29 Junho 2017
"No dia 27 de junho, primeiramente, é um dia especial para a paz na Colômbia, pois o exército do povo se acaba, e é inaugurado o partido desarmado das FARC. Há otimismo para que a paz construa bases sólidas, que seja incorporada em todos os tecidos da sociedade e que as instituições sejam transformadas pelo espírito e linguagem da guerra", escreve Manuel Dominguez Humberto Restrepo, escritor, colunista, professor da Universidade Pedagógica y Tecnológica de Colombia, professor da UPTC, Ph.D em direitos humanos e em filosofia, em artigo publicado por Alai, 28-06-2017. A tradução é de Henrique Denis Lucas.
Acabaram-se os homens da guerra das FARC, pois o Exército do Povo (EP) entrou para a história e 900 esconderijos de armas adicionais apodrecem nas florestas. As 7.132 armas individuais das FARC, que sustentaram o levante armado e as ações diárias de guerra, agora são peças de metal inúteis dentro dos contêineres monitorados pelas Nações Unidas. O processo de desarmamento não deixa a guerrilha derrotada, pois soube negociar politicamente sua saída da guerra em troca de garantias para competir pelo poder através de eleições.
Após os contêineres terem sido fechados com cadeados de segurança e a notícia anunciada, o presidente Santos – Nobel da Paz de 2017 –, representando este propósito coletivo focado no reconhecimento das vítimas, disse que a paz agora sim é irreversível e que por isso valia a pena ter sido presidente. O comandante Timoleón, em sua última intervenção ao exército do povo, assinalou que termina para eles o uso de armas, mas continuam existindo enquanto um movimento legal, que não abandona seu projeto político e ideológico.
As 26 zonas de encontro dos desarmados são pequenas cidades solidárias, áreas comuns de emoções e de construção de culturas de paz, de cidadania e de direitos. São milhares de homens e mulheres que estão comprometidos com a democracia sem armas, que já há muito tempo abandonaram as preocupações de guerra e o treinamento de combate. Os corpos exercitam-se através de dança, teatro, música, comunicação, esportes, construção de fazendas e estradas, estudo da teoria política e revolução desarmada, já não têm de se preparar para estar alerta para fugir de ataques, nem estar prontos para fugir de emboscadas.
A grande novidade de 27 de junho é o início de um tempo de possibilidades, de dar sentido a uma outra maneira de ser e fazer humanos, para promover outra lógica de viver, sem sustos e humilhações da vida diária, sem ódio, sem querer vingança, sem autoritarismo. Uma vida humana, de humanos capazes de reconhecer os outros até agora rejeitados e serem reconhecidos pelos que os negavam, assim surge a nova Colômbia que o país espera construir. A melhor notícia relata um processo de paz bem sucedido, principalmente porque as forças estatais e insurgentes foram persuadidas, militarmente, pelas vítimas e pelos setores populares, da necessidade de vencer a batalha contra a morte e distanciar-se da crueldade e do medo, de lutar sem armas letais.
A dura realidade, no entanto, é multidimensional e complexa, por isso não se deve duvidar do país real, que se debate entre seus sonhos de confiança no estado e do estado que olha com desprezo para seus representados. O país que acredita na inocência e das máfias e clientelas que o saqueiam, sem vergonha alguma. A proposta de olhar para o dia da grande notícia, a mais abrangente, poderia começar por concentrar seu olhar em uma tela com vários requadros, anunciando ao mesmo tempo partes, pedaços de histórias colhidas aleatoriamente, e que poderiam mostrar, por exemplo, que: no departamento de Cauca morreram dois policiais em uma emboscada, ou seja, em um ato de guerra executado aparentemente por guerrilheiros do ELN, grupo rebelde com o qual o governo mantém negociações em Quito, no Equador. Os acordos parecem não avançar como esperado pela sociedade, que percebe no presidente um homem hesitante, que em troca de optar pela consolidação da legitimidade do Nobel, prefere ser aceito como uma referência das elites e posicionar-se melhor no grid de largada das eleições de 2018. As elites vendem, através dele, uma ideia sublime de paz para o exterior e empurram a enredada implementação dos acordos cada vez mais para dentro do país. Elas estão dispostas a fazer isso, entre disputas e a fragmentação de suas fileiras, para reunirem-se a qualquer preço e afirmarem seu controle total de poder, embora parte do custo seja compartilhar assuntos com a extrema direita, que não conhece limites.
Em outro requadro, nove jovens, em sua maioria acadêmicos de direito, sociologia e outras ciências humanas cursadas em universidades públicas, desde que eles foram presos, há três dias, são motivo de escárnio, vingança, especulação e estigmatização, tratando de transformá-los em troféus, acusados de criminosos, em meio a reuniões quase secretas realizadas no edifício do tribunal Paloquemao, no centro de Bogotá. As organizações populares e de defesa dos direitos humanos anunciam que este é mais um evento midiático de falsos positivos judiciais e o próprio procurador-geral, acompanhado do diretor da polícia acusou-os na televisão de terem provocado o ato de terror (a explosão de uma bomba) no centro comercial na Andino na área rosa do norte da cidade, com três mortos e nove feridos. Episódios semelhantes a este tipo de atuação judicial se repetem constantemente e colocam dezenas de pessoas inocentes na prisão, como resultado do espírito de guerra do inimigo interno e a segurança que permanece intacta.
No terceiro requadro, a ordem judicial aparece operando de forma eficaz diante do ex-governador de Guajira, Kiko Gómez, denunciado e reconhecido por suas vítimas como parte ativa da estrutura paramilitar e co-responsável pela tragédia humanitária de milhares de crianças indígenas, mortas de inanição diante do despojo de suas águas, saqueando dos fundos públicos e agredindo suas tradições e riquezas coletivas, e que foi condenado a 40 anos de prisão pelo assassinato de um vereador, opositor a sua política.
Outros requadros perdidos entre mensagens comerciais repetidas, ofertas do feriado, anúncios de futebol e ciclismo mundial, medalhas de ouro e episódios fictícios de bandidos e assassinos, são os anúncios sobre os preparativos para uma greve nacional contra as políticas econômicas e sociais, os desastres ecológicos pela poluição de águas residuais de empresas de mineração legais e ilegais, e novas prisões por escândalos de corrupção. Através das grades ficam evidentes as únicas formas de informação manipulada que são demonstradas em números, atos sistemáticos e repudiáveis de violência doméstica, com novos feminicídios, longas filas de seres humanos maltratados por esta enfermidade, à espera de uma consulta médica urgente, as longas filas para entregar uma folha de currículo para um emprego precário e sem garantias, prisões 200% superlotadas e centenas de rebeldes das FARC que viram prisioneiros em greve de fome, com os seus lábios em carne-viva à espera de que o estado mantenha sua palavra nos acordos e os converta em civis com direitos.
No dia 27 de junho, primeiramente, é um dia especial para a paz na Colômbia, pois o exército do povo se acaba, e é inaugurado o partido desarmado das FARC. Há otimismo para que a paz construa bases sólidas, que seja incorporada em todos os tecidos da sociedade e que as instituições sejam transformadas pelo espírito e linguagem da guerra. Há esperança e confiança de conseguir sanar os outros vários tipos de violência, de alguma forma relacionados com a desigualdade, o sofrimento, a privação e ao trauma psicológico deixadas pelas cinco décadas de guerra em que a morte chegou ao seu auge com sequelas de violência endêmica contra mulheres, crianças, contra excluídos, marginalizados e adversários. Há confiança para construir um novo humanismo que supera o ódio com a ação urgente de reconciliação por parte do Estado, do qual é esperado que confira justiça nos tribunais e promova a justiça social na democracia para impedir que outras guerras comecem a eclodir.
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Adeus às armas, fecharam-se os contêineres - Instituto Humanitas Unisinos - IHU