21 Março 2017
“É preciso uma consciência global mais forte, que se dê conta de que a humanidade está em perigo. É preciso agir antes que seja tarde demais. Dar comida é absolutamente necessário, mas é preciso trabalhar sobre as causas dos conflitos.” É assim que Michel Roy, secretário-geral da Caritas Internationalis, comenta o alerta da ONU: o mundo está vivendo a pior crise humanitária desde 1945. Estão em risco 20 milhões de pessoas que não têm comida suficiente por causa da fome. Os piores efeitos estão no Sudão do Sul, Somália, Iêmen e Nigéria.
A reportagem é de Patrizia Caiffa, publicada por Servizio Informazione Religiosa (SIR), 16-03-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
As Nações Unidas lançaram, nos últimos dias, um alerta sem precedentes: o mundo está vivendo a pior crise humanitária desde 1945. Estão em risco 20 milhões de pessoas, que não têm comida suficiente por causa da fome. Os piores efeitos estão no Sudão do Sul, Somália, Iêmen e Nigéria.
Para enfrentar esse “momento crítico da história”, são necessários pelo menos 4,4 bilhões de dólares até o fim de julho – esse é o apelo da ONU aos governos –, caso contrário, “as pessoas simplesmente vão morrer de fome”. Com uma nota de amargura, afirma: “O mundo não se preocupa com o bem-estar dos pobres”.
Eis a entrevista.
A partir da sua experiência, vocês confirmam o alerta da ONU?
Sim, eu não sei se é a pior crise desde 1945, mas certamente é uma situação muito problemática. As Nações Unidas falaram de fome em quatro países, mas há muitos mais em dificuldade. As razões se devem principalmente aos conflitos ou às mudanças climáticas, ambos provocados pela ação humana. É isso que me entristece mais quando se fala de fome e carestia. No Sudão do Sul, por exemplo, uma parte do governo tenta fazer com que os rebeldes não sejam apoiados pela população, e, portanto, atacam os povoados, e as pessoas fogem para onde não há nada para comer.
No Rio Nilo, haveria grandes potencialidades agrícolas, mas o governo sudanês do sul e os rebeldes não se preocupam com o povo. A Somália, no entanto, está sob o poder dos Shabab: é muito difícil levar comida para lá por causa da instabilidade e das tensões. No Iêmen, existe, há muito tempo, uma guerra desencadeada pela Arábia Saudita porque não quer um poder xiita nesse país. No nordeste da Nigéria, ainda existem as milícias dos fundamentalistas islâmicos do Boko Haram. A comunidade internacional não deveria aceitar tudo isso. Dar comida é absolutamente necessário, mas é preciso trabalhar sobre as causas dos conflitos.
Que dificuldades as Cáritas locais contam para vocês?
Para distribuir alimento, são necessárias condições de segurança que não existem. No Iêmen, não há uma igreja local; na Somália, há programas no norte e no centro, onde trabalhamos com associações locais. Na Nigéria, estamos intervindo. A Cáritas do Sudão do Sul pediu a nossa ajuda. Na próxima semana, vamos nos encontrar com os responsáveis. Vamos ver o que podemos fazer mais.
É verdade que o Sudão do Sul é hoje a mais grave emergência na África? O papa gostaria de ir para lá com o primaz da Igreja Anglicana, Justin Welby, mas ainda não se sabe a viagem será possível...
Sim. Eu conheci esse país antes e durante a independência. Havia imensas esperanças de mudança, mas é um desastre. Seria muito bom se o Papa Francisco conseguisse ir. Em Juba é possível. Eu espero que ele faça essa viagem. Normalmente, não vamos para as viagens papais, mas, desta vez, se ele a fizer, nós também pedimos para participar da organização caritativa anglicana, para mostrar a importância da resposta humanitária das Igrejas.
No século XXI, é quase incompreensível falar de pessoas que ainda morrem de fome. Por que não se consegue resolver definitivamente o problema?
Eu acho que a consciência individual e coletiva das pessoas é um pouco fraca. Estamos preocupados com coisas que não têm uma verdadeira importância, como os nossos celulares. Não nos damos conta daquilo que é verdadeiramente sério. O Papa Francisco fala da globalização da indiferença: este é um dos desafios deste momento histórico.
A ONU pede 4,4 bilhões de dólares aos governos: por que eles não respondem?
O WFP/Pam é o barômetro para entender se a comunidade internacional responde ou não ao desafio. A ONU tenta levar ajuda aos refugiados, aos deslocados, nas maiores emergências causadas pelos conflitos na Síria, Iraque e países vizinhos, mas há tantos conflitos no mundo com os quais ninguém se preocupa. A comunidade internacional, em vez de se envolver e pressionar para que cessem as razões das migrações, não se preocupa com as consequências. É necessária uma consciência mundial mais forte que se dê conta de que a humanidade está em perigo. É preciso agir antes que seja tarde demais. Passaram-se seis anos desde o início da guerra na Síria. Quem se preocupou em procurar soluções? A culpa é da vontade de poder do homem e da falta de consciência daqueles que deixam as coisas como estão.
Os alimentos e as ajudas jogadas dos aviões só servem para aliviar as emergências. O que é necessário para que essas situações não se tornem estruturais?
Quando falta uma política agrícola para produzir alimentos localmente, a questão da governança local é fundamental. No Burundi, por exemplo, há um presidente que quer permanecer no poder por tempo indeterminado. Na República Democrática do Congo, em Ruanda, no Congo Brazzaville é a mesma coisa. Na Venezuela, o povo não têm comida, deve ir buscar no Brasil. Mas quem está no poder e os militares não têm problemas nem de comida, nem de remédios. São todas causas não naturais. O fato de a população comer ou não comer não está entre as prioridades deles.
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Fome no mundo: "A humanidade está em perigo, mas não nos importamos". Entrevista com Michel Roy - Instituto Humanitas Unisinos - IHU