27 Março 2017
Uma importante conferência de quatro dias sobre teologia cristã africana acontece de 22 a 25 de março, promovida pela Universidade de Notre Dame e realizada no centro "Global Gateway" da universidade, em Roma. Um dos convidados é o cardeal nigeriano Francis Arinze, ex-chefe do departamento do Vaticano sobre a liturgia.
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada por Crux, 23 -03-2017. A tradução é de Luísa Flores Somavilla.
O cardeal nigeriano Francis Arinze agora é uma espécie de leão no inverno, um robusto senhor de 84 anos de idade. Mas ao vê-lo em ação, não se diria que ele tem esta idade, pois permanece incrivelmente vital e engajado.
Entre outras coisas, Arinze ainda é uma voz poderosa para o catolicismo africano. Quando dez bispos africanos lançaram uma coletânea de ensaios, antes do Sínodo dos Bispos sobre a família de outubro de 2015, eles pediram que Arinze contribuísse com o prefácio, sabendo que colocar o seu nome no livro daria uma injeção instantânea de credibilidade e apelo midiático.
Embora Arinze, em particular, e a Igreja africana em geral, sejam frequentemente vistos como bastante “conservadores” ou “tradicionais” em questões de moral sexual, família e matrimônio, Arinze disse à Crux na quarta-feira que as coisas não são bem assim para ele.
"Essa palavra, 'conservador', é compreendida de diferentes maneiras pelas pessoas", disse ele. "Imagine que alguém diga que quando estudou aritmética, aprendeu que 2 + 2 = 4. Isso continua igual, então eu sou 'conservador' por dizer isso?".
Arinze também sugeriu que a cultura africana reforça as crenças cristãs tradicionais.
"Na Europa e na América do Norte, a cultura é secularista. A religião é tratada como um assunto privado e as pessoas parecem se desculpar por sua religião", disse ele. "Na maioria dos países da África, a religião é um assunto feliz. Quando vou para casa, coloco minha batina no aeroporto e é normal."
Sobre a questão delicada da inculturação, ou seja, quanto espaço pode-se abrir no catolicismo para incorporar crenças e gestos tradicionais africanos, Arinze expressou ceticismo sobre a dança litúrgica, mas também reconhecimento de que a adoração africana pode ser mais expressiva.
Ele trouxe a questão com uma explicação colorida.
"Se você der uma cesta de bananas para um estadunidense trazer para o celebrante e der a mesma cesta de bananas para um africano, seus movimentos em direção ao altar serão um pouco diferentes", disse ele.
"O nigeriano irá um pouco para a esquerda, um pouco para a direita", disse ele. "É o corpo inteiro mostrando a alegria na doação".
Concluindo, Arinze não deu muita importância a uma pergunta relativa a possibilidade de que a Igreja tenha um papa africano em breve.
"Eu não acho que a origem do papa seja relevante. O mais importante é que o papa faça o que tem que ser feito", disse ele.
"Se ele não fizer o que tem que ser feito, o que vamos ganhar, mesmo que ele seja da minha própria aldeia? Para mim, isso não é importante. O que importa é que ele seja católico!"
Os comentários de Arinze vieram durante um intervalo em uma importante conferência de quatro dias sobre a teologia cristã africana promovida de 22 a 25 de março pela Universidade de Dame e sediada no centro “Global Gateway” da universidade, em Roma.
Eis a entrevista.
Quais as peculiaridades do catolicismo na África?
Cada povo abraça sua fé. Mas como cada povo tem sua própria língua, estilo, maneira de celebrar, o mesmo acontece com a sua maneira de viver. Um católico italiano é um pouco diferente de um católico irlandês ou de um católico alemão. Portanto, um católico nigeriano, um católico tanzaniano são diferentes.
Em suma, estamos dizendo que a fé, sendo uma, é encarnada em cada cultura. Cada povo vive a sua fé e é autêntico, ou seja, o melhor de sua cultura deve ganhar vida pela sua fé. Como diria o Papa João Paulo II, por vezes, a fé brota como uma árvore crescendo em seu ambiente natural.
Vamos falar sobre o seu próprio país. Pode nos dizer duas ou três características da fé que brota na Nigéria?
Uma seria o amor pela comunidade e pela celebração. Nosso povo, não importa o quão pobre, gosta de se relacionar com outras pessoas. Seja na alegria ou na tristeza. Pode ser em um casamento, pode ser em um funeral. Mas o indivíduo nunca está sozinho. Esse é um valor [que é] muito precioso para a Igreja.
Seja a profissão religiosa de uma irmã ou um irmão, a ordenação de um sacerdote, de um bispo, ou mesmo se vou de Roma à Nigéria em férias, não há razão para ficar sozinho. Nosso povo, nossa mente comunitária. Eles vêm e não necessariamente em horário agendado. Eles só perguntam: O cardeal está? Porque eles sabem que eu estou e que eu vim de muito longe.
É normal. E aos domingos eu celebro a missa. E depois da missa, eles dizem para mim: 'diga-nos, cardeal, como estão as coisas em Roma nos últimos 12 meses'. E alguns dizem que quem esteja com pressa pode ir para casa, mas a maioria das pessoas fica. E nós nos comunicamos.
Outra área é a ideia do canto e da alegria na celebração. Não necessariamente a dança. Os europeus e os estadunidenses pensam que os africanos dançam o tempo todo. Não necessariamente. Mas se você der uma cesta de bananas para um estadunidense trazer para o celebrante e der a mesma cesta de bananas para um africano, seus movimentos em direção ao altar serão um pouco diferentes. O nigeriano irá um pouco para a esquerda, um pouco para a direita. É o corpo inteiro mostrando a alegria na doação.
Em sua mente, isso não é realmente dançar...
Não mesmo. Mas eles colocaram mente, corpo e alma no ato. E quando eles dançam, é muito mais delicado. Porque há muitos tipos de danças. Temos uma dança de guerra tradicional. Há danças tradicionais normais para recreação, que acontece em um salão paroquial após a missa quando algum bispo está visitando. E também tem a dança para as mulheres que estão procurando um marido, que seria um pouco mais provocante, pois elas estão à procura e esse é o propósito da dança. Mas você pode ver que nada disso se encaixa na missa, porque o intuito da missa é adoração, agradecimento, pedir o que se precisa. Isso não vai muito bem se houver algo engraçado durante a Santa Missa...
Há também o sentido de responsabilidade que o nosso povo sente com a Igreja. Por exemplo, se algum seminarista é um pouco instável, gosta de fazer graça, uma das senhoras da Liga das Senhoras Católicas vai ficar sabendo.
Elas te contam sobre isso?
Provavelmente elas não vão contar ao bispo. Mas uma das mulheres poderia dizer ao pároco: O senhor e o bispo realmente vão ordenar esse jovem padre? Vocês realmente querem que ele seja padre? Isso é uma indicação do que pensam.
Então vocês têm uma espécie de rede de inteligência informal?
Eu não chamaria de rede de inteligência. Eu chamo isso de interesse. Nós somos a Igreja e se este jovem for ordenado, ele vai trabalhar para nós, por isso temos que dizer algo. Quando eu era arcebispo, eu gostava muito disso. No seminário, havia mulheres lá que haviam criado seus filhos muito bem, e homens, sacerdotes e, claro, irmãs religiosas. Porque eles se preocupam, eles veem a Igreja como sendo todos nós, o que é saudável.
No início desta conversa eu o descrevi como alguém distinto, que às vezes em inglês pode ser um sinônimo para alguém mais velho...
O que eu sou!
O que quero dizer é que você já está por aqui há bastante tempo. Hoje, parece que os bispos africanos tornaram-se mais explícitos e mais dispostos a ser protagonistas na Igreja global, incluindo o seu papel nos dois últimos Sínodos dos Bispos sobre a família. Você acha que isso é verdade?
É verdade, o que você tem notado. Também é compreensível, porque quando o Vaticano II foi celebrado, há 55 anos, havia muito poucos bispos africanos em quantidade. A maioria dos bispos que trabalhavam na África eram bispos missionários que levavam a fé até lá, o que eles fizeram muito bem.
Há uma grande diferença entre os países... é preciso lembrar que a África tem 54 países. Mas gradualmente, com o clero local, vieram os bispos... É um desenvolvimento normal. E também os próprios bispos e cardeais têm mais experiência do que é a Igreja e por isso eles contribuem mais. É apenas um desenvolvimento normal da divina providência.
Muitas pessoas pensam que a Igreja africana é mais 'conservadora' ou 'tradicional' do que as outras, digamos, na Europa Ocidental. Esta percepção é justa ou essas categorias não se aplicam?
Essa palavra, 'conservador', é compreendida de diferentes maneiras pelas pessoas. Imagine que alguém diga que quando estudou aritmética, aprendeu que 2 + 2 = 4. Isso continua igual, então eu sou 'conservador' por dizer isso? Mas existem pontos sobre os quais podem haver várias opiniões.
Além disso, a família tem desafios em todos os países do mundo. Não há nenhum país no mundo onde tudo seja fácil.
Em algumas partes do mundo, o que pode ser mais difícil é o divórcio, as pessoas que decidem se separar. Também existe divórcio na África, mas as pessoas geralmente não se divorciam. Se um homem se casa e quer ter filhos homens, porque eles são muito importantes na cultura africana - os filhos herdam as propriedades, enquanto as filhas devem procurar seus maridos -, se sua esposa não tiver filhos, arranja-se outra esposa. Ele não rejeita a primeira esposa, ela permanece lá, e ele fica com duas esposas, na esperança de ter um filho.
Podemos dizer: Ah, isto é poligamia! Mas o polígamo africano responderá: Você, alemão, francês, ou estadunidense, se divorciou e ficou com outra pessoa. Eu não me divorciei, mantive a primeira esposa, só tenho mais uma! Não é melhor? Apesar de não apoiarmos nenhum dos casos, vemos que é um desafio do cristianismo.
Em muitos países da África, há problemas com a poligamia, com os homens que se casam com uma segunda esposa. Eles não têm nenhuma má intenção, só querem um filho. Lembra de Henrique VIII? Então, há diferentes ênfases.
Existem as influências da cultura geral. Na Europa e na América do Norte, a cultura é secularista. A religião é tratada como um assunto privado e as pessoas parecem se desculpar por sua religião. Na maioria dos países da África, a religião é um assunto feliz. Quando vou para casa, coloco minha batina no aeroporto e é normal.
Você não tem que se desculpar por nada?
Nem pensar! Quando eu chego ao aeroporto, em vez de olhar meu passaporte as pessoas na aduana querem uma bênção. Então você vê, há todo um clima na sociedade que influencia os bispos.
Então, o que alguns veem como "conservador", você simplesmente vê como normal?
Sim. E também, a sociedade não é contra o cristianismo. De muitas formas, o cristianismo é muito mais desafiado na Europa do que na África.
Última pergunta: Nos próximos 50 anos, digamos, quais são as chances de haver um papa africano?
Eu não acho que a origem do papa seja relevante. O mais importante é que o papa faça o que tem que ser feito. Se ele não fizer o que tem que ser feito, o que vamos ganhar, mesmo que ele seja da minha própria aldeia? Para mim, isso não é importante. O que importa é que ele seja católico.
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‘Pelos padrões africanos, não sou conservador, sou normal’, afirma cardeal nigeriano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU