21 Junho 2019
Confessar que Jesus é o Messias de Deus nos faz entrar num caminho que não é como os outros, pois este caminho nos leva a perder a própria vida a fim de salvá-la.
A reflexão é de Marcel Domergue (+1922-2015), sacerdote jesuíta francês, publicada no sítio Croire, comentando o evangelho do 12º Domingo do Tempo Comum - Ciclo C. A tradução é de Francisco O. Lara, João Bosco Lara e José J. Lara.
Referências bíblicas
1ª leitura: «Ao que eles feriram de morte, hão de chorá-lo como se chora a perda de um filho único» (Zacarias 12,10-11; 13,1).
Salmo: Sl. 62(63) - R/ A minha alma tem sede de vós, como a terra sedenta, ó meu Deus!
2ª leitura: "Vós todos que fostes batizados em Cristo vos revestistes de Cristo" (Gálatas 3,26-29).
Evangelho: "Tu és o Cristo de Deus. – O Filho do homem deve sofrer muito" (Lucas 9,18-24).
A passagem do evangelho que lemos hoje está situada entre a multiplicação dos pães, prefiguração da última Ceia, e a Transfiguração, quando Jesus conversa com Moisés e Elias a respeito «de seu êxodo que se consumaria em Jerusalém». De fato, no versículo 51 deste mesmo capítulo, veremos que «ele tomou resolutamente o caminho de Jerusalém» onde será crucificado. Ou seja, este nosso evangelho, que comporta o primeiro anúncio da Paixão, está situado num momento de mudança de direção do Evangelho de Lucas.
Antes desta sua última viagem, Jesus vai informar os seus discípulos do que o espera e do que os espera. E aqui, uma vez mais, surge a questão: «Quem eu sou?» A resposta de Pedro é ambígua: com efeito, o Messias é considerado como filho de Davi, herdeiro da sua realeza e da sua glória. Davi é célebre por seus feitos de guerra e pela instalação do povo eleito em Jerusalém.
Para a maioria dos discípulos de Jesus, o Messias libertaria Jerusalém da dominação romana. Ainda depois da Ressurreição, os apóstolos iriam lhe perguntar se «naquele momento ele iria restabelecer o Reino em favor de Israel» (Atos 1,6). Um equívoco seja quanto ao Reino seja quanto ao Messias. Pois nós cometemos um erro semelhante, quando esperamos que Deus nos livre dos terremotos, das epidemias, das guerras... Tudo isto foi colocado em nossas mãos, cabendo-nos prever e remediar.
O Cristo vem se juntar a nós, vem ficar conosco, no que de pior nos possa acontecer. E nos fará sair daí, para entrarmos numa vida e num universo que somos incapazes de imaginar. Se Jesus não quis que contassem para mais alguém ser ele o Messias, foi por causa deste equívoco, deste mal-entendido quase que geral, sobre o sentido desta palavra e da missão mesma deste «Messias». Já sobre a sua identidade profunda, este filho de Davi deverá ser reconhecido como Filho de Deus.
Filho de Davi, Filho de Deus, Jesus, no evangelho, fala de si mesmo empregando a expressão «Filho do homem». O Cristo inseriu-se numa linhagem humana. Assim, Deus e a humanidade se fazem um só. Fruto da humanidade, homem por excelência, ele é ao mesmo tempo expressão perfeita de Deus, «o ícone do Deus invisível», como diz São Paulo em Colossenses 1,15.
Digamos que, por Cristo e em Cristo, Deus esposou o destino do homem até o final. E este «final» é a rejeição para fora da humanidade que tantos homens sofrem. Alguns, como se diz, fizeram por merecer ou, pelo menos, forneceram pretexto para esta exclusão. Mas o Cristo vai mais longe: foi sem razão que foi «eliminado». Nele, foi o justo por inteiro, o justo da justiça de Deus, que sofreu o destino do injusto. E assim se cumpriu a soberana injustiça, o excesso insuperável do que chamamos de «pecado», que vem a ser destruir em nós e nos outros a imagem, o «ícone» de Deus.
Esta culminância do pecado vai se chocar contra a culminância do amor. Respondendo ao ódio sem razão, foi sem razão que o Cristo amou até ao ponto de dar o que queriam lhe tirar, a sua vida. E este gesto, pois, de tirar-lhe sua vida será neutralizado de alguma forma: não há necessidade de se tomar o que se é dado. Em Gênesis 3, o ser humano tenta apoderar-se do «ser como Deus» enquanto isto mesmo lhe era dado ao Deus o haver criado «à sua imagem e semelhança» (Gênesis 1). Jesus anuncia, portanto, aos seus discípulos que irá ele unir-se ao homem em seu sofrimento final. Para onde quer que formos e até mesmo na pior decadência, o Cristo permanecerá como o Emanuel, o Deus-conosco.
Já se deve ter compreendido que, absolutamente, não são necessárias metáforas sacrificiais e vitimizantes para se entrar na compreensão da Páscoa do Cristo. Sim, «entrar», simplesmente, pois jamais chegaremos até o fim deste mistério. O amor absoluto nos ultrapassa, porque nossos diversos amores nunca chegam até aí. No entanto, Jesus nos convida a nos juntarmos a ele no dom da própria vida: «Se alguém quer me seguir (...) tome sua cruz cada dia e siga-me». Cada dia, diz Jesus. Esta precisão nos faz compreender que não se trata forçosamente de nos oferecermos a uma morte violenta: não há como ser morto «cada dia». Mas, cada dia, podemos viver para os outros, consagrar a nossa inteligência e as nossas forças para fazê-los existir, até mesmo simplesmente facilitar-lhes a existência.
Temos alguma repugnância em admitir isto, considerando inversamente apenas como palavras piedosas e bem-pensantes. No entanto, é quando nos esquecemos de nós mesmos para fazer os outros viverem que começamos a existir: o Pai só se torna Pai, só se torna Ele mesmo, pela geração do Outro, do seu Filho. Jesus nos diz que querer salvar a própria vida para, ou seja, ficar girando em torno de si mesmo equivale a um suicídio. Sair de si para ir até aos outros é uma libertação.
Temos repetido que só existimos pelas relações que fazemos. Tudo depende da qualidade de nossa maneira de nos ligarmos. O ponto alto da relação, a relação por excelência, é o amor. Não passemos o nosso tempo a nos examinar para saber se verdadeiramente há amor em nossas vidas: isto equivale mais uma vez a nos fecharmos em nós mesmos. Pensemos, sobretudo, nos outros. Isto é «perder a sua vida por causa do Cristo». Assim, já temos aí a Ressurreição.
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- Quem sou eu? -Tu és o Cristo de Deus - Instituto Humanitas Unisinos - IHU