27 Agosto 2019
A emergência de incêndios, a opinião pública e as respostas da comunidade internacional. Apontar o dedo para o presidente do Brasil é fácil demais. Mas será que a França de Macron será coerente com o que prega em Biarritz quando tiver que decidir sobre as concessões de mineração na Guiana Francesa? Porque em jogo não há a oposição a um único líder, mas um modelo de desenvolvimento injusto e insustentável.
O comentário é de Giorgio Bernardelli, publicado por Mondo e Missione, 24-08-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
"A Amazônia nunca esteve tão ameaçada como hoje". O Papa Francisco já dizia isso em janeiro de 2018 em Puerto Maldonado, no Peru. E é por isso que ele convocou o Sínodo sobre a Amazônia, que será aberto no domingo, 6 de outubro, no Vaticano. Agora, de repente - cúmplices as imagens dos incêndios que viraram virais nas redes sociais – isso é percebido pela opinião pública internacional e (a reboque) também pela política. Finalmente.
Olhando para a forma como essa emergência é contada, no entanto, algumas dúvidas surgem. Porque a verdadeira questão é: estamos dispostos a realmente tentar entender o que está acontecendo ao redor do grande pulmão verde? O primeiro passo para cuidar da Amazônia, de fato, é ir além das simplificações. É muito fácil apontar o dedo hoje para Jair Bolsonaro, o presidente do Brasil que, desde que assumiu o cargo em janeiro, não perdeu uma oportunidade para afirmar publicamente sua intenção de remover as restrições à exploração econômica da grande floresta. Que essas não são apenas palavras é confirmado não só pelos incêndios, mas também por muitos outros indicadores: os dados sobre desmatamento, as denúncias sobre o aumento de incursões de garimpeiros em reservas indígenas, as tentativas nos últimos meses da Bancada Ruralista - o lobby dos grandes empresários agrícolas no parlamento brasileiro - para derrubar também no plano legislativo as tutelas previstas pela constituição de 1988 para as comunidades indígenas. E a própria reação de Bolsonaro à emergência de fogo – de conspiração e acusação contra as organizações que lutam pela defesa da floresta, antes de anunciar uma improvável "tolerância zero" a ser realizada enviando o exército - levanta profundas preocupações.
Mas identificar as ameaças à Amazônia apenas com a presidência de Bolsonaro pode funcionar para algumas postagens nas redes sociais; não para enfrentar na raiz o problema de salvaguardar essa região. O ataque à floresta e as populações que ali vivem não começaram com Bolsonaro. Relatava isso francamente, por exemplo, algumas semanas atrás, numa entrevista o Pe. Sisto Magro, missionário do PIME na linha de frente das lutas pela defesa da terra no Amapá contra o agronegócio. "De 2003 a 2016, desde que Lula assumiu o cargo até a queda de Dilma Rousseff, no Amapá construíram duas mega-usinas hidrelétricas, chegaram o agronegócio da soja e Eike Batista com as atividades de mineração. E no governo ainda estava o Partido dos Trabalhadores. Bolsonaro ganhou as eleições precisamente por causa da decepção das pessoas. É por isso que agora estamos chegando ao fundo".
A questão é então ir além do objetivo fácil para olhar para o cenário geral. Às dinâmicas que alimentam não só as queimadas sazonais da seca, mas a agressão diária à floresta. Neste momento, por exemplo, muito pouco foi dito sobre o fato de que o maior incêndio em agosto na Amazônia não se desenvolveu no Brasil, mas na Bolívia de Evo Morales. Aquela mesma Bolívia que - como recordava outro dia numa entrevista à agência SIR o D. Eugenio Coter, bispo do vicariato apostólico de Pando e referente da Bolívia da Rede eclesial pan-amazônica - REPAM, acaba de assinar um megacontrato com a China para o fornecimento de carne bovina que obriga o país a dobrar suas áreas de criação. Pode ser uma simples coincidência em um contexto onde o fogo é o meio mais rápido para abrir caminho para novas pastagens? E isso não tem a ver com lógicas que são globais?
Bolsonaro não é o Nero do século XXI. É o resultado do que o mundo pede ao Brasil, antes de repreendê-lo hipocritamente. Escrever uma hashtag é fácil; mas começar a se perguntar, por exemplo, de onde vem o ferro com o qual mesmo aqui na Itália se produz o aço que passa por nossas mãos ajudaria muito mais a Amazônia. Bem como entender que - por exemplo - nas florestas da bacia do rio Congo, na África, ou naquelas ao redor do Mekong, na Ásia, as mesmas coisas estão acontecendo, embora com outros atores e muito menos holofotes apontados.
Hoje, o presidente francês Emmanuel Macron chama o Brasil às suas responsabilidades e traz o tema da Amazônia para o G7 em Biarritz. Tudo bem. Seria interessante, no entanto, que – como consequência - aproveitasse a ocasião para anunciar a virada que o mundo ambientalista e os povos indígenas lhe pedem sobre a gestão dos recursos minerais na Guiana Francesa, que faz parte da Amazônia. Por exemplo, poderia anunciar o bloqueio do megaprojeto Montagne d'Or, uma enorme mina de ouro a céu aberto que jamais sonharia construir na França e não é vista pois deveria ser implantada no coração da Amazônia.
O mesmo vale para o primeiro-ministro canadense Justin Trudeau: poderia explicar quais responsabilidades ele pretende assumir com relação às empresas de mineração canadenses que estão entre os gigantes da indústria de mineração na Amazônia, como em tantas outras periferias do mundo de hoje. Que respostas está disposto a dar aos povos indígenas locais que protestam contra essas megainstalações que alteram irreparavelmente o equilíbrio da floresta tanto quanto o fogo dos incêndios?
Alguns dos incêndios na Amazônia, aliás, não abrem o caminho para a soja, mas para as folhas de coca das plantações dos grandes grupos criminosos. Então, que tipo de ações a comunidade internacional está disposta a colocar em prática para conter a demanda e realmente lutar contra esse flagelo de maneira coordenada? Esses são apenas alguns exemplos de uma lista que poderia obviamente ser muito mais extensa.
"Tudo está conectado" é a frase-chave do Instrumentum Laboris do Sínodo que será aberto daqui a pouco mais de um mês no Vaticano. Essa perspectiva de uma ecologia integral sugerida pelo Papa Francisco é o único olhar realista para dar respostas à profunda crise da Amazônia. A ideia de uma defesa do meio ambiente inseparável da justiça para as populações locais que não são intrusos, mas os guardiões da floresta. Porque as estradas para o desenvolvimento sustentável existem também na Amazônia, mas só podem ser trilhadas ao preço de uma profunda conversão dos estilos de vida que devem ocorrer a milhares de quilômetros de Manaus. E o primeiro passo é um verdadeiro interesse pelo futuro do grande pulmão do mundo, e não as fáceis emoções espalhadas pelas mídias sociais.
Não é Bolsonaro quem precisa construir uma alternativa, mas sim o modelo de desenvolvimento baseado na injustiça para com os irmãos e a criação que hoje certamente ele não é o único a encarnar. O Sínodo de outubro chega providencialmente para nos lembrar. Como crentes, saberemos acolher a oportunidade para realmente abrir nossos olhos?
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Amazônia, mas a culpa é realmente só de Bolsonaro? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU