Por: Wagner Fernandes de Azevedo | 18 Mai 2018
A polarização na discussão contemporânea sobre o pontificado é um dos principais percalços para Bergoglio. Entretanto, na maioria das vezes, as opiniões diversas resultam simploriamente numa leitura entre papistas e antipapistas. Ampliando a abrangência de sujeitos, mas empobrecendo a qualidade que o debate necessita, pode se denominar progressistas e conservadores. Cada qual procurando atores de seus interesses nas estruturas da Igreja. Massimo Faggioli, no artigo Um convite para despertar os teólogos progressistas, denuncia a precariedade dos estudos teológicos pós-conciliares nos EUA. O legado da dicotomia, fortificada no pontificado de João Paulo II, acaba levando para uma disputa entre “estudantes conservadores” contra “lideranças sociais”.
Em artigo publicado pelo IHU, em setembro de 2017, Faggioli já apontava o avanço das discussões raivosas por grupos católicos na internet. Referindo-se aos ataques sofridos pelo padre James Martin por sua defesa de diálogo entre a Igreja e os católicos LGBTs afirma que: “Esse tipo de veneno está mudando profundamente a comunhão da Igreja Católica. E não apenas no seu ethos, mas também no modo como ela funciona. Isso sinaliza um novo tipo de censura que usa a violência verbal para intimidar os católicos individuais, assim como as instituições dentro da Igreja – instituições que existem (também) para proteger os direitos dos católicos”.
A crítica do italiano continua em outro artigo, de outubro de 2017, em que analisa as fundamentações de quem ele nomeia “neotradicionalistas”. Na ocasião, refere-se aos opositores do Papa Francisco, que por vezes fundem-se em pensamentos estagnados e mal formulados teoricamente sobre a Igreja e a doutrina: “é difícil negar que alguns dos seus porta-vozes [neotradicionalistas] mais públicos não possuem a habilidade de articular uma visão católica da relação entre Escritura, tradição, magistério e teologia. Isso é visível na sua rejeição à compreensão dinâmica da tradição, o que torna impossível para eles explicar como a inter-relação entre novos estudos bíblicos, tradição teológica e magistério papal já produziu desenvolvimentos no ensino católico”.
As discussões enfrentadas pelo Papa Francisco são pontos que limitam a atuação do pontificado tanto pela Igreja institucional quando pelo apoio público. A expansão de discursos violentos ocorre também no Brasil, como aponta o repúdio manifestado pelos bispos brasileiros na última Assembleia Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil — CNBB. Para Faggioli esses discursos não se limitam aos grupos divergentes na Igreja, mas são fenômenos da sociedade que expressam-se também no círculo eclesial.
As divergências de ideologia entre leigos e clérigos são apresentadas também no artigo supracitado de chamado aos teólogos progressistas. O professor afirma que os membros da igreja institucional podem ignorar as forças mercadológicas diferentemente dos espaços acadêmicos. As instituições de ensino que se propõem ao debate teologal de viés liberal e progressista não adentram à instituição. Assim, reforça-se o argumento inicial que os conservadores se imbricam na instituição, com a doutrina e os códigos imutáveis, enquanto a perspectiva de abertura e aggiornamento, a adaptação da Igreja ao tempo, como fundamentou o Concílio Vaticano II, permanece nos espaços universitários ou em ações sociais.
Em outro artigo, de novembro de 2017, publicado pelo IHU, Faggioli reforçava as limitações que esses comportamentos levam à igreja estadunidense: “a redução da tradição católica a um catolicismo medieval imaginário tem consequências significativas para a vida intelectual da Igreja Católica nos EUA, e para a maneira como ela percebe e responde “politicamente” às mudanças sociais e culturais dos últimos 50 anos”.
Em fevereiro de 2018, no artigo O problema é a democracia? O retorno do antiliberalismo católico escreveu sobre o avanço dessas ideologias antidemocráticas e antiliberais entre os jovens católicos. Segundo o professor, a prioridade dos valores católicos perpetuados pelos millenials recusam os valores democráticos e liberais pelas crises econômicas, políticas que geram ambiente de insegurança e injustiça. Assim, governos e lideranças não democráticas priorizam valores caros ao catolicismo, como a defesa do nascituro, sem perceber as tragédias que estes causam por suas próprias mãos.
Na sua análise da exortação Gaudate et Exsultate, publicada pelo IHU em abril de 2018, o italiano acena para as intenções papais de pensar um documento que supere as crises. “A Igreja não é apresentada aqui como uma ilha de graça para a pessoa conspicuamente santa cercada por um mar de pecado. Aqui a santidade é entendida em termos de comunidade: ‘Não há identidade plena, sem pertença a um povo. Por isso, ninguém se salva sozinho, como indivíduo isolado’ (§ 6) [...] Universalismos de todos os tipos estão em crise – na Igreja e no mundo –, e a articulação de Francisco do chamado universal à santidade é, em parte, uma tentativa de enfrentar essa crise”, analisa.
Atualmente, Massimo Faggioli leciona as disciplinas Do Vaticano II ao Papa Francisco e Introdução ao Método Histórico: relações entre fé e cultura, na Villanova University, da Filadélfia. Compõe com destaque um grupo ainda restrito de novos teólogos leigos. Nascido na Itália, é PhD em História Religiosa pela Universidade de Turim, desenvolvendo sua tese sobre o compromisso dos bispos pós-Concílio de Trento. Contribui periodicamente para a revista de política e religião Commonweal, bem como publica artigos para diversos periódicos de todo o mundo, como Huffington Post, La Croix e National Catholic Reporter.
A pesquisa de Faggioli contribui para a teologia contemporânea em ramos diversos da história da Igreja e da eclesiologia. Participa de uma ampla rede de estudos de diferentes institutos, entre eles a American Catholic Historical Association — ACHA (Associação Histórica Católica Americana, EUA, tradução livre), Catholic Theological Society of America — CTSA (Sociedade Teológica Católica Americana, EUA, tradução livre) e Associazione Teologica Italiana — ATI (Associação Teológica Italiana, Itália, tradução livre).
É autor dos livros: Cattolicesimo, nazionalismo, cosmopolitismo [Catolicismo, nacionalismo, cosmopolitismo, em tradução livre] (Armando Editore, 2018), dedicado à relação entre Igreja, sociedade e política do Vaticano II ao pontificado de Francisco; Vaticano II: A luta pelo sentido (Paulinas, 2013); True Reform: Liturgy and Ecclesiology in Sacrosanctum Concilium [Verdadeira Reforma: Liturgia e Eclesiologia na Sacrosanctum Concilium, tradução livre] (Liturgical Press, 2012); e, em espanhol, Historia y evolución de los movimientos católicos. De León XIII a Benedicto XVI [História e evolução dos movimentos católicos. De Leão XIII a Bento XVI, tradução livre] (Madrid: PPC Editorial, 2011), entre outros. Suas publicações já foram traduzidas para oito idiomas.
Massimo Faggioli é um dos conferencistas do XVIII Simpósio Internacional IHU — A virada profética de Francisco: possibilidades e limites para o futuro da Igreja no mundo contemporâneo, que ocorrerá de 21 a 24 de maio de 2018, no Teatro Unisinos, em Porto Alegre.
Suas atividades serão:
Faggioli esteve no IHU, em 2015, participando do II Colóquio Internacional IHU – O Concílio Vaticano II: 50 anos depois. A Igreja no contexto das transformações tecnocientíficas e socioculturais da contemporaneidade.
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Massimo Faggioli: contra a dicotomia simplista de progressistas e conservadores na Igreja - Instituto Humanitas Unisinos - IHU