18 Novembro 2015
A religião islâmica tem algo a ver com a imensa tragédia que aconteceu em Paris? Nos comentários do dia seguinte, talvez por cautela ou para não reacender velhas disputas sobre as "guerras religiosas", o tema permaneceu geralmente escondido. No entanto, se alguém mata e se mata, semeia morte e desespero gritando "Alá é grande", isso significa que o fator religioso ainda está fortemente presente.
A reportagem é de Maurizio Boldrini, publicada no jornal L'Unità, 16-11-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Para Marco Ventura, que leciona Direito Eclesiástico e Direito e Islã na Universidade de Siena, depois de lecionar nas maiores universidades europeias, e autor de um livro que gerou muita discussão, Creduli e credenti, não há dúvida: o fator religioso continua incidindo notavelmente não apenas nos mais recentes gestos de terrorismo, mas também no conflito mais geral que atravessa importantes regiões do planeta.
"É evidente que o fator religioso deve ser inserido ao lado de muitos outros fatores que estão determinando essa aceleração terrorista. Faz parte de um coquetel de motivações em que pesam o contexto geopolítico e a questão psicológica: basta olhar para os perfis individuais e coletivos dos terroristas para perceber isso. Mas deve ficar logo claro que, nesse caso, a citação de uma divindade e a própria evocação do Islã é usada como uma ancoragem para a história de um povo. Com um deslocamento instrumental de significado, as palavras Islã e Alá acabam adquirindo um significado propagandístico mais complexo, recordando a história de um povo oprimido pelo Ocidente e no Ocidente."
Assim começa, com esse esclarecimento, a conversa com Marco Ventura, prestes a participar de uma espécie de G-20 paralelo ao oficial, no qual as grandes religiões vão dialogar justamente sobre os temas que estão abalando o mundo.
Nos gestos dos terroristas e nas imagens que eles propagam na rede, capta-se o sentido da sua teorização e do significado que eles instrumentalmente assumem da religião.
Explica o estudioso: "Nas suas ações e na sua linguagem, capta-se um Islã que se contrapõe ao Ocidente em três coisas. Primeiro: ao Ocidente cruzado e cristão, argumento que encontra o seu fundamento em um sentimento antigo, em eventos antigos que deixaram um sinal e que, justamente por isso, é sistematicamente evocado e cultivado. Segundo: ao Ocidente sem Deus, que deve ser combatido precisamente porque as liberdades individuais atravessaram todas as fronteiras, transformando-se em libertinagem e em que o desenvolvimento tecnológico acabou dominando a humanidade e até mesmo tentou competir com Deus. Terceiro: um Ocidente em que vai se infiltrando a erva daninha de uma nova prática religiosa islâmica, na qual muitos muçulmanos estão caindo na tentação do confronto com as outras culturas e com as outras religiões".
Se, por um lado, os terroristas movidos pelos fundamentalismos não podem cortar os laços com aqueles que praticam a sua mesma religião, eles tentam contrariar, de todos os modos, a moderação lida como fruto da contaminação com o Ocidente: muitas imãs na Europa pregam uma religião tolerante e disponível ao diálogo com as outras religiões, e esse sentimento que vai se espalhando em grandes regiões se tornou efetivamente um inimigo a se combater.
"É evidente que o fundamentalismo – observa Marco Ventura – digere mal uma prática religiosa da forma como ela é praticada em muitas regiões do Ocidente. Ele precisa desencadear ódio e violência contra aqueles que tentam conquistar terreno contra eles e certamente contra um Islã de paz e plural. Por isso o combatem. A equação é fácil de propagandear: o Islã ocidentalizado torna-se automaticamente cúmplice dos cruzados e dos povos sem Deus."
Essa radicalização de algumas tendências integralistas e extremistas não pertence apenas ao fundamentalismo islâmico. Portanto, não há apenas, como defendem alguns, uma violência que está totalmente escrita e é intrínseca à religião islâmica.
Olivier Roy, um dos grandes estudiosos do Islã, autor do livro La santa ignoranza, defende que os novos fenômenos religiosos que vão se difundindo no mundo não são explicáveis dentro da "teoria do choque de civilizações. Porque, longe de serem a expressão de identidades culturais tradicionais, o revivalismo religioso é uma consequência da globalização e da crise das culturas".
Portanto, seriam as próprias rápidas mudanças que estão ocorrendo que determinam uma radicalização do confronto? Pergunto isso a Marco Ventura, que assim detalha essas argumentações: "Os frontes estão se tornando cada vez mais móveis; deslocam-se os eixos da relação entre Oriente e Ocidente, e dentro do nosso próprio mar, o Mediterrâneo, registram-se fortes mudanças nas relações entre os países do Magrebe e os da Europa. Em cada margem individual, além disso, os frontes se chocam, criam-se transversalidades que fazem desaparecer as antigas fronteiras políticas e religiosas. Assim é dentro de cada país".
Pensamos justamente na França: existem bairros onde as jovens islâmicas deliberadamente rejeitaram o uso tradicional do véu e outros bairros onde, em vez disso, os pais ainda obrigam as jovens a usá-los, ou onde são as próprias jovens que reivindicam o seu uso.
São as hibridações de uma sociedade que acelera os seus processos sociais e culturais e que cria novas tendências. A religião não é nada estranha a esses processos. O Islã é muitas vezes visto como uma exceção, como uma das religiões que mantém uma identidade forte e alternativa.
Em vez disso, em muitas regiões e em muitos países, eles também estão se uniformizando com as práticas de hibridação. Marco Ventura escreve no seu livro: "As identidades religiosas são importantes. No entanto, apenas em parte elas captam a realidade de uma pessoa e de uma comunidade. Nenhum rótulo religioso é garantia do produto. Há uma surpresa em cada caixa. Talvez sempre foi assim. Certamente, no nosso tempo, por causa da mobilidade das crenças, da coabitação e hibridação entre as fés, da alternância de transcendência e imanência. Domina a diversidade do crer (...) Diferem entre si as religiões, as Igrejas e as comunidades de fé, e especialmente cada uma é diferente em seu interior. São diferentes os indivíduos, e cada indivíduo é diferente, dentro".
O nascimento e o fortalecimento do Isis é um fato a mais de complexidade na sociedade, já por si só muito complexa. O fato de que Isis tenha se transformado no Estado do Califado – definição emprestada do dicionário institucional político ocidental –, com um território próprio e regras próprias inspiradas na Sharia, envolve uma radicalização do confronto dentro do próprio universo islâmico, além do mundo inteiro.
"Por onde eles passam, especialmente nos territórios conquistados, eles fazem com que se respeite a sua lei, fazendo limpezas étnicas e pondo na mira até mesmo os seus irmãos muçulmanos que se opõem aos seus projetos. Pensemos naquilo que acontece com os sunitas dos territórios conquistados. Essas dilacerações e essas rupturas provocam estilhaços que se irradiam por toda parte e semeiam novas dores e novos massacres."
Os terroristas exploram um ódio que dizem ser ditado pelo seu credo. Mas, lendo muitas das suas biografias, percebemos que a propaganda do Isis tem a probabilidade de criar raízes em psicologias frágeis, em pessoas que não sustentam as contradições de um mundo que, aos seus olhos, é feito para aparecer como mandante do seu sofrimento individual.
Olivier Roy escreveu recentemente: "Uma pessoa com tendências suicidas muitas vezes também quer fazer um gesto espetacular. A propaganda do Isis é que essa pessoa doente encontra no mercado: o meio mais eficaz para atrair a atenção para si mesma".
Então, ainda faz sentido se dividir por motivos religiosos ou mesmo declarar guerra por causa disso? Eu releio as primeiras frases do livro de Marco Ventura e encontro nelas uma resposta adequada, a mesma que o mundo democrático e plural está dando: "Dividamos o mundo entre crentes e não crentes. No entanto, todos cremos em algo, em alguém; e todos duvidamos, incrédulos, como Tomé diante de Cristo ressuscitado. Dividimos o mundo entre aqueles que creem no nosso Deus e aqueles que creem em outro Deus. No entanto, cada crente é diferente do outro, e, ao mesmo tempo, todos os crentes têm algo em comum; assim como toda fé é diferente, e todas as fés se assemelham um pouco".
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"Para os fundamentalistas, o Islã plural e de paz também é inimigo" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU