Por: Jonas | 28 Junho 2013
Bento XVI parecia alimentar uma natural idiossincrasia a respeito da diplomacia vaticana. De fato, nomeou um não diplomático como seu secretário de Estado, o cardeal salesiano Tarcisio Bertone. E reduziu ao mínimo as audiências com os núncios apostólicos.
A reportagem é de Sandro Magister, publicada no sítio Chiesa, 27-06-2013. A tradução é do Cepat.
Esta mudança foi acolhida com prazer por não poucos dirigentes e funcionários da Cúria Romana, que viam – e veem – nos eclesiásticos do serviço diplomático uma espécie de “casta”, que além de ter um tratamento econômico e de seguridade social privilegiado, tende a promover o “cursus honorum” das próprias atribuições, inclusive, indo para além dos reais méritos pessoais.
Ao contrário, o papa Francisco demonstra que possui um enfoque diferente. Certamente, ao se encontrar, no último dia 6 de junho, com os alunos da Pontifícia Academia Eclesiástica, a alta escola da diplomacia vaticana, o Papa jesuíta não fez rodeios.
À Academia Eclesiástica Pontifícia, disse que para um sacerdote que entra na vida diplomática “há muitos perigos para sua vida espiritual”. Explicou que “quando na nunciatura há um secretário ou um núncio que não transita o caminho da santidade e se deixa envolver em tantas formas de mundanismo espiritual, torna-se ridículo e todos riem dele”. E os intimou: “Por favor, não sejam ridículos. Sejam santos ou retornem a uma diocese, para serem párocos”.
Entretanto, algumas semanas depois, ao se encontrar, no dia 21 de junho, com os núncios em atividade, durante as “Jornadas dos representantes pontifícios”, programadas no Ano da Fé, Francisco dirigiu-lhes um discurso caloroso e atrativo, que parece ter conquistado o coração dos participantes, também os daqueles que não possuem uma sensibilidade propriamente “bergogliana”.
O papa Francisco disse aos núncios que considera “mais do que importante” seu trabalho e “essencial” o “vínculo pessoal entre o Bispo de Roma e vocês”, um vínculo pessoal que “devemos forjar por ambas as partes”, para além da mediação da Secretaria de Estado, “que nos ajuda”.
Em síntese, Jorge Mario Bergoglio considera que na “casta” diplomática os riscos de mundanismo espiritual são maiores do que em outras “castas” eclesiásticas, mas talvez justamente por isso, diferente do papa Ratzinger, parece que tem a intenção de estabelecer um vínculo mais frequente e direto com seus representantes.
Agora, será interessante perceber se voltará à velha práxis, pela qual todos os núncios eram recebidos pelo Papa ao menos uma vez por ano e se isto também implicará no retorno de um papel preponderante dos núncios na maquinaria curial (ou naquilo que ficará dessa maquinaria, após o tratamento que será dado por Bergoglio).
Por não poucos indícios, é evidente que o papa Francisco não tem, por si mesmo, um conceito negativo dos núncios.
Uma demonstração disso são as palavras de profundo apreço, mencionadas em seu livro-entrevista “O Jesuíta”, relacionadas ao cardeal Agostino Casaroli, “ministro de relações exteriores” do Vaticano com Paulo VI e secretário de Estado com João Paulo II.
Igualmente em “O Jesuíta”, o então cardeal Bergoglio também fala com apreço do arcebispo Ubaldo Calabresi, o núncio apostólico na Argentina “que me chamava”, em inícios dos anos 1990, “para consultar-me sobre alguns sacerdotes que, seguramente, eram candidatos a bispo”.
Foi com Calabresi como núncio que, em maio de 1992, Bergoglio se tornou bispo auxiliar e cinco anos depois bispo coadjutor de Buenos Aires. Um acontecimento, este último, que lhe foi anunciado – conta em “O Jesuíta” – pelo próprio Calabresi ao terminar um almoço, com a chegada de “uma torta e uma garrafa de champanhe”.
Também é verdadeiro que Bergoglio teve uma boa relação com o sucessor de Calabresi na nunciatura de Buenos Aires, o arcebispo Santos Abril y Castelló, feito cardeal por Bento XVI e Arcipreste da basílica romana de Santa Maria Maior.
No entanto, este prelado espanhol permaneceu na Argentina somente três anos, de 2000 a 2003, quando foi enviado para a menos influente sede de Liubliana, na Eslovênia. Um dos motivos desta transferência parece ter sido a atitude crítica de Abril – respaldada por Bergoglio – frente à família religiosa do Verbo Encarnado, que tinha Angelo Sodano como grande protetor vaticano, naquele momento cardeal secretário de Estado.
Por diversas circunstâncias vividas na escolha dos candidatos ao episcopado, mais frias parecem ter sido as relações do atual Pontífice com Adriano Bernardini, núncio na Argentina de 2003 a 2011 e, nesse momento, seu representante na Itália.
Contudo, a não idiossincrasia do papa Francisco frente aos diplomáticos com clergyman também é atestada pelo fato de ter incluído um ex-núncio entre os oito cardeais eleitos como seus conselheiros: Giuseppe Bertello, atual governador do Estado da Cidade do Vaticano, a quem Bergoglio conhece há muito tempo como “aluno” de Calabresi. Com efeito, no início de sua carreira diplomática, Bertello foi colaborador de Calabresi na Venezuela e no Sudão, as duas nunciaturas cobertas antes da experiência argentina.
Além disso, há poucos dias, Francisco “aprovou” – na realidade fez nomear –, como “prelado” do Instituto para as Obras de Religião (IOR), um monsenhor do serviço diplomático, o bresciano Battista Mario Salvatore Ricca, a quem conhecia desde 2006, quando Ricca tornou-se diretor do pensionato sacerdotal “Residência Internacional de Paulo VI”, situada na via della Scrofa, onde o cardeal Bergoglio residia, habitualmente, durante suas estadias em Roma e a quem conheceu e apreciou, mais ainda, em sua atual residência como Papa, a “Residência de Santa Marta”, da qual Ricca é diretor desde 2011.
Dessa forma, não existe nenhum preconceito contra os núncios da parte do papa Bergoglio, mas desde que, por um lado, evitem a “mundanismo espiritual” e cultivem “a familiaridade com Jesus Cristo na oração, na celebração eucarística, que não deve se abandonar nunca, no serviço da caridade” e, por outro, que desempenhem sua missão “sempre com profissionalismo”, porque “a Igreja deseja assim”, e “quando um representante pontifício não faz as coisas de forma profissional, também perde autoridade”.
Para ajudar os núncios em seu “profissionalismo”, o papa Bergoglio também tem expressado algumas diretrizes concretas, referentes ao seu trabalho de “colaboração para as nomeações episcopais”. Eis, aqui, as características dos candidatos a bispos que os núncios estão convidados a buscar, segundo o atual Papa:
- Devem ser “mansos, pacientes e misericordiosos”;
- Devem amar “a pobreza interior, como liberdade para o Senhor, e também exterior, como simplicidade e austeridade de vida”, em consequência não devem ter “uma psicologia de ‘príncipes’”;
- Não devem ser “ambiciosos” e não devem “buscar o episcopado” (“Nolentes volumus” era “o primeiro critério” de João Paulo II, recordou Bergoglio);
- Devem ser “esposos de uma Igreja, sem estar na busca constante de outra”.
Neste último caso, a referência parece ser o que disseram, em 1999, os cardeais Bernardin Gantin e Joseph Ratzinger contra as promoções em cadeia de uma diocese menor para outra mais importante.
De qualquer forma, o “primeiro critério” do papa Francisco para discernir bons candidatos bispos é o de buscar “pastores próximos das pessoas”.
Falando de forma improvisada, o Pontífice acrescentou: “[Se] é um grande teólogo, uma grande cabeça, que vá à universidade, onde fará muito bem!”, demonstrando, consequentemente, que não o agrada muito a promoção daqueles que seriam “grandes” teólogos (como fez Paulo VI com Ratzinger, em Munique, ou João Paulo II com Karl Lehmann, em Mainz, na Alemanha, Walter Kasper, em Rothenburg, e Bruno Forte, em Chieti-Vasto) para o bispado.
“Pastores próximos das pessoas” – reiterou Bergoglio –, que “sejam capazes de vigiar a grei que lhes será confiada, de cuidar de tudo o que a mantém unida, de “vigiar” sobre ela, de prestar atenção aos perigos que a ameaçam, mas, sobretudo, que sejam capazes de “velar” pela grei, de fazer vigília, de cuidar da esperança, que haja sol e luz nos corações, de sustentar com amor e com paciência os desígnios que Deus realiza em seu povo”.
O programa parece claro. Agora será necessário ver como será aplicado pelos núncios, mas não somente por eles.
E a propósito das nomeações a bispo...
Até agora foram duas nomeações episcopais mais “pessoais” do papa Francisco. A primeira é a de seu sucessor em Buenos Aires, Mario Aurelio Poli. Uma nomeação que de fato corresponde fielmente à imagem de pastor delineada por Bergoglio em seu discurso aos núncios.
A segunda nomeação é a promoção, como arcebispo titular de Tiburnia – uma diocese inexistente, desaparecida há séculos –, de Víctor Manuel Fernández, de 51 anos de idade, reitor da Universidade Católica de Buenos Aires e seu estreitíssimo colaborador na redação do documento final da Conferência dos Bispos Latino-Americanos de Aparecida, no ano de 2007.
Esta foi uma nomeação que parece mais se assemelhar à concessão de um título honorífico, neste sentido, contrária à visão eclesiológica do bispo, promovida pelo Concílio Vaticano II.
Em nome desta visão, no transcurso dos últimos pontificados foram levantadas críticas mais ou menos disfarçadas para algumas nomeações episcopais efetuadas por João Paulo II e por Bento XVI.
Por exemplo, Alberto Melloni, um historiador da Igreja, na edição do dia 12 de fevereiro passado, do “Corriere della Sera”, definiu como uma “enormidade eclesiológica” a decisão de Bento XVI em nomear seu secretário Georg Gänswein bispo, embora tenha sido promovido a um cargo curial que o episcopado prevê: o de prefeito da Casa Pontifícia.
Entretanto, de Melloni e de outros paladinos do Vaticano II, até agora, não chegaram comentários críticos sobre esta nomeação feita por Bergoglio.
Talvez também porque quem foi amplo na concessão de anéis episcopais foi justamente seu querido João XXIII, que convocou o Concílio. O Papa que o papa Francisco destacou como exemplo em seu discurso aos núncios.
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O Papa e os núncios - Instituto Humanitas Unisinos - IHU