14 Março 2017
13-03-2017, é o quarto aniversário da eleição do Papa Francisco, momento para revisitar o que ele fez, o que está fazendo e as esperanças que podemos alcançar nestes próximos anos. O histórico de Francisco quanto à questão de gênero e sexualidade é confuso, mas os seus esforços em ajudar a Igreja a receber, de forma mais plena, o Vaticano II e a reformar a Cúria podem ser lugares melhores para que os católicos LGBTs e aliados foquem suas atenções.
O comentário é de Robert Shine, publicado por New Ways Ministry, 13-03-2017. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Thomas Reese. Aos progressistas críticos do pontífice, Reese diz que o histórico de Francisco é “revolucionário” e deveria ser comemorado. Concordando ou não com esta apreciação, vale destacar os pontos trazidos pelo colunista, sob um olhar LGBT:
Em primeiro lugar, o papa propôs um jeito novo de evangelizar. Ele nos diz que as primeiras palavras da evangelização devem ser sobre a compaixão e a misericórdia de Deus, e não de uma lista de dogmas e regras a serem aceitos. (…) Ele não se mostra obcecado com regras e regulamentos. Está mais interessado na ortopráxis (como vivemos a fé) do que na ortodoxia (como explicamos a fé).
Esta nova maneira de evangelizar tem priorizado os seres humanos como sujeitos diante de Deus, não categorias ou objetos. Numa entrevista de 2016, expandindo a sua famosa observação “Quem sou eu para julgar?”, Francisco falou sobre as pessoas gays com um tom acolhedor e sem nenhuma menção à ética sexual condenatória. Essa abordagem parece ter funcionado, pelo menos inicialmente. O papa recebeu o prêmio “Personalidade do Ano” não apenas da revista Time, mas também da revista The Advocate, e várias celebridades como Edie Windsor, Antonio Banderas e Elton John o aplaudiram pela ênfase dada à misericórdia, e não à lei.
Resenhas sobre o Papa Francisco estão sendo, como era de se esperar, extremamente positivas. Cerca de cinquenta católicos LGBTs e seus familiares em peregrinação com o New Ways Ministry receberam assentos VIPs para uma audiência papal, momento de cura e esperança para muitos peregrinos e outros. Francisco encontrou-se pessoalmente com uma transexual, Diego Neria Lejárraga, que havia sido excluída de sua paróquia na Espanha. Ao falar sobre o encontro em entrevista concedida posteriormente, o pontífice descreveu Neria Lejárraga como “ele que era ela que é ele” e empregou pronomes masculinos. Se encontros humanos persuadirem corações rompidos, como a Irmã Simone Campbell falou semana passada em evento no Vaticano, então não podemos subestimar atos interpessoais como este do papa.
O segundo ponto de Reese é que o papa “vem permitindo uma discussão e um debate abertos na Igreja. (…) É impossível expressar o quão extraordinário esse aspecto é”. Para isso, ele explica:
Somente durante o Vaticano II um debate assim foi possível (…) Nos dois últimos papados, a dissidência era redondamente condenada e suprimida. As teologias de João Paulo II e Bento XVI não poderiam ser questionadas. (…) Com Francisco, os participantes sinodais foram encorajados a falar o que pensavam com ousadia, e não se preocupar com discordar dele, o papa. O resultado foi uma troca de ideias mais livre, desacordos públicos e críticas diretas do papa a alguns cardeais conservadores. Isso tudo nunca teria sido permitido sob os papas anteriores.
Esta nova abertura inclui um fim às investigações e aos silenciamentos de teólogos, que, segundo Reese, “é extremamente importante caso a teologia deva se desenvolver e lidar com temas contemporâneos de um modo que seja compreensível pelas pessoas do século XXI”. Porém o que não fez parte do diálogo, seja de modo geral, seja nos Sínodos dos Bispos sobre a família, são as vozes das pessoas LGBTs e seus familiares que devem participar da teologia e do ministério falando de suas vidas e realidades.
Acolher as discordâncias, e mesmo brincar com suas próprias ideias em público, é um sinal de saúde no papado. Mas isso tem levado muitos setores da Igreja à consternação. Este fenômeno levou a problemas, como ao equívoco reproduzido na imprensa de que o papa tinha comparado pessoas transexuais a armamentos nucleares, ou à especulação com pouco fundamento na realidade. Talvez o exemplo mais notável seja a confusão em torno do papa ter supostamente se encontrado com um ícone da direita, Kim Davis, na visita feita aos EUA.
Politicamente, Francisco tem tido menos tolerância com a diversidade de opinião. Ele repetiu as denúncias contra a igualde matrimonial (quer dizer, na Eslováquia, Eslovênia, nas Filipinas), inclusive dizendo que havia uma “guerra mundial para destruir o matrimônio”. Além disso, ficou silente quanto aos esforços em criminalizar e discriminar as pessoas LGBTs, mesmo quando fiéis católicos pediram-lhe para falar em defesa dos direitos humanos. A decisão dele em se envolver no debate sobre o matrimônio, mas não na questão da criminalização, mostra uma priorização pobre para um papa que promove os direitos humanos.
Em terceiro lugar, Reese identifica Francisco como quem “apresenta uma nova maneira de pensar sobre temas morais” no capítulo oitavo de Amoris Laetitia, o que promove um entendimento mais rico e maduro sobre a vida ética:
Sob esta abordagem à teologia moral, é possível ver santidade e graça na vida de pessoas imperfeitas, inclusive aquelas em uniões irregulares. Ao invés de ver o mundo dividido entre o bem e o mal, somos todos vistos como pecadores feridos para os quais a Igreja serve como um hospital de campanha onde a Eucaristia é alimento aos feridos, e não uma recompensa aos perfeitos. Já não há mais a tentativa de assustar as pessoas para que sejam boas.
Amoris Laetitia foi um passo positivo para a Igreja em geral, mas não foi muito feliz para os católicos LGBTs e familiares. Na verdade, os teólogos observaram como o tratamento dado à sexualidade aí não parece coerente com o restante da exortação. A decepção das minorias de gênero e sexual fez-se presente ao longo de todo o processo do Sínodo dos Bispos sobre a família que, apesar de alguns momentos positivos, pôs de lado a homossexualidade e inquietações relacionadas.
Em quarto lugar, Reese observa o comprometimento destacado do Papa Francisco com a justiça ambiental. Aqui ele inclui a publicação da encíclica Laudato Si’, que foi calorosamente recebida, conquanto tenha levantado dúvidas nos defensores dos direitos LGBTs com base numa linguagem ambígua sobre a identidade de gênero. A dificuldade em não esclarecer, nesta encíclica e em outros momentos, o que quer dizer por “colonização ideológica” ou críticas não especificadas à teoria de gênero deu margem para que bispos contrários à comunidade LGBT se postassem de forma ainda mais condenatória.
Por fim, Thomas Reese escreve que Francisco “tem agido para reformar as estruturas de comando da Igreja”. O autor avaliou este trabalho como lento, porém em constante progresso. Os esforços nesse sentido incluem a nomeação de bispos mais orientados à prática pastoral, e menos interessados em questões sexuais, os quais foram descritos no artigo como cruzados, porém “semeadores humildes e confiantes da verdade”. E o papa recebeu Dom Jacques Gaillot quem, em 1995, foi destituído do cargo por abençoar a união de um casal do mesmo sexo.
E então, o que pode acontecer daqui para diante? Eu apresento três breves pontos sob os quais podemos entender e avaliar o Papa Francisco hoje.
Primeiro, ao avaliar qualquer coisa que o Francisco diz ou faz, devemos ter em mente o compromisso dele em encarnar o Vaticano II. Este esforço é um projeto fundamental, que fora posto de lado pelos dois antecessores, mas que será explosivo no longo prazo caso tenha continuidade.
Segundo, Francisco possui uma compreensão básica de que as pessoas LGBTs são marginalizadas, e reconheceu a necessidade de um acompanhamento pastoral a elas como “aquele que Jesus faria”. Yayo Grassi, ex-aluno gay do papa, que manteve amizade com Francisco, disse num evento promovido pelo New Ways Ministry no ano passado que o papa lhe disse explicitamente: no ministério, “não há lugar para a homofobia”. Eis os blocos de construção a partir dos quais uma maior inclusão e justiça podem surgir.
Terceiro, o Papa Francisco provavelmente não vai ir além dos seus limites como um clérigo idoso formado na cultura argentina tradicional quando se trata de questões como gênero e sexualidade. Esta realidade significa que não podemos hesitar em continuar com o nosso trabalho. A transformação na Igreja vem debaixo. Os católicos austríacos aproveitaram o convite do papa para que a Igreja pedisse desculpas à comunidade LGBT realizando uma liturgia visando um tal pedido de desculpas. Conforme escrevi anteriormente, devemos fazer o mesmo, ao usar o espaço que Francisco vem criando para trabalhar pela igualdade onde, quando e como pudermos.
Na medida em que avaliamos o Papa Francisco, hoje, e seguimos em frente, não devemos ignorar a floresta por prestarmos atenção nas árvores. Este papado tem se focado na misericórdia sempre maior de Deus, e Francisco tem se envolvido nas causas de muitas pessoas vulneráveis. Ele está testemunhando o Evangelho de um modo ousado e belo, ainda que imperfeitamente.
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Quatro anos depois, o que dizer sobre o Papa Francisco e as questões LGBTs? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU