20 Junho 2018
Cinquenta anos atrás, o Papa Paulo VI usou o magistério da Igreja para proibir os católicos de usar formas artificiais de controle de natalidade. Sua encíclica Humanae Vitae involuntariamente acabou transformando a relação dos católicos com a autoridade da Igreja, de forma que hoje dois terços (66%) dos católicos estadunidenses dizem que os indivíduos devem ter sua própria autoridade com base para tomar decisões sobre contracepção. Quase nove em cada dez dizem que é possível ser um bom católico sem aderir à doutrina da Igreja sobre contracepção.
A reportagem é de Michele Dillon, publicada por National Catholic Reporter, 18-06-2018. A tradução é de Luísa Flores Somavilla.
Um padrão relativamente semelhante de autonomia também é evidente no que diz respeito a relações homossexuais e uniões estáveis, tanto que hoje dois a cada três católicos, por exemplo, apoiam o casamento homossexual.
O Papa Francisco voltou a atenção católica à importância da consciência para tomar decisões por meio de dois sínodos dos bispos sobre a família, convocados em 2014 e 2015, e Amoris Laetitia, sua exortação em resposta às deliberações dos bispos.
Ele revisitou essa ideia em janeiro, durante seu discurso anual para membros do Tribunal da Rota Romana, que avalia recursos em casos de anulação de matrimônio, reiterando que a consciência bem formada tem "um papel decisivo" em situações matrimoniais mais complicadas. Ele então pediu por renovação dos esforços pastorais dedicados a ajudar as pessoas a desenvolver uma consciência iluminada e baseada na fé.
Apesar da atenção que a consciência tem recebido desde 1968 e a acumulação de mais de 40 anos de levantamento de dados sobre o posicionamento dos católicos sobre moralidade sexual e interpretação da autoridade da Igreja, surpreendentemente sabemos muito pouco sobre as bases de sua consciência.
Dados recentes, coletados em abril de 2017, da Sixth National Survey of American Catholics, a sexta etapa de uma pesquisa sobre os católicos estadunidenses, tentam trazer à luz o processo de decisão moral dos católicos. A pergunta era: “Quando precisa tomar uma decisão moral importante, qual das seguintes atividades ou fontes você usa para procurar orientação, se usa alguma?”
Independentemente de quais decisões morais estavam na cabeça dos respondentes, o padrão geral das resposta destaca a importância da oração individual e dos amigos e da família, e não de fontes oficiais da Igreja (ver Figura 1).
Quarenta por cento dos católicos disse que sempre ora ou medita antes de tomar uma decisão importante; 37% conversa com parentes próximos e 28% com amigos de confiança. No entanto, apenas 6% sempre conversa com o padre da igreja ou leem o catecismo, e menos ainda consultam declarações papais (3%) ou ao site dos bispos dos EUA ou da diocese (3%). Um a cada 20 diz que sempre utiliza notícias da mídia católica nessas situações.
Embora outros católicos utilizem todas essas fontes às vezes, é surpreendente que três a cada quatro raramente ou nunca conversem com o padre sobre tais questões ou leia o catecismo. E mais de 80% raramente ou nunca recorrem a encíclicas para buscar orientação ou sites da diocese ou dos bispos dos EUA.
Os católicos que frequentam a missa semanalmente têm duas vezes mais chances de consultar o padre (17%) e ler o catecismo (15%) e, em geral, recorrer a fontes oficiais católicas. No entanto, mesmo para esses católicos tão dedicados, essas fontes não diminuem a importância da oração, da família e dos amigos (ver Figura 2).
A oração, em particular, destaca-se como a forma mais comum de os católicos que frequentam a missa refletirem sobre suas decisões morais, e a categoria "sempre" foi usada por dois terços (67%) deles.
Ficou claro que as mulheres têm mais consciência do que os homens e que trazem essa maior conscientização ao compromisso religioso. A maior consciência das mulheres católicas em relação a decisões morais fica evidente nas grandes proporções delas que sempre recorrem à oração, à família e a amigos.
No entanto, elas não têm mais chance do que os homens de recorrer a fontes oficiais da Igreja para obter orientação. Como mostra a Figura 3, praticamente não há diferenças de gênero na pequena proporção que sempre consulta um padre ou utiliza o catecismo, encíclicas papais ou sites da diocese ou dos bispos.
Existem poucas diferenças geracionais nas fontes usadas para orientação moral. Como mostra a Figura 4, os católicos mais velhos, a geração pré-Vaticano II, que atingiu a maioridade antes de 1960 e atualmente tem entre 70 e 80 anos, sempre ou às vezes * têm maior probabilidade do que os outros de orar, falar com o padre, consultar a mídia católica e ler o catecismo e declarações papais.
Também vale salientar que os católicos millennials (que nasceram depois de 1979) demonstram uma tendência comparativamente maior de recorrer a família e amigos, e não à oração, para tomar decisões morais.
Não surpreende que, dada a competência digital dessa geração, eles também têm chances um pouco maiores de recorrer a sites dos bispos e dioceses em relação a católicos mais velhos (ver Figura 4).
O grupo de católicos com menos de 40 anos (millennials) é composto por hispânicos e não hispânicos em proporção quase idêntica. Apesar de diferentes características políticas e sócio-econômicas, há pouca variação sobre como tomam decisões morais. (Ver Figura 5.)
Apesar de ser a fonte mais habitual sempre* usada por ambos os grupos, mais não hispânicos do que hispânicos recorrem à família (47: 42%) e amigos (41: 31%) para obter orientação moral; e os hispânicos (7%) têm uma chance ligeiramente maior do que outros da mesma faixa etária (3%) de buscar orientação do sacerdote local (7: 3%) e consultar a mídia católica (6: 3%).
O fato de os católicos geralmente recorrerem à oração e à meditação para tomar importantes decisões morais aponta para a relevância permanente da fé em sua negociação de circunstâncias morais complexas. Em meio ao declínio da sociedade em afiliação religiosa, declínio na participação na Igreja e na vida sacramental dos que continuam sendo católicos, e de encontro à discordância dos católicos de vários elementos da doutrina da Igreja sobre moralidade sexual, é importante reconhecer que o compromisso com a fé ainda é importante.
Como a experiência vivida é reconhecidamente uma fonte de autoridade legítima na teologia moral católica, também faz sentido que os católicos confiem em familiares e amigos próximos ao buscar orientação para tomar decisões morais. O diálogo reflexivo com outras pessoas pode ajudar a ampliar a perspectiva do indivíduo em determinada situação e levá-lo a considerar ações em que não teriam pensado, ou, de forma semelhante, modificar ou se abster do que inicialmente haviam planejado.
Apesar da relevância teológica da oração e do diálogo interpessoal na formação de consciência, surpreende que os católicos utilizem tão pouco outros recursos importantes no catolicismo.
Apesar do prestígio devotado pelos católicos aos sacerdotes (por exemplo, 35% está “muito satisfeito” com a liderança do padre da paróquia), eles não parecem considerá-los um bom recurso teológico ou moral no contexto de suas vidas pessoais. O fato de tão poucos frequentadores da missa conversarem com o padre sobre decisões pessoais importantes sugere que a funcionalidade dos sacerdotes na vida católica é relativamente circunscrita.
Tal situação pode ser devido à sobrecarga dos padres com deveres administrativos e litúrgicos, havendo poucas oportunidades para desenvolver conexões pessoais e a confiança que facilita o processo conjunto do discernimento moral.
Além disso, numa época em que a busca na internet tornou-se tão habitual mesmo para pessoas mais velhas, sites abrangentes e acessíveis, como o da Conferência dos Bispos dos EUA, por exemplo, facilitam a disseminação da doutrina da Igreja. Ainda assim, estes e outros recursos, como o catecismo e as encíclicas (apesar da riqueza doutrinal e da amplitude sociológica dessas), são subutilizados.
A subutilização de fontes oficiais da Igreja não significa que a formação da consciência dos católicos é necessariamente um processo empobrecido. A tradição católica é permeada por católicos de outras maneiras, especialmente pela presença na massa e a participação nos sacramentos. No entanto, com um menor número de católicos frequentando a missa, as bases católicas de sua consciência e de fato a argumentação contestada podem estar ainda mais diluídas.
Além disso, os católicos millennial fazem parte da geração mais secular e, portanto, ao contarem relativamente mais com a família e os amigos — muitos dos quais podem não ter afiliação religiosa — pode secularizar ainda mais o conteúdo da orientação moral ao longo do curso da vida.
De qualquer forma, conforme autoridades da Igreja trazem abertamente a integração mais abrangente de cada vez mais católicos "irregulares", pode ser oportuno tanto para os católicos vislumbrarem a gama de recursos disponíveis para o discernimento moral e para autoridades da Igreja repensarem formas de tornar os recursos mais acessados de forma criativa.
Os dados deste artigo vêm de um projeto de pesquisa colaborativa que tem 30 anos. A pesquisa inicial deste projeto aconteceu em 1987, ano em que o Papa (agora São) João Paulo II visitou os Estados Unidos pela segunda vez. Repetiu-se a pesquisa em 1992, 1999 e 2005, documentando as mudanças nos posicionamentos e comportamentos dos católicos estadunidenses sobre a fé.
O quinto levantamento, perto do fim do papado de Bento XVI, levou ao livro American Catholics in Transition, publicado em 2013. A sexta pesquisa aconteceu em maio de 2017, durante o quarto ano do papado de Francisco.
A equipe de investigação sofreu mudanças ao longo dos anos e as perguntas evoluíram um pouco, mas repetiu-se um conjunto comum de perguntas em todas as pesquisas, nos permitindo mensurar a mudança de posicionamento e comportamento dos católicos estadunidenses leigos ao longo do tempo.
Cada pesquisa inclui uma amostra representativa dos EUA, com cerca de 1.500 adultos católicos, coletada nas semanas seguintes à Páscoa, exatamente seis anos depois. As primeiras três pesquisas foram realizadas pela organização Gallup com entrevistas por telefone apenas em inglês. As últimas três pesquisas foram conduzidas pelo grupo GfK (antigamente chamado Knowledge Networks), utilizando o painel web baseado em probabilidade, projetado para ser representativo dos Estados Unidos. Essas pesquisas foram conduzidas em inglês ou espanhol, a critério do respondente.
Assim como em todos os estudos anteriores, agradecemos o apoio dos muitos patrocinadores. Este estudo só foi possível através do generoso financiamento do Instituto de Louisville, bem como do apoio dos seguintes patrocinadores: Anderson Foundation, a National Catholic Reporter Publishing Company, Alfred e Kathleen M. Rotondaro, Kevin J. Healy e o Kathleen Blank Riether Trust.
— William D'Antonio
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O que sabemos sobre como os católicos informam a consciência? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU