19 Outubro 2017
O prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB), voltou a apresentar nesta quarta-feira a farinata, uma espécie de farinha composta por alimentos próximos de sua data de validade ou que não seguem os padrões de comercialização, como carro-chefe de um programa municipal. Dessa vez, o prefeito afirma que ela será incluída na merenda das crianças em escolas e creches públicas e nas refeições dos centros de acolhida de moradores em situação de rua. O objetivo, segundo explicou, é evitar o desperdício de alimentos que ainda são próprios para o consumo e complementar — e não substituir — os alimentos in natura.
A reportagem é de Felipe Betim e publicada por El País, 18-10-2017.
O prefeito já havia divulgado, no último dia 8 de outubro, uma espécie de biscoito feito de farinata que seria usado em um programa para erradicar a fome em São Paulo e distribuído para famílias de baixa renda. O produto ficou então conhecido como "ração humana", foi alvo de críticas de diversos especialistas e nutricionistas e, devido à discussão gerada, ajudou a viralizar nas redes sociais um vídeo do prefeito gravado em 2007, época em que ele apresentava o programa de TV O aprendiz. Nele, Doria afirma que "gente humilde" não possui "hábito alimentar" e "tem que dizer graças a Deus" caso possa comer.
Presente na entrevista coletiva, o cardeal dom Odilo Scherer, arcebispo de São Paulo, buscou amenizar as palavras do prefeito: "Pobre tem fome. Hábito alimentar é para quem tem disponibilidade de alimento e quem pode se dar ao luxo de ter uma alimentação regular, refeições regulares, alimentos selecionados. O pobre não tem isso (...). Quem se arrasta no chão por fome, eu vou deixar de atender a fome dele porque ele não está podendo sentar numa mesa bem posta? A necessidade é socorrer primeiramente a fome do pobre".
Doria disse não se lembrar do vídeo, mas corroborou a afirmação de Scherer e voltou a dizer: "Pobre não tem hábito alimentar, pobre tem fome". A Prefeitura não apresentou qualquer dado sobre quantas pessoas de fato se encontraram nesta situação na cidade ou quais são as metas de seu programa de erradicação da fome.
Proprietária da Plataforma Sinergia, que detém a patente da farinata, Rosana Perrotti esclareceu durante entrevista que seu produto pode ser usado não apenas no polêmico biscoito, mas também na fabricação de bolos e pães ou para reforçar sopas. A ideia é que seja utilizada na cozinha de centros de acolhida e escolas para a fabricação de alimentos. Doria garante que a distribuição na rede de ensino começará ainda em outubro.
Entretanto, a secretária municipal de Direitos Humanos, Eloisa Arruda, admitiu que ainda precisa fazer estudos sobre as demandas nutricionais dos alunos e a forma que seria distribuído. "Teremos um diagnóstico das carências nutricionais da população. Isso será feito de forma paulatina, quem vai fazer isso é o Observatório de Políticas para o Desenvolvimento Social, que está alocado na secretaria de Desenvolvimento Social. Quando o prefeito fala das creches, é possível que alimentos que hoje são fornecidos, como bolacha ou macarrão, sejam substituídos pela farinata já disponível. Ao lado dessa introdução na merenda nós desenvolveremos um estudo sobre as carências nutricionais da população em São Paulo", disse.
Perrotti garante que todos os nutrientes dos alimentos são preservados — uma afirmação que vem sendo contestada por diversos nutricionistas — e que sua vida útil pode ser prolongada por mais dois anos. Isso ocorre após a comida passar por processos como o de liofilização, ou desidratação, considerado caro e demorado pela indústria. Mas a proprietária da Sinergia, ligada à Igreja Católica, não soube explicar os custos envolvidos para a fabricação da farinata.
Limitou-se a explicar que o programa seria custeado pelas próprias empresas — supermercados, produtores, entre outros —, que hoje gastam muito mais com o descarte de alimentos e custos de logística. "O processo de descarte custa 750 bilhões de dólares para a economia global. Nós vamos reduzir esses custos ao operacionalizar a farinata", explicou. "Vamos colocar tecnologias em cima de carretas, como já fizemos, para poder processar dentro da indústria, do armazém, ou fundo de supermercado. E isso vai ser bancado pela própria empresa, que vai diminuir os custos com logística", acrescentou. Também disse: "Como vamos conseguir produzir em escala para acabar com a fome? Somente através de políticas públicas, somente através de lei. A gente não pode abrir essa tecnologia para uma, duas, três toneladas. A gente está falando aqui de muito volume de alimento".
Apesar de não estar claro os custos de todo o processo — não apenas de produção, mas também de armazenagem e distribuição, por exemplo —, tanto Doria como Perrotti asseguraram que a Prefeitura não desembolsará recursos próprios e que a farinata será repassada de graça para a administração pública. No entanto, uma lei recentemente sancionada por Doria prevê isenção de impostos para as empresas que doem seus alimentos prestes a vencer. Questionado, o prefeito frisou que se trata de uma recomendação e que sua gestão não abrirá mão do dinheiro arrecadado via impostos para apoiar as companhias que participem do programa.
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João Doria e arcebispo de São Paulo: “Pobre não tem hábito alimentar, pobre tem fome” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU