13 Março 2017
É difícil acreditar, mas o Papa Francisco está chegando ao quarto aniversário de sua eleição ao papado em 13 de março. Em quatro anos, o pontífice já teve um impacto profundo na Igreja. Verdade seja dita, ele não mudou a postura da Igreja em relação ao controle de natalidade, ao celibato, a mulheres ordenadas ao sacerdócio e ao casamento entre pessoas do mesmo sexo, mas tem transformando fundamentalmente como vemos a Igreja de cinco maneiras.
O comentário é de Thomas Reese, jornalista e jesuíta, publicado por National Catholic Reporter, 09-03-2017. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Em primeiro lugar, o papa propôs um jeito novo de evangelizar. Ele nos diz que as primeiras palavras da evangelização devem ser sobre a compaixão e a misericórdia de Deus, e não uma lista de dogmas e regras a serem aceitas. Fala diariamente da compaixão e do amor de Deus. A nossa resposta, segundo ele, é mostrar compaixão e amor a todos os irmãos e irmãs, especialmente os pobres e marginalizados. Francisco não só fala sobre isso; ele age estendendo a mão aos refugiados, desabrigados e enfermos.
Os papas anteriores escreveram sobre a “nova evangelização” de um modo abstrato e enfadonho. Esse papa comunica-se de um jeito que capta a atenção das pessoas com suas palavras e ações. A mensagem que emite é a mensagem do Evangelho – é sobre o amor do Pai por seu povo e a responsabilidade deles de amar uns aos outros. Ele não se mostra obcecado com regras e regulamentos. Está mais interessado na ortopráxis (como vivemos a fé) do que na ortodoxia (como explicamos a fé).
Em segundo lugar, o Papa Francisco vem permitindo uma discussão e um debate abertos na Igreja. Ele não se escandaliza por causa de desentendimentos, mesmo em se tratando de doutrina. É impossível expressar o quão extraordinário é esse aspecto. Somente durante o Vaticano II um debate assim foi possível. Ironicamente, os conservadores que atacavam os progressistas como dissidentes nos papados anteriores agora se tornaram dissidentes ao magistério do Papa Francisco.
Nos dois últimos papados, a dissidência era totalmente condenada e suprimida. As teologias de João Paulo II e Bento XVI não poderiam ser questionadas. Candidatos episcopais eram avaliados com base da lealdade, não das habilidades pastorais. Os bispos com ideias contrárias eram premidos ao silêncio. Um bispo australiano foi removido do seu ofício por sugerir que a Igreja discutisse a ordenação feminina.
Nos Sínodos dos Bispos, funcionários vaticanos controlavam a pauta e mesmo instruíam os bispos sobre quais tópicos não poderiam ser discutidos. Os Sínodos, que deveriam assessorar o papa, tornaram-se fóruns para os bispos professarem lealdade.
Com Francisco, os participantes sinodais foram encorajados a falar o que pensavam com ousadia, e não se preocupar com discordar dele, o papa. O resultado foi uma troca de ideias mais livre, desacordos públicos e críticas diretas ao papa por parte de alguns cardeais conservadores. Isso tudo nunca teria sido permitido sob os papas anteriores.
Há também uma longa lista de teólogos que foram investigados e silenciados pela Congregação para a Doutrina da Fé durante os dois últimos papados. Isso é especialmente verdade em se tratando de teólogos morais nos Estados Unidos, teólogos da libertação na América Latina e aqueles interessados no diálogo inter-religioso na Ásia. Muitos perderam o emprego nos seminários e foram proibidos de publicar. Uns até mesmo praticaram a autocensura para que não tivessem problemas.
Isto é especialmente verdade para os padres teólogos, que foram controlados via canais eclesiásticos, e não acadêmicos. Eles foram simplesmente ordenados, com base no voto de obediência, a consentir. A liberdade acadêmica para os teólogos era uma piada, a menos que fossem leigos. Padres jornalistas foram também censurados e destituídos de seus postos de trabalho.
Tudo isso faz parte do passado. Não se ouve mais sobre teólogos sendo investigados e silenciados. Isso é extremamente importante para que a teologia possa desenvolver e lidar com temas contemporâneos de um modo que seja compreensível pelas pessoas do século XXI. A comunidade teológica, se deixada em paz, pode ser uma comunidade de estudiosos que se autocorrige.
Em terceiro lugar, o Cardeal Burke e os críticos do papa estão certos; no Capítulo VIII de Amoris Laetitia, o papa apresenta uma nova maneira de pensar sobre temas morais. Ele está afastando a Igreja de uma ética baseada em regras e indo na direção de uma ética baseada no discernimento. Os fatos, as circunstâncias e as motivações importam numa tal ética.
Sob esta abordagem da teologia moral, é possível ver santidade e graça na vida de pessoas imperfeitas, inclusive aquelas em uniões irregulares. Ao invés de ver o mundo dividido entre o bem e o mal, somos todos vistos como pecadores feridos para os quais a Igreja serve como um hospital de campanha onde a Eucaristia é alimento aos feridos, e não uma recompensa aos perfeitos. Já não há mais a tentativa de assustar as pessoas para que sejam boas.
Em quarto lugar, o papa pôs algumas problemáticas ambientais num lugar central da fé católica. Ele reconhece que o aquecimento global pode ser a questão moral mais importante do século XXI. Em sua encíclica, Laudato Si’, o pontífice nos diz que “Viver a vocação de guardiões da obra de Deus não é algo opcional nem um aspecto secundário da experiência cristã, mas parte essencial duma existência virtuosa”.
Esta encíclica foi recebida com entusiasmo por ambientalistas que, no passado, viam a Igreja como um inimiga por causa de sua postura sobre o controle de natalidade. Agora a Igreja é um aliado porque os ambientalistas estão reconhecendo que a religião é uma das poucas coisas que podem motivar as pessoas ao tipo de autossacrifício exigido para salvar o planeta. A encíclica do papa vem mostrando este caminho.
Por fim, o papa tem agido para reformar as estruturas de comando da Igreja. Verdade seja dita, a reforma da Cúria Romana vem acontecendo com lentidão, porém está acontecendo. As reformas financeiras estão difundindo-se por meio de várias agências vaticanas, a começar pelo Banco Vaticano e movendo-se através de outras entidades. O processo orçamentário do Vaticano foi reforçado, e vários departamentos foram consolidados. Isso tudo é para o bem da Igreja. Há muito a ser feito ainda, mas as coisas estão acontecendo.
E o mais importante ainda: ele está tentando mudar a cultura do clero, afastando-os do clericalismo e indo na direção de uma vocação de serviço. O papa quer que os bispos e padres se vejam como servos do Povo de Deus, não príncipes.
Num aspecto importante para a proteção de seu legado, ele rompeu com a tradição e tomou o controle do processo de nomear novos cardeais. Em lugar de apenas promover prelados em sés cardinalícias tradicionais, ele vem estendendo a mão ao Colégio dos Bispos em busca de cardeais que reflitam as suas prioridades e os seus valores. Isso aumenta as chances de que o seu sucessor, eleito por estes cardeais, continue a sua agenda, e não retroceda nas mudanças que vêm sendo feitas.
Aos meus amigos progressistas que estão decepcionados com que o papa não mudou a postura da Igreja relativa ao controle de natalidade, ao celibato, à ordenação feminina ao sacerdócio e ao casamento entre pessoas do mesmo sexo, eu os exorto a olhar para o que foi feito. É revolucionário. Celebremos e demos graças a Francisco.
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Cinco grandes realizações dos primeiros 4 anos de Papa Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU