13 Junho 2018
Aquilo que permitiu que as vítimas falassem, dissessem aquilo que até aquele momento era geralmente considerado como indizível é o fim de todos os tabus relacionados com o sexo. Então, também daqueles relacionados com a palavra que nomeia o sexo para denunciá-lo.
A opinião é da historiadora italiana Lucetta Scaraffia, membro do Comitê Italiano de Bioética e professora da Universidade de Roma “La Sapienza”. O artigo foi publicado em L’Osservatore Romano, 12-06-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A questão dos abusos sexuais de pessoas mais frágeis – crianças e mulheres – está emergindo com força nas sociedades ocidentais e está exercendo uma transformação radical na sociedade e na moral coletiva.
Mas há um aspecto do problema que gera muita admiração e perplexidade: por que as testemunhas esperaram tanto tempo antes de fazer a denúncia? Por que tantos anos de silêncio? Os abusos também têm uma história que explica muitas coisas.
A revolução sexual e a feminista, revoluções que mudaram as sociedades ocidentais nas últimas décadas do século XX, não só realizaram alguns dos objetivos que se haviam propostos, mas também puseram em marcha transformações complementares e imprevistas, como, justamente, a emergência da questão dos abusos de menores.
Pensando bem, parece paradoxal que uma revolução que se propunha a tornar lícitas e praticáveis todas as formas de relação sexual – em casos documentados, as relações sexuais também deviam envolver as crianças –, em vez disso, levou a uma nova severidade precisamente nessa matéria. Mais uma prova da heterogênese dos fins!
Aquilo que permitiu que as vítimas falassem, dissessem aquilo que até aquele momento era geralmente considerado como indizível é o fim de todos os tabus relacionados com o sexo. Então, também daqueles relacionados com a palavra que nomeia o sexo para denunciá-lo.
Antes, as vítimas temiam, e com razão, que as denúncias – que obviamente envolviam a transgressão desse tabu – levariam a estigmatizar também a elas, que haviam sofrido os abusos, e não apenas os agressores. Portanto, tinham bons motivos para calar, para se defender daquela que podia se tornar outra forma possível de violência.
A revolução das mulheres, no mesmo período, colocou em pauta o desnível de poder dentro da relação sexual, um tem até então negligenciado diante de interpretações que se detinham mais nos aspectos lícitos ou ilícitos e nas possíveis consequências.
As mulheres, que sempre gozaram de um poder inferior ao dos homens, denunciaram, por sua vez, o uso do poder na relação sexual, da qual quase sempre eram vítimas.
Essas duas consequências das revoluções do século XX – a possibilidade de falar de sexo e de denunciar os abusos sem levantar suspeitas sobre si mesmas, revelando a trama de poder que estava subjacente a isso – abriram caminho para a nova sensibilidade em relação aos abusos sexuais, que hoje condenamos com severidade, dando ouvidos às palavras das vítimas.
Trata-se de uma revolução que recém-começou, cujos efeitos só são sentidos há pouco tempo e cujas consequências ainda não somos capazes de prever.
Uma das consequências que já está em curso é que, agora, as instituições não podem mais oferecer garantias para os acusados: cada um deve responder por si mesmo, em um clima em que a busca da verdade apagou a antiga tentação de esconder o mal para salvar a imagem da instituição de pertencimento, seja ela a família, a escola, a equipe esportiva ou a comunidade religiosa.
Essa nova severidade, essa busca da verdade já compartilhada deveria, com o tempo, fazer diminuir os casos de abuso e, acima de tudo, tornar a consciência de cada um mais consciente do mal que tudo isso envolve. Esperamos isso especialmente para a Igreja Católica, onde o abuso sexual é muitas vezes precedido e acompanhado por abusos de autoridade e de consciência, e onde a decisiva intervenção de Bento XVI, antes, e de Francisco, agora, está seguindo um caminho corajoso na busca da verdade.
Mesmo quando ela é incômoda, muito incômoda.
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Um olhar histórico sobre os abusos sexuais: o fim do silêncio. Artigo de Lucetta Scaraffia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU