31 Mai 2018
“Os três históricos discursos de Francisco aos movimentos populares, a partir da simplicidade no modo como se comunica, com palavras incisivas e o coração cheio de esperança dão a tônica da Igreja que, desde o início de seu pontificado, deseja: ‘pobre e paras os pobres’ e sempre em saída”, escreve Jonas Jorge da Silva, cientista social, coordenador do Centro de Promoção de Agentes de Transformação - CEPAT.
Durante o XVIII Simpósio Internacional IHU – A virada profética de Francisco, em um dos minicursos oferecidos, intitulado A trajetória dos três encontros dos Movimentos Populares com o Papa Francisco, tive a oportunidade de apresentar uma breve síntese dos três discursos do Papa Francisco aos movimentos populares ocorridos, respectivamente, em Roma (28-02-2014), na cidade boliviana de Santa Cruz de la Sierra (09-07-2015) e novamente em Roma (05-11-2016). Ao mesmo tempo, Ivo Poletto (Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Social) fez uma contextualização dos três encontros. Abaixo, apresento um recorte interpretativo das palavras de Francisco.
Nos três discursos, o Papa faz uma abordagem que pode ser considerada transversal, relacional, integral, radical, sendo proferida, ao mesmo tempo, em uma linguagem simples. Apoiado no diálogo com os movimentos populares mundiais, popularizou-se a sua insistência nos três “T” (terra, teto e trabalho): “Nenhuma família sem casa, nenhum camponês sem terra, nenhum trabalhador sem direitos”. Mas, para além desse mote, percebe-se uma narrativa que vai às raízes das principais problemáticas enfrentadas hoje, principalmente pelos pobres da terra. Apesar disso, sem ceder a um pessimismo estéril, como fruto de sua experiência de fé, Francisco também apresenta sinais de esperança.
Sendo assim, se por um lado Francisco denuncia um projeto de morte, instituído pela idolatria do dinheiro, o medo, os muros e o terror, por outro, anuncia um projeto de vida, centrado no protagonismo dos pobres, na esperança e na solidariedade.
“Há sistemas econômicos que para sobreviver precisam fazer a guerra. Então, fabricam-se e vendem-se armas e assim os balanços das economias que sacrificam o homem aos pés do dinheiro obviamente estão salvos”, denuncia Francisco. Infelizmente, “um sistema econômico centrado no deus dinheiro tem também necessidade de saquear a natureza, saquear a natureza para manter o ritmo frenético de consumo que lhe é próprio” (1º Discurso, 28-10-2014).
Para o Papa, uma das formas de perpetuar a tirania proveniente dessa idolatria do dinheiro é explorar os medos humanos. “O medo é alimentado, manipulado... Porque, além de ser um bom negócio para os comerciantes de armas e de morte, o medo nos fragiliza e nos desestabiliza, destrói as nossas defesas psicológicas e espirituais, anestesia-nos diante do sofrimento do próximo e no final nos torna cruéis” (3º Discurso, 05-11-2016).
Estabelecido o medo nas diversas sociedades, o passo seguinte é a instalação do terror e dos muros. “Existe um terrorismo de base que provém do controle global do dinheiro na terra, ameaçando a humanidade inteira. É deste terrorismo de base que se alimentam os terrorismos derivados”, aponta o Papa. Em consequência disso, nascem as tentações dos muros físicos e sociais: “Por um lado, cidadãos murados, apavorados; e por outro, excluídos, exilados, ainda mais aterrorizados” (3º Discurso, 05-11-2016).
Ao longo dos discursos de Francisco, fica claro o que ele chama de “fio invisível” que une todas as formas de exclusão desse projeto de morte: desigualdade, negação de direitos, guerras, fome, migrações forçadas, refugiados aflitos, tráfico de pessoas, destruição da Mãe Terra, cultura do descarte, globalização da indiferença, entre outras. As problemáticas são diversas, mas estão sempre estruturadas em um mesmo sistema econômico, político e social que mata. Diante de tal estrutura de morte, o Papa é categórico: “Digamos NÃO a uma economia de exclusão e desigualdade, onde o dinheiro reina em vez de servir. Esta economia mata. Esta economia exclui. Esta economia destrói a Mãe Terra” (2º Discurso, 09-07-2015).
Contudo, a última palavra do Papa nunca é a do pessimismo, ao contrário, é um homem da esperança. A partir do protagonismo e da solidariedade dos pobres, Francisco vislumbra saídas para a humanidade. Esse é o projeto de vida proposto pelo Papa: “Vocês, os mais humildes, os explorados, os pobres e excluídos, podem e fazem muito. Atrevo-me a dizer que o futuro da humanidade está, em grande medida, nas suas mãos, na sua capacidade de se organizar e promover alternativas criativas” (2º Discurso, 09-07-2015). Para Francisco, “as soluções para as problemáticas atuais devem ser fruto de um discernimento coletivo que amadurece nos territórios juntamente com os irmãos, um discernimento que se torna ação transformadora” (3º Discurso, 05-11-2016).
Nesse sentido, os movimentos populares são “semeadores de esperança”. O Papa lembra que “a paixão por semear, por regar serenamente o que outros verão florescer, substitui a ansiedade de ocupar todos os espaços de poder disponíveis e de ver resultados imediatos”. “A partir destas sementes de esperança, semeadas pacientemente nas periferias esquecidas do planeta, destes rebentos de ternura que lutam por subsistir na escuridão da exclusão, crescerão grandes árvores, surgirão densas matas de esperança para oxigenar este mundo” (2º Discurso, 09-07-2015).
O alicerce dessa nova realidade, onde os pobres colocam a sua criatividade em favor da vida, como poetas sociais, é a solidariedade. É preciso praticá-la em seu sentido mais profundo, quando se pensa e age “em termos de comunidade, de prioridade da vida de todos sobre a apropriação dos bens por parte de alguns”. Para Francisco, com sua solidariedade, os movimentos populares fazem história (1º Discurso, 28-10-2014).
Francisco interpreta o potencial dos pobres da terra a partir da imagem do poliedro: “Produz-se entre os excluídos este encontro de culturas no qual o todo não anula o particular. Por isso, agrada-me a imagem do poliedro, uma figura geométrica com muitos lados diversos. O poliedro reflete a confluência de todas as parcialidades que nele conservam a originalidade. Nada se dissolve, nada se destrói, nada se domina, tudo se integra, tudo se integra” (1º Discurso, 28-10-2014). Os pobres revelam valores como a sobriedade, a solidariedade, a criatividade, a proximidade e a diversidade. Seu modo de proceder se estabelece a partir da cultura do encontro, fortalecendo a globalização da esperança e a economia popular, com democracia e participação. É a partir daí que os movimentos populares são convidados a fazer um discernimento coletivo.
Nessa atmosfera dos pobres, que se organizam para sobreviver aos ditames do atual sistema econômico, Francisco defende abertamente uma mudança estrutural: “Queremos uma mudança, uma mudança real, uma mudança de estruturas. Este sistema é insuportável; não o suportam os camponeses, não o suportam os trabalhadores, não o suportam as comunidades, não o suportam os povos... E nem sequer o suporta a Terra. A irmã Mãe Terra, como dizia São Francisco (2º Discurso, 09-07-2015).
Para essa mudança, Francisco não apresenta aos movimentos uma receita pronta, ao contrário, acredita que a construção de uma nova realidade está nas mãos dos povos. Diz Francisco: “Nem o Papa e nem a Igreja têm o monopólio da interpretação da realidade social e de proposta para problemas contemporâneos. Eu me atreveria a dizer que não existe uma receita. A história é construída pelas gerações que vão se sucedendo no horizonte dos povos que avançam individuando o próprio caminho e respeitando os valores que Deus colocou no coração”. Ou seja, os diagnósticos sociais de especialistas de diversas áreas do saber são válidos, mas não se deve iludir que são eles que podem resolver o problema. Aliás, o Papa faz um alerta: “Sofremos de um excesso de diagnóstico, que às vezes nos leva a um pessimismo charlatão ou a rejubilar com o negativo” (2º Discurso, 09-07-2015).
É preciso iniciar a mudança olhando para o rosto daqueles que sofrem as mazelas de hoje. Para Francisco, os pobres não são meras estatísticas, por isso deve haver um envolvimento com eles. Francisco lembra que “ninguém ama um conceito, ninguém ama uma ideia”, mas, sim, pessoas. Diz ele: “Faço minhas as palavras de meu irmão, o Arcebispo Hieronymos da Grécia: Quem fita os olhos das crianças que encontramos nos campos de refugiados é capaz de reconhecer imediatamente, na sua totalidade, a ‘falência da humanidade’” (3º Discurso, 05-11-2016). A compaixão e o compromisso com a mudança, em favor dos excluídos, brotam desse e de muitos outros exemplos.
Por fim, o Papa sugere algumas tarefas fundamentais na atualidade: colocar a economia a serviço dos povos, unir nossos povos no caminho da paz e da justiça, defender a Mãe Terra e refundar a democracia. Junto a isso, adverte os movimentos populares acerca de dois riscos: deixar-se formatar e deixar-se corromper. Para o Papa está claro que os movimentos populares jamais podem ser funcionais ao sistema e que uma democracia sem povo não tem futuro. Além disso, sem ingenuidade, reconhece que a corrupção pode estar presente em diversos âmbitos da sociedade, até mesmo nas organizações sociais e movimentos populares. Por isso, todos precisam sempre estar atentos.
Os três históricos discursos de Francisco aos movimentos populares, a partir da simplicidade no modo como se comunica, com palavras incisivas e o coração cheio de esperança dão a tônica da Igreja que, desde o início de seu pontificado, deseja: ‘pobre e paras os pobres’ e sempre em saída.
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A tônica dos históricos discursos do Papa aos movimentos populares - Instituto Humanitas Unisinos - IHU