19 Janeiro 2016
"Em seu comentário mais recente, tornado público em um novo livro do jornalista italiano Andrea Tornielli, o pontífice tenta explicar a sua famosa declaração “Quem sou eu para julgar?”, a qual foi uma reposta a uma pergunta sobre sacerdotes gays e que vem sendo amplamente interpretada como sendo o seu comentário sobre todas as pessoas LGBTs", escreve Francis DeBernardo, diretor executivo do New Ways Ministry, em artigo publicado por New Ways Ministry, 10-01-2016. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Eis o artigo.
Como em outras vezes, uma entrevista do Papa Francisco está, novamente, sendo fonte de manchetes ao redor do mundo, neste caso não devido a comentários feitos concernentes às pessoas lésbicas e gays. Conquanto positivos e acolhedores, como foram os seus comentários anteriores, os dizeres mais recentes do papa não apresentam um “sinal claro” de onde ele se encontra na moralidade das relações homoafetivas, no papel da consciência na vida das pessoas LBGTs ou nas orientações pastorais para o ministério junto a esta comunidade. Mesmo assim, as afirmações que fez foram importantes no sentido de conduzir a uma direção positiva o debate a respeito da homossexualidade na Igreja.
Em seu comentário mais recente, tornado público em um novo livro do jornalista italiano Andrea Tornielli, o pontífice tenta explicar a sua famosa declaração “Quem sou eu para julgar?”, a qual foi uma reposta a uma pergunta sobre sacerdotes gays e que vem sendo amplamente interpretada como sendo o seu comentário sobre todas as pessoas LGBTs.
Segundo o sítio eletrônico National Catholic Reporter, que recebeu antecipadamente uma versão inglesa do livro intitulado The Name of God Is Mercy [O nome de Deus é misericórdia], o Papa Francisco dá esta explicação:
“Naquela ocasião disse isto: Se uma pessoa for gay e busca o Senhor e está disposto a isso, quem sou eu para julgá-la? Estava parafraseando o Catecismo da Igreja Católica, o qual afirma que estas pessoas devem ser tratadas com delicadeza e não devem ser marginalizadas. Alegra-me que falemos sobre as pessoas homossexuais, porque antes de mais nada existe a pessoa individual em sua totalidade e dignidade. E as pessoas não devem ser definidas somente pelas suas tendências sexuais: não esqueçamos que Deus ama todas suas criaturas e que estamos destinados a receber seu amor infinito. Prefiro que os homossexuais busquem a confissão, que estejam perto do Senhor e que rezemos todos juntos. Podemos pedir-lhes que rezem, mostrar-lhes boa vontade, mostrar-lhes o caminho e acompanhá-los a partir da sua condição”.
Embora este comentário do papa não esclareça totalmente a sua abordagem às pessoas LGBTs, o que ele afirma de fato apresenta alguns pontos importantes.
1.- Ele enxerga a sua abordagem acolhedora como estando totalmente em conformidade com o Catecismo da Igreja Católica, e não como uma ruptura.
2.- Ele percebe que o foco fundamental nas questões LGBTs está sobre as pessoas individuais, não nas categorias. Nisso, ele rompe radicalmente com os seus dois antecessores imediatos, os quais preferiram enquadrar a discussão sobre a sexualidade em termos de atos sexuais, não em termos de pessoas.
3.- Ele fala sobre o Deus que ama as pessoas, não sobre condenação. A ênfase no amor divino não era um ponto relevante do discurso dos líderes religiosos a respeito das questões LGBTs.
4.- Ele fala sobre um “encontro”, um “acompanhamento e um “rezar juntos”, não sobre afastar ou distanciar a Igreja das pessoas LGBTs.
5.- Talvez o mais importante é o que não é mencionado pelo papa. Ele não fala sobre condenação ou avaliações morais. Claramente, este papa não é tão obcecado com a atividade sexual quanto o foram os seus antecessores.
O seu comentário sobre a confissão pode levantar uma bandeira vermelha de alerta segundo a sensibilidade de algumas pessoas. Não penso, no entanto, que deveríamos dar muita atenção a este ponto. Não acho que ele estava pedindo que os gays e lésbicas viessem a confessar os “pecados” sexuais com base em suas orientações e compromissos. A partir de outras coisas que ele falou, especialmente ao tratar do Ano da Misericórdia, creio que o Papa Francisco enxerga a confissão como uma coisa boa para todos e todas, no sentido de vivenciar e celebrar a misericórdia de Deus. Acho que ele vê a confissão como um passo importante no desenvolvimento da relação com Deus. A ambiguidade em tê-lo levantando a questão da confissão mostra a importância que há, para ele, em se falar mais claramente sobre o tema.
Os comentários recentes do Papa Francisco sobre as pessoas lésbicas e gays refletem o seu projeto mais amplo de construção de uma Igreja que propaga a misericórdia, não doutrinas. No livro, ele apresenta uma descrição sobre a distinção entre misericórdia e doutrina:
“Eu digo: a misericórdia é verdadeira; é o primeiro atributo de Deus. Depois se podem fazer reflexões teológicas sobre doutrina e misericórdia, mas sem esquecer de que a misericórdia é doutrina. Portanto eu amo dizer: a misericórdia é verdadeira”.
De novo, esta descrição é algo que não se ouve nos comentários de João Paulo II e Bento XVI sobre a doutrina, pois eles que sempre enfatizaram a verdade, mas raramente, se é que o fizeram alguma vez, mencionavam a misericórdia em relação ao tema em questão.
O Papa Francisco ainda tem bastante trabalho a realizar em se tratando de questões LGBTs. Nós ainda precisamos ver as suas ideias serem desenvolvidas e, o que é mais importante, serem incorporadas na vida pastoral da Igreja. Nós estamos aguardando o documento que ele irá publicar a partir dos sínodos sobre o matrimônio e a família, ocorridos nos últimos dois anos, e esperamos que estas suas ideias de acolhida e aceitação recebam detalhes mais concretos nesta ocasião.
Estes seus comentários mais recentes, no entanto, constituem um passo bem-vindo nesta sua evolução, e eles conduziram a discussão das questões LGBTs na Igreja Católica para dentro de um espaço muito mais amigável do que nunca.
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Ao explicar o “Quem sou eu para julgar?”, Francisco dá um passo adiante no debate LGBT - Instituto Humanitas Unisinos - IHU