21 Fevereiro 2017
Foi um discurso em praça pública, repleto de temas familiares para os que têm acompanhando os últimos acontecimentos na Igreja e na política americana.
Mas, para uma multidão na sexta-feira à noite reunida em um ginásio escolar em Lenexa, no estado do Kansas, o discurso foi também inflamado, pungente, uma mensagem tranquilizadora que a multidão aplaudiu e que explicou por que eles chamam o Cardeal Raymond Leo Burke – “Leo, o Leão” – de corajoso e franco.
A reportagem é de Dennis Coday, publicada por National Catholic Reporter, 17-02-2017. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
As visitas de Burke, entre os dias 9 e 11 de fevereiro, à região metropolitana de Kansas City incluiu duas missas públicas – uma na forma extraordinária e outra na forma ordinária –, um discurso público e um almoço com o capítulo local da Associação Médica Católica. Estes dias foram uma calmaria que tirou o prelado das turbulências em que tem estado envolto.
Já fustigado pelo pedido para que o Papa Francisco esclareça o seu ensinamento em Amoris Laetitia, Burke se viu em mares mais tempestuosos em meados de janeiro em um caso envolvendo os Cavaleiros de Malta, antiga ordem cavalheiresca que remonta às cruzadas e que, hoje, acolhe uma membresia mundial prestigiada e milhares de causas caritativas. Burke é o patrono espiritual da ordem. Em janeiro, Francisco nomeou um delegado para supervisionar a organização.
Três dias antes de o prelado sair em viagem, um artigo no New York Time associava Burke ao governo Trump por meio do estrategista principal da Casa Branca Stephen Bannon. De acordo com o jornal, os dois se encontraram em abril de 2014, quando Bannon esteve em Roma para cobrir a canonização do Papa João Paulo II e recrutar um correspondente vaticano para o sítio noticioso Breitbart News.
Bannon reuniu-se com o seu correspondente – Thomas Williams, ex-padre da Legião de Cristo, ordem internacional conhecida pelo seu conservadorismo e pelo seu fundador, o falecido Pe. Marcial Maciel Degollado, pedófilo, pai de três com duas mulheres. Williams, americano, vem construindo uma carreira como acadêmico em Roma cujo comportamento suave, meigo diante das câmeras fez dele uma pessoa conhecida em certos círculos.
Williams renunciou ao sacerdócio em maio de 2013; um ano antes, tornara-se público que ele era pai de uma criança de 7 anos. Em dezembro de 2013, casou-se com a mãe, Elizabeth Lev, filha de uma ex-embaixadora americana no Vaticano, Mary Ann Glendon.
Durante a visita de 2014, Bannon também se reuniu com Burke. Bannon seguiria em frente para fazer do Breitbart News uma plataforma política para a alt-right [“direita alternativa”] e dois anos depois guiar Donald Trump à presidência. Enquanto isso, Burke iria emergir como um porta-voz da oposição a Francisco.
De acordo com o New York Times, Bannon e Burke ainda mantêm contato via email. O artigo tenta, mas em última instância não consegue, sustentar que Bannon está buscando influenciar o Vaticano. O experiente analista vaticano Robert Moynihan, editor do sítio Inside the Vatican, considerou “decepcionante” ” o artigo publicado.
Em seu blog, Moynihan escreve: “Embora interessante, [o artigo] não apresenta provas para sustentar a tese principal”, que, segundo Moynihan, é: “a eleição do presidente Trump (e a ascensão de seu assessor, Stephen Bannon) tem sido vista pelos ‘tradicionalistas católicos’ como uma oportunidade para ‘descarrilhar’ a agenda do Papa Francisco”.
Mais preocupante na Europa foi o encontro de Burke, em 2 de fevereiro, com Matteo Salvini, nacionalista italiano de direita e coordenador do partido da Liga Norte, figura que apoia abertamente Donald Trump e que tece críticas ao trabalho social do papa aos migrantes e refugiados.
O encontro foi o que levou ao ataque mordaz contra Burke via Emma-Kate Symons, jornalista freelance, em artigo publicado no Washington Post, sob o título “How Pope Francis can cleanse the far-right rot from the Catholic Church” [Como o Papa Francisco pode depurar a podridão da extrema-direita na Igreja Católica]. O texto é incendiário, porém um dos pontos trazidos é que a reunião de Burke com Salvini foi “uma intervenção política flagrante por parte de um grupamento racista de extrema-direita na dianteira das eleições italianas”.
Em Kansas City, Burke recusou os pedidos para falar com a imprensa. Diante de um desses pedidos, em 12 de fevereiro ele disse ao National Catholic Reporter: “Neste momento, não estamos fazendo isso [conceder entrevistas]”.
Os apoiadores de Burke em Kansas prestaram pouca atenção aos artigos do New York Times e do Washington Post.
O evento principal para o cardeal de 68 anos nascido em Wisconsin foi a Second Annual Defense of the Faith Lecture [palestra anual sobre a defesa da fé] para a região dos Cavaleiros de Malta de Kansas City. Aproximadamente 1.200 pessoas preencheram os assentos que foram alinhados no ginásio esportivo da Academia St. James, escola secundária católica em Kansas City.
Burke sentou-se atrás de uma mesa sobre uma plataforma suspensa e leu, por 45 minutos, um texto previamente preparado. Em sua introdução, fez uma referência de passagem ao Papa Francisco; citou os papas Bento XVI e João Paulo II uma meia dúzia de vez cada um. Citou o Papa Paulo VI três vezes, duas vezes trazendo a Humanae Vitae, encíclica publicada em 1968 que traz o ensinamento católico condenatório do controle artificial de natalidade.
Entre os destaques da palestra estão:
• “A nossa missão [é] construir uma cultura cristã forte em nossos lares, em nossas comunidades e em nosso país. (...) Vamos transformar a cultura popular atual marcada por profunda confusão e erro”.
• Bento XVI, disse ele, “falou clara e incisivamente sobre o estado profundamente transtornado em que a nossa cultura se encontra”. Exemplos dos “graves males do nosso tempo” são o abuso clerical de menores, o mercado de pornografia infantil, o turismo sexual e o abuso de drogas.
• Burke chamou a Europa e os EUA de “nações descristianizadas”.
• “A restauração do respeito pela integridade do ato conjugal é essencial para o futuro da cultura ocidental, o avanço da cultura da vida”.
• “Hoje, os pais devem ficar especialmente vigilantes, pois, infelizmente em alguns casos, as escolas se tornaram instrumentos da agenda secular inimiga da vida cristã. Como exemplo, pode-se pensar no estudo obrigatório da assim-chamada educação de gênero em algumas escolas.
• “Hoje (...) infelizmente encontramos a necessidade de falar sobre o casamento tradicional como se houvesse um outro tipo de casamento. Só existe um tipo de casamento conforme Deus nos concedeu no momento da Criação”.
• “Não há dúvida de que o mal está à solta em nossa época”, disse Burke sugerindo que a oração de exorcismo menor fosse usada mais frequentemente.
Patrick Stoops, 29 anos, disse ao National Catholic Reporter que veio para a palestra porque tem “um respeito tremendo pelo Cardeal Burke, por sua dedicação à ortodoxia e pela coragem que tem demonstrado diante da resistência de certos membros do clero e da cultura em geral”.
Segundo ela, estamos vivendo um momento de bastante timidez, e Burke “está definitivamente trazendo uma mensagem de ousadia e confiança”.
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Multidão em Kansas aplaude discurso em praça pública do Cardeal Burke - Instituto Humanitas Unisinos - IHU