13 Mai 2019
Com seu novo motu proprio “Vos estis lux mundi”, Papa Francisco deixa claro que está levando a crise dos abusos muito a sério. A nova legislação veio apenas alguns meses após a cúpula sobre os abusos, em fevereiro de 2019 em Roma. O tempo e o tom da nova lei são revolucionários, mas a lei está solidamente fundamentada na tradição.
O artigo é de Kurt Martens, professor de direito canônico na Escola de Direito Canônico da Universidade Católica da América e editor do The Jurist, publicado por America, 10-05-2019. A tradução é de Natália Froner dos Santos.
Esta nova legislação é sem dúvidas um presente raro para toda a igreja e define, juntamente com a lei do Vaticano que prevê prisão para qualquer funcionário público do Vaticano que não denuncie o abuso, um novo curso inconfundível. A experiência dolorosa, às vezes amarga, da Igreja nos Estados Unidos, e as vozes dos fiéis em todo o mundo, ajudaram a provocar uma mudança de atitude e uma mudança na lei. Não há como voltar agora, e o tom foi definido para o futuro.
Antes de olhar para a nova legislação, é importante ressaltar que esta nova lei é uma lei processual, estabelecendo um sólido sistema de relatórios. A lei não estabelece novas penalidades. As penalidades são aplicadas depois de usar este novo procedimento.
A nova lei se concentra em três pontos principais: relatórios obrigatórios, a instituição do modelo metropolitano para investigar bispos e outros que estão em posição de autoridade, e a obrigação de estabelecer em cada diocese e eparquia um sistema estável e facilmente acessível para denunciar abusos encobrimentos.
A nova lei incentiva e promove ativamente a denúncia de abusos cometidos por clérigos e membros de ordens religiosas. O abuso sexual de menores ou adultos vulneráveis, a posse ou distribuição de pornografia infantil, o uso de violência ou intimidação para se envolver em atos sexuais e o encobrimento de tal conduta estão sujeitos à exigência de reportá-los. A legislação reconhece o fato de que problemas de abusos existem não apenas entre clérigos sob a competência da Congregação para a Doutrina da Fé, mas também em institutos religiosos. A nova lei oferece proteção aos denunciantes. Isso é simplesmente revolucionário na lei canônica, e garante que a vítima que deseja contar sua história não poderá ser silenciada.
O segundo ponto principal da legislação é o estabelecimento do sistema metropolitano para denunciar abusos ou encobrimentos por cardeais, patriarcas, bispos, núncios e moderadores supremos. O motu proprio exige que as reclamações cheguem a Roma rapidamente e que as investigações comecem em até 30 dias. A abordagem metropolitana preserva a universalidade da igreja e o papel central do Papa, mas assegura que os recursos da igreja local sejam confiáveis para averiguar a verdade. Isso também inclui o envolvimento potencial de leigos qualificados para ajudar o sistema metropolitano na investigação. De fato, a legislação invoca explicitamente o Direito Canônico 228, que está enraizado no reconhecimento do Vaticano II do papel crítico que os leigos podem desempenhar. Devido a natureza dos crimes de abusos sexuais, os leigos devem agora ter um papel crítico e central na investigação de cardeais, patriarcas, bispos, núncios e moderadores supremos. Uma das coisas extraordinárias dessa nova lei é que, se for mal executada pelo bispo responsável pela investigação, o bispo também poderá ser investigado por encobrimento.
A obrigação de estabelecer em cada diocese e eparquia um sistema estável e de fácil acesso para denunciar abusos é o terceiro ponto principal da nova legislação. Ela oferece um mecanismo claro de denúncia para denunciar abusos ou encobrimentos por parte de bispos e de pessoas que são alvo do motu proprio.
No preâmbulo de “Vos estis lux mundi”, escreve o Papa Francisco: “É bom que os procedimentos sejam universalmente adotados para prevenir e combater esses crimes que traem a confiança dos fiéis”. Uma lei processual universal é de fato a resposta apropriada. O Papa também nos lembra de que não devemos tratar isso apenas como uma lei técnica positiva, mas que, ao contrário, isso deve ser acompanhado por um espírito eclesial, um propósito comum e uma conversão. A legislação precisa ser implementada localmente e integralmente, inclusive nos Estados Unidos.
Não há espaço para usar a crise dos abusos para fins ideológicos. Alguns argumentaram que padres gays causaram a crise dos abusos e que, portanto, a crise foi limitada à igreja no Ocidente. A promulgação de uma lei universal mostra que a crise dos abusos não é simplesmente um problema americano, mas diz respeito a toda a Igreja Católica. É um problema de abuso de poder, que inclui o abuso de meninas, mulheres e religiosas. “Vos estis lux mundi” é um passo fundamental para a proteção de todas as vítimas contra o flagelo do abuso sexual, não apenas nos Estados Unidos, mas em toda a igreja universal.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
As novas regras de abuso sexual do Papa Francisco são uma revolução para a Igreja Católica - Instituto Humanitas Unisinos - IHU