25 Março 2019
No fim de março, o Papa Francisco fará uma rápida viagem de uma noite ao Marrocos, marcando o mais recente capítulo da moderna aproximação papal ao mundo islâmico. É uma história que remonta pelo menos a 1964, quando Paulo VI se tornou o primeiro papa a deixar a Itália nos tempos modernos ao visitar a Terra Santa, começando pela Jordânia.
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada por Crux, 24-03-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto
Embora essas saídas tenham muitos objetivos, atualmente um dos principais objetivos é promover um clima de maior liberdade religiosa – o que, entre outras coisas, deve facilitar um pouco a vida dos pequenos rebanhos do papa nesses lugares.
Durante sua viagem de fevereiro aos Emirados Árabes Unidos, que contou com uma cúpula inter-religiosa, por exemplo, Francisco proferiu um minimanifesto sobre o assunto.
Cercado por imãs, rabinos, monges budistas e líderes hindus, o papa distinguiu a verdadeira liberdade religiosa da mera liberdade de culto, dizendo que “sem liberdade, não somos mais filhos [de Deus], mas escravos”.
Em um novo livro, o professor Daniel Philpott, da Universidade de Notre Dame, enfrenta a questão vital sobre se e como é possível abrir espaço para as minorias religiosas nos 47 países de maioria muçulmana do mundo.
Em última análise, a resposta de Philpott é esperançosa: não apenas existem vertentes dentro do Islã que se prestam a uma apreciação da liberdade religiosa – o que ele chama de “sementes de liberdade” – mas um exame atento desses 47 Estados mostra que um quarto deles já é amplamente tolerante e pluralista, especialmente um cinturão de Estados na África ocidental, onde o Islã não foi imposto pela conquista colonial, mas cresceu organicamente como resultado do intercâmbio cultural e da atividade missionária.
Embora o livro esteja repleto de informações interessantes, um ponto oferece um alimento especialmente útil para o pensamento dos leitores ocidentais: seja qual for o caminho para a liberdade religiosa no mundo islâmico, ele quase certamente não passa pelo secularismo de estilo ocidental.
Por um lado, como mostra a pesquisa de Philpott, entre aqueles Estados islâmicos que hoje reprimem a liberdade religiosa, quase a metade, ou seja, 40% não são dirigidos por teocratas, mas por regimes seculares autocráticos (pense-se na Turquia com o presidente Recep Tayyip Erdoğan), que muitas vezes brutaliza os muçulmanos dissidentes tanto quanto, senão mais, do que quaisquer outros.
Eu me lembro claramente de que, quando Inés San Martín e eu estivemos no Egito há três anos, encontramos um membro da Irmandade Muçulmana na companhia de um amigo cristão copta. Ambos os jovens insistiram que seus problemas não eram um com o outro, mas com o regime dominado pelo Exército do país com o presidente Abdel Fattah el-Sisi.
(Certamente, essa não é uma posição popular entre a maioria dos líderes da minoria cristã do Egito, tanto ortodoxos quanto católicos, que tendem a ver el-Sisi como um baluarte contra o extremismo islâmico. Contudo, é uma demonstração de como um número significativo de jovens ativistas cristãos e pensadores leem a situação.)
Historicamente, como aponta Philpott, as tentativas de impor o secularismo ocidental no mundo islâmico não foram notavelmente bem-sucedidas na redução das tensões sectárias. Considerem-se estes exemplos:
- Atatürk, na Turquia, que gerou oposição tanto entre islamistas quanto nacionalistas turcos, entre outras coisas gerando os Lobos Cinzentos neofascistas que estavam ou não por trás da tentativa de assassinato em 1981 contra o Papa João Paulo II, dependendo de qual das várias versões de Mehmet Ali Ağca se opte por acreditar.
- Nasser, no Egito, que produziu a Irmandade Muçulmana.
- Saddam Hussein no Iraque, que produziu a base para aquele que, no fim, se tornaria o Estado Islâmico.
- Hafez al-Assad, na Síria, que gerou sua própria forma de Irmandade Muçulmana e forneceu recrutas para movimentos islamistas como a al-Qaeda em toda a região.
- Sukarno e Suharto, na Indonésia, que promoveram uma forma teoricamente pluralista de Islã, mas também grupos extremistas como o Jamaah Ansharut Daulah e ataques cíclicos de violência terrorista.
Poderíamos continuar multiplicando exemplos, mas a questão deveria estar clara: na maior parte do mundo islâmico, o secularismo estrito não é uma resposta ao extremismo religioso – é a causa dele.
Qualquer força que pudesse fazer com que aquelas “sementes da liberdade” citadas por Philpott crescessem, é improvável que seja a adoção (ou imposição) direta dos conceitos ocidentais, como a separação entre Igreja e Estado. Em vez disso, a mecânica do pluralismo religioso provavelmente deve que ser extraída de dentro da matriz de Estados e sociedades islâmicos, baseando-se em sua própria lógica, pontos de referência, estruturas e sistemas.
Admitindo-se que fomentar a liberdade religiosa é algo que as sociedades islâmicas em geral têm que fazer por si mesmas, a questão que ainda se levanta é de como o Ocidente pode ajudar.
Embora Philpott trate das potenciais contribuições da política externa dos Estados Unidos e das Nações Unidas, ele não dedica muito tempo ao papel dos líderes religiosos ocidentais como interlocutores, acima de todos o papa. Sem dúvida, é uma omissão curiosa, já que os papas podem se engajar com lideranças muçulmanas e cidadãos comuns dentro de um espaço compartilhado de crenças religiosas, algo que um secretário-geral da ONU simplesmente não pode.
Talvez Francisco possa usar sua rápida viagem ao Marrocos para pelo menos iniciar uma conversa sobre como podem ser as garantias não secularistas de liberdade religiosa e sobre como a Igreja que ele lidera poderia ajudar os muçulmanos a chegar lá.
Para onde essa conversa pode levar, ninguém sabe – mas, sem dúvida, é um diálogo que os papas estão singularmente qualificados para convocar.
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Secularismo não é resposta ao extremismo islâmico: é sua causa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU