16 Setembro 2019
A maior notícia do Vaticano da última semana é – infelizmente – a coletiva de imprensa que o Papa Francisco concedeu no dia 10 de setembro, enquanto ele viajava de volta a Roma depois de uma visita de seis dias à África oriental.
A reportagem é de Robert Mickens, publicada por La Croix International, 13-09-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Na realidade, a única coisa infeliz sobre a entrevista foi uma única pergunta sobre um tema não relacionado, de fato, que ofuscou quase tudo o que o papa disse e fez em sua viagem entre os dias 4 e 10 de setembro a Moçambique, Madagascar e Ilhas Maurício.
Se você é uma das poucas pessoas que ainda não ouviu a respeito, um repórter perguntou a Francisco se ele temia que os católicos que se opõem a ele, especialmente certos “conservadores” nos Estados Unidos, possam criar um cisma.
A questão, então, é se um cisma está realmente no horizonte. É mesmo provável? E como isso realmente aconteceria em termos concretos?
Por um lado, seria necessário pelo menos um bispo para liderar um grupo para romper a comunhão com Roma. Mas a probabilidade de que isso ocorra é tão pequena quanto a de que haja uma bola de neve no inferno. E o papa sabe disso.
Aqui está o porquê:
Em primeiro lugar, o momento não é propício. Francisco tem quase 83 anos, e os bispos que particularmente não gostam dele ou da sua visão reformista da Igreja sabem que seus dias estão contados.
Eles não vão romper com o bispo de Roma, o ponto focal da unidade na Igreja Católica, quando sabem que um sucessor pode não estar muito longe.
Eles continuarão esperando por ele, exatamente como fazem desde o início do seu pontificado. Eles continuarão “sorrindo e mostrando os dentes”, às vezes até o lisonjeando, enquanto o “apunhalam pelas costas”.
Há 99% de chance de que todos os bispos que são críticos ao atual papa sorriam e o apoiem. Eles aguardarão a sua hora na esperança de que seu sucessor encontre a aprovação deles.
A segunda razão pela qual é improvável que um bispo ou um grupo de bispos romperá com Roma é que esses prelados não são corajosos ou audaciosos o suficiente – embora alguém possa ser estúpido o suficiente – para romper.
O fato é que os oponentes de Francisco são "romanità” pura.
Eles recorrem à autoridade romana para definir e dar sentido e garantia a qualquer coisa que eles chamem de fé religiosa. A burocracia centralizada, conhecida como Cúria Romana, é fundamental para que eles sejam católicos. O papado é o principal fundamento.
Como papistas resolutos – alguns de uma maneira pueril e extremamente pouco reflexiva –, eles estão em um verdadeiro dilema. E devemos ser “misericordiosos” com eles, como Francisco nos implora, porque não deve haver nada mais doloroso e conflitivo para um papista do que ter que ser submisso a um papa que ele ou ela não gosta.
Uma terceira razão pela qual um cisma é improvável é porque as pessoas que o criariam tendem a ser fortemente apegadas às instituições e às propriedades católicas como parte da sua identidade.
Seria difícil, senão impossível, romper com Roma e manter suas igrejas, oratórios, escolas e outras estruturas físicas que eles também consideram essenciais para serem católicos.
Certamente, é sempre possível que bispos, padres ou leigos que estejam realmente fartos do Papa Francisco e acreditem que ele está mudando a Igreja de maneiras perigosas e irreversíveis possam se juntar a comunidades já existentes que romperam com Roma há muito tempo.
Pensamos especificamente na Fraternidade São Pio X (lefebvrianos), com sede em Écône, Suíça.
De fato, aqueles que demonstraram a maior hostilidade em relação ao Papa Francisco são algumas das mesmas pessoas que mostraram claros sinais de estima e respeito pelos lefebvrianos.
Muitos deles preferem a liturgia tridentina que precedeu o Concílio Vaticano II (1962-1965) à liturgia reformada, que a substituiu.
Outra razão pela qual um cisma – certamente um cisma formal – é improvável é porque é, em termos muito práticos, ele é desnecessário.
A Igreja Católica é uma tenda comunitária muito grande – especialmente com Francisco. Há muita variedade, e muitas coisas são toleradas.
O papa jesuíta não apenas tolera a diversidade. Ele a encoraja entusiasticamente.
Certamente nenhum papa nos últimos 40 anos adotou e promoveu a “norma comum que, expressa com palavras diversas, se atribui a diferentes autores”, e que João XXIII recordou com aprovação em sua primeira encíclica (Ad Petri cathedram):
“Nas coisas necessárias, unidade; nas duvidosas, liberdade; em todas, caridade.”
Existem comunidades neotridentinas que mantiveram (ou restabeleceram) a comunhão com Roma, que são quase idênticas aos lefebvrianos em suas práticas litúrgicas, eclesiologia e ethos.
Graças ao motu proprio Ecclesia Dei adflicta, de João Paulo II, esses grupos, cuja adesão a alguns dos principais ensinamentos do Vaticano II é questionável, estão em comunhão com a Igreja Romana.
Eles cresceram em número durante o pontificado de Bento XVI, que permitiu o amplo uso (e a promoção) da missa pré-Vaticano II. Francisco, embora pareça não concordar com a decisão do seu antecessor, não tomou nenhuma medida em contrário.
No outro extremo do espectro, existem grupos mais “progressistas” dentro da Igreja Católica que são muito menos doutrinários. Alguns deles seguem práticas litúrgicas consideradas como uma clara violação de normas proibidas ou sustentam posições morais ou éticas que não estão de acordo com as defendidas pelo Vaticano.
O Papa Francisco também não fez nada para chamá-los à ordem.
Portanto, aqueles católicos que são extremamente críticos ao papa jesuíta e até sugeriram que ele está repassando ensinamentos errôneos não têm nenhum motivo real para sair. Mas, como Francisco disse, eles tendem a ser rígidos, e o real objetivo deles é “mudar o papa”.
E isso nos leva à razão mais importante pela qual o Papa Francisco não está preocupado com um cisma. Ele não fez nada teológica ou doutrinalmente que justifique que os seus oponentes criem outra divisão na Igreja.
Que doutrinas centrais ou declarações do Credo da fé cristã ele questionou? Nem uma só.
“Eu rezo para que não haja cismas, mas eu não tenho medo deles”, disse Francisco no avião.
E ele pode ter apontado para a verdadeira razão pela qual seus críticos estão tão incomodados, mas também pela qual ele não está preocupado.
“Este é um dos resultados do Vaticano II, não deste ou daquele papa”, disse ele.
Os mais contrários a Francisco – bispos, padres e leigos – são realmente contrários aos desenvolvimentos decorrentes do Concílio Vaticano II.
Ou, pelo menos, eles estão chateados que o papa está envolvendo novamente a comunidade católica mundial com o espírito do Vaticano II e com o projeto do Concílio para uma Igreja mais radicalmente evangélica.
Mas não há necessidade de criar um cisma por causa disso. Já existe uma estrada que leva a Écône.
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Por que o Papa Francisco não tem medo de um cisma - Instituto Humanitas Unisinos - IHU