito jovens. Finalmente, com a multiplicação de fenômenos climáticos extremos em quase todas as partes do mundo, mais pessoas estão despertando para a urgência da crise, o que as torna receptivas à mensagem de Greta. Como integrante articulada de uma geração que terá de suportar os custos da mudança climática mais do que as anteriores, ela tornou-se a porta-voz perfeita para aproveitar a oportunidade criada por estes eventos. Rapidamente suas falas aos governantes do mundo tornaram-se virais no YouTube.
Enquanto isso, o movimento das Sextas pelo Futuro crescia – especialmente na Europa, onde até então era mais influente. Em julho, a chanceler alemã Angela Merkel apontou a pressão dos jovens ativistas como uma das razões pelas quais seu governo planeja reduzir mais agressivamente as emissões de carbono. Em boa parte da Europa o movimento pela greve ajudou a colocar a mudança climática num patamar mais alto da agenda política dos governantes e dos eleitores. Um forte avanço dos Partidos Verdes nas eleições para o Parlamento Europeu, em maio, é possivelmente o sinal mais concreto até agora do impacto do movimento. Mas as greves rapidamente se espalharam além da Europa.
No início de 2019, houve manifestações estudantis em países como os EUA, Brasil, Índia e Austrália. Nos meses seguintes, surgiram apelos para um novo avanço do movimento – agora, liderado por jovens, mas com participação de gente de todas as idades. A ideia era de uma greve mundial em que as pessoas deixassem a escola, o trabalho ou outras atividades diárias para somar-se aos protestos por ação climática.
A data escolhida para iniciar a greve global coincidia com a convocação de uma cúpula climática de emergência, feita pelo secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, e que começaria em Nova York em 23/9. Muitos veem este encontro – concebido como uma oportunidade para que os países reforcem seus objetivos sob o Acordo de Paris pelo clima – como sendo reação direta às pressões de base que os governos estão sentindo.
“Este encontro de ação climática foi convocado em resposta ao agravamento da crise e à pressão do movimento da greve, diz Woodier. “É o contrário do passado, quando os organizadores da sociedade civil organizavam manifestações em resposta aos encontros oficiais marcados muito tempo antes”.
Greta foi convidada a falar no encontro da ONU, e uma cúpula especial da juventude reuniu jovens de todo o mundo, entre eles Margolin. Em 28/8, Greta chegou a Nova York depois de cruzar o Atlântico em um barco que não emite carbono. Mal havia posto os pés em solo norte-americano, já se somava a um protesto climático liderado por jovens, do lado de fora da sede da ONU. Enquanto isso, a Greve Climática Global era apoiada por centenas ou milhares de organizações no mundo.
Embora as maiores manifestações tenham ocorrido em grandes cidades, a greve também provocou ondas em localidades menores, menos nos países produtores de combustíveis fósseis. Segundo o grupo internacional sobre o clima 350.org, houve milhares de ações em 117 países do mundo.
O 350.org tem vasta experiência com este tipo de mobilização climática internacional. A organização começou com a primeira jornada de ação em larga escala especificamente voltada contra a mudança climática, em outubro de 2009. Ocorreu nos preparativos para as negociações climáticas da ONU, realizadas naquele ano em Copenhague. Visava pressionar os delegados a adotar um tratado climático internacional forte e de cumprimento obrigatório. A ideia de que tal objetivo poderia ser alcançado naquele momento pode soar ingênua em perspectiva, mas naquele momento não parecia irrealizável. Os EUA havia elegido fazia pouco Barack Obama para a presidência, e mesmo muitos ativistas climáticos não compreendiam quão profundamente o dinheiro dos combustíveis fósseis está incrustado nos salões de governo.
O Dia de Ação Global de 2009 foi em grande medida um evento festivo, celebratório. Grupos de pessoas posaram para fotos com cartazes diante de glaciares alpinos em derretimento e outras paisagens afetadas pela mudança climáticas. Havia muitas obras artísticas e relativamente poucas marchas realmente grandes. Fazia sentido para um movimento global que acabava de se colocar em pé – num momento em que de fato parecia que os governantes do mundo poderiam ser gentilmente empurrados a fazer a coisa certa. Mas com a medidas internacionais contra a mudança climática praticamente bloqueadas, atividade legislativa quase nula na maior parte dos países e o ascenso de políticos de extrema direita como Donald Trump, o ânimo do movimento pelo clima mudou dramaticamente.
“As pessoas que acompanham a Ciência sabem que estamos agora na fase de fuga da catástrofe climática”, diz Nadine Bloch, organizadora do #ShutDownDC, que organizou ações em Washington. “A urgência de estar em chamas foi finalmente compreendida por gente de fora das comunidades de ativistas”. A Greve Climática Global ocorreu apenas dez anos depois da mobilização de 2009 e teve manifestações muito maiores e mais importantes. Sua mensagem – a de que a mudança climática tem precedência, diante da escola e do trabalho – reflete esta urgência ampliada.
Porém, embora a palavra “Greve” conote um tipo de ação mais militante do que sessões fotográficas, nem todo mundo compartilha a mesma visão sobre o que ela significa. “Nos EUA, muita gente nem sabe o que é uma greve”, diz Nadine. “Ainda se fala em obter permissões para protestos, o que não é uma greve de fato”. O #ShutDownDC quer algo mais disruptivo, ainda que não violento. “Devemos interromper os negócios na sede do poder governamental cujos integrantes recusam-se a reconhecer a crise climática ou a assumir responsabilidade”.
Os ativistas também pensam em como levar o impulso da greve a outros movimentos de jovens. “A frustração diante da inação dos governos levou as pessoas a se envolver nas greves climáticas”, diz Gracie Brett, do Divest Ed, que promove campanhas de desinvestimento em combustíveis fósseis em mais de 70 universidades norte-americanas. “A mesma urgência permitiu que o movimento tivesse um novo impulso, há pouco. Oferecemos uma oportunidade de agir além dos dias de greve”.
Jamie Margolin também vê a greve como maneira de atrair um número maior de pessoas jovens para o movimento pelo clima. “Muita gente não parece, no início, interessada pelas tarefas de organização, que tomam a maior parte do tempo de ativismo”, diz ela. “Mas se você propõe a estas pessoas: ‘Ei, quer aderir a esta ação?’ – a fala atrai quase todo mundo. Ações como a greve são uma porta de entrada para o movimento mais amplo”.
Jamie, que originalmente ajudou a inspirar o ativismo de Greta Thunberg, agora segue seu chamado, deixando regularmente de comparecer à escola. Ela tem parentes na Colômbia e é motivada pela consciência de como a mudança climática pode afetar tanto sua casa atual quanto o lugar de origem de sua família. Nesse sentido, ela tem muito em comum com outras pessoas jovens, num movimento climático cada vez mais diverso e internacional – em que jovens adultos e adolescentes usam a internet para coordenar ações através de continentes e oceanos.
“Duas coisas me motivam: aquilo que desejo e aquilo que rejeito”, diz Jamie. “Estou lutando para proteger o belo Noroeste do Oceano Pacífico onde vivo agora e a pujança da Floresta Amazônica, de onde vem minha família. Mas também estou lutando contra o punhado de executivos, num punhado de corporações que estão literalmente destruindo a vida na Terra, contra sete bilhões de pessoas”.
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O que há por trás de Greta Thunberg - Instituto Humanitas Unisinos - IHU