28 Junho 2019
São Pedro era um Galileu, pescador das margens do Lago de Tiberíades. São Paulo era um judeu letrado, cidadão romano da cidade de Tarso. Ambos, verão as suas vidas serem reviradas por Jesus e serão os primeiros propagadores da fé nascente. Somos hoje convidados a nos apoiarmos sobre estas duas colunas que são Pedro e Paulo, sobre a sua fé e o seu testemunho. Sim, apoiemo-nos nesta pedra, sobre a qual Jesus edificou a sua Igreja; apoiemo-nos em Paulo, que permaneceu fiel até o fim, pois o Senhor o assistiu para que anunciasse o Evangelho, e fazendo-o ser ouvido por todas as nações.
A reflexão é de Marcel Domergue (+1922-2015), jesuíta francês, publicada no sítio Croire, comentando as leituras da Solenidade de São Pedro e São Paulo, Apóstolos - Ciclo C. A tradução é de Francisco O. Lara, João Bosco Lara e José J. Lara.
Missa da Vigília
1ª leitura: «Em nome de Jesus, o nazareno, levanta-te e anda!» (Atos 3,1-10)
Salmo: Sl. 18A(19) - R/ Seu som ressoa e se espalha em toda a terra.
2ª leitura: Paulo, o Judeu, se torna Apóstolo do Cristo (Gálatas 1,11-20)
Evangelho: Jesus faz de Pedro, o pastor dos seus cordeiros e das suas ovelhas (João 21,15-19)
Missa do dia
1ª leitura: «Agora sei que o Senhor enviou o seu anjo para me libertar do poder de Herodes» (Atos 12,1-11)
Salmo: Sl. 33(34) - R/ De todos os temores me livrou o Senhor Deus.
2ª leitura: «Combati o bom combate, completei a corrida, guardei a fé» (2 Timóteo 4,6-8.17-18)
Evangelho: «Tu és Pedro e sobre esta pedra construirei a minha Igreja» (Mateus 16,13-19)
Segundo Mateus, Jesus disse a Simão “Tu és Pedro e sobre esta pedra construirei a minha Igreja” (16,18). Passando por cima das dificuldades que tais palavras atribuídas a Jesus pelo evangelista possam apresentar, consideremos o fato de que a Igreja não se edificou apenas sobre Pedro, mas sobre Pedro e Paulo, sem contar os outros onze apóstolos. Pedro foi apóstolo entre os judeus e, Paulo, o apóstolo dos pagãos: «de dentro», o primeiro, e «de fora», o segundo. Esta dualidade é importante, porque mostra que, desde o início, mesmo havendo só um papa, a Igreja não foi construída sob um modelo monárquico. Ela é feita de intercâmbio, de diálogo, de concertação.
Existem diferentes maneiras de ser discípulo de Cristo. Se a Igreja promove o culto de tantos santos, é sem dúvida para nos estimular, mas também para nos mostrar que não há um modelo único. A multiplicidade das ordens religiosas nos traz esta mesma mensagem. É preciso reler o 2º capítulo da Carta aos Gálatas para vermos como a Igreja nascente abriu-se à diferença. No versículo 11, Paulo nos conta o seu desacordo com Pedro: podem-se fazer advertências, corrigirem-se mutuamente, mas sem se separarem. Em sua segunda carta (3,15-16), Pedro confessa ter encontrado passagens difíceis nas epístolas de Paulo. Vemos assim que foi sob o signo da unidade, feita de união das diversidades, que a Igreja ganhou forma. Sem nenhum traço de monolitismo. De fato, a Basílica de São Pedro, em Roma, está dentro da cidade, já a de São Paulo está «fora dos muros».
Em Gálatas 2,7, Paulo diz que "os que eram tidos por notáveis (os responsáveis pela Igreja de Jerusalém) viram que a mim fora confiada a evangelização dos incircuncisos, assim como a Pedro a dos circuncisos". Seria preciso aproximar estas palavras de Paulo ao fato de que, em Roma, a Basílica de São Pedro está "intra muros", no Vaticano, enquanto a de São Paulo está "extra muros"?
Reconheçamos haver na Igreja duas coordenadas, sendo ambas necessárias ao traçado de sua curva. De um lado, o cuidado em proteger "o depósito da fé" e, de outro, a mobilidade, a missão junto a outras culturas, a outras maneiras de pensar e de viver. Não sejamos intransigentes: o Papa é também ecumênico e missionário, e os "enviados" não estão prontos para passarem adiante a fé herdada dos Apóstolos! Pedro e Paulo devem conjugar seus esforços, mesmo se, às vezes, há algum choque entre eles.
Atos 15 nos mostra as primeiras controvérsias a este respeito, e Gálatas 2,11-14 nos relata um acerto mais enérgico entre Pedro e Paulo. Mas as tempestades sempre foram apaziguadas, voltando-se à calma. Não nos surpreendamos, pois, se nos dias de hoje ficamos sabendo de enfrentamentos deste tipo. As Escrituras relatam tais fatos para nos advertir de que são inevitáveis e que, a cada vez, estão na origem de um aprofundamento da fé.
"Eu sou de Paulo (...), eu sou de Pedro - e eu (Paulo) sou de Cristo" (1 Coríntios 1,12). É sempre a referência ao Cristo que traz a paz de volta. Em Gálatas 2,15-21, depois de ter relatado sua altercação com Pedro, Paulo se lança numa longa explicação sobre a salvação somente pela fé. Assim, tomando a ilusão da salvação pelas obras segundo a Lei, Paulo desjudaíza a aproximação com Deus: daí em diante, já se pode ter acesso ao que o judaísmo anuncia e prepara, sem a necessidade de submeter-se às suas tradições. O que, sem dúvida, vale também para as nossas tradições... Daí, revela-se o essencial: Deus vem a nós e nós vamos a Deus através de um só, Jesus Cristo.
Ele veio a nós pelos judeus, mas ele é o Verbo em que tudo foi criado e a vida de tudo o que vive. Vida à prova da morte: a fé revela-se fé no Cristo ressuscitado. Paulo, em 1 Coríntios 1,13-14, pergunta: "Fostes batizado em nome de Paulo?". Nem em nome de Paulo nem de Pedro: o Cristo ultrapassa todos os nossos particularismos, todos os que têm a missão de anunciá-lo. Pedro e Paulo (e os outros) podem ser os fundadores da Igreja, mas não são o seu fundamento. Nisto, Pedro e Paulo estão de acordo: uma só Pedra angular, o Cristo (1 Coríntios 3,11 e 1 Pedro 2,4-7).
É notável que a Escritura não nos apresente os fundadores da Igreja como pessoas perfeitas, sem obscuridades nem fraquezas. Logo após a profissão de fé de Pedro - que, conforme o relato do evangelho, Jesus atribui não à herança de «Simão filho de Jonas», mas à origem absoluta de tudo o que existe -, vemos este que acaba de ser qualificado como pedra fundamental do edifício da Igreja ser tratado como Satanás, como adversário, habitado por uma voz que não vem de Deus. Uma pedra de tropeço no caminho do Cristo para Jerusalém e para a Paixão (passagem omitida em nossa leitura). Na hora decisiva, Pedro renegará o Cristo que, segundo o evangelho da vigília, vai fazê-lo compensar de alguma forma a sua tríplice negação, por meio de uma tríplice afirmação de amor. Três, um dos números do incalculável.
Já Paulo não se poupou nem um pouco: em 2 Coríntios 12,7-10, confessa ser atormentado por um «aguilhão na carne», uma tentação da qual, aliás, é impossível determinar a natureza. Em Romanos 7,14-24, declara-se, assim como todo homem, habitado pela «lei do pecado». O conjunto das Escrituras inclui o pecado, a imperfeição do homem, no desenrolar do plano da salvação, do triunfo de Deus sobre o nosso mal. Não vamos, pois, exigir dos que nos transmitem o Evangelho e administram a Igreja uma perfeição de que nós mesmos somos incapazes. O mal que há em nós é assumido e usado por Deus para dele fazer vir o bem.
Este uso do mal para produzir o bem foi justamente o que se deu na Paixão de Cristo. O paroxismo da perversidade provoca um superparoxismo do amor. Isto que se passou na Páscoa de Jesus reproduz-se em nossas existências pessoais e, também, na história da Igreja. Somos disto os beneficiários e, a partir daí, temos de alimentar a ambição de nos tornarmos seus imitadores. Fazer surgir no mundo um acréscimo de amor a partir do mal que possamos fazer e do qual possamos eventualmente ser vítimas, é este o «programa» da ética cristã.
Graças a Deus, Pedro e Paulo, fundadores da Igreja, estão aí para nos mostrarem em que isto é possível. Pecadores, ou seja, produtores do mal e beneficiários do perdão de Deus, mártires que, assim como Jesus, sofreram em seus corpos a perversidade dos homens e que, no perdão que lhes concederam, aceitaram dar a sua vida, traçam-nos o caminho a seguir. Felizmente não foram perfeitos, senão o seu exemplo poderia nos desencorajar. A perfeição está no final de uma longa caminhada, é um dom que nos está prometido, não um bem já possuído. Enfim, escolher a perfeição poderia ser exatamente deixar de nos preocuparmos conosco e passarmos a nos ocupar com os outros, «olhar para fora». Desta forma, a Boa Nova do primado do amor poderia ser anunciada, porque vivida, primeiro em Jerusalém (Pedro) e, depois, até nas extremidades do mundo (Paulo).
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Dois perfis de apóstolos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU