11 Novembro 2015
Na África, os dias são pontuados pela parábola do sol. As pessoas acordam de madrugada e vão dormir pouco depois do pôr do sol. Nas estradas de terra vermelha que sulcam a paisagem, deparamo-nos com uma humanidade a caminho, muitas vezes descalça. Basta ver, de manhã, quando as estradas estão cheias de mulheres que caminham rapidamente na beira. A África tem um rosto: o das mulheres. São elas que, sem fazer barulho, sem reivindicar direitos, reproduzem todos os dias o milagre da sobrevivência. Em um continente onde é realmente difícil de se viver.
A reportagem é de Silvina Pérez, publicada no caderno Chiesa Donne Mondo, do jornal L'Osservatore Romano, 03-11-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Para essas mulheres extraordinárias, é normal caminhar todos os dias 15 quilômetros para chegar ao poço mais próximo, é normal fazer 30 quilômetros a pé para vender uma cebola ou ser agredidas pelo marido ou fazer 80% dos trabalhos nos campos, mas não ser proprietárias da terra. Se você perguntar a uma mulher "por quê?", ela vai responder simplesmente que, para ela, essa é a normalidade.
Embora estando cercadas por homens ausentes e por sociedades com traços machistas, algo está mudando. Há mulheres que alcançaram cargos políticos cruciais, posições relevantes no mundo profissional ou um papel-chave dentro da própria sociedade. Uma emancipação inimaginável até pouco tempo atrás, à qual a Igreja também contribuiu.
Contar a África não é fácil. Tudo é duplo no relato. Tudo se espalha no seu reflexo. A terra mais rica e pobre do mundo é o berço da civilização e das contradições. Aqui, o tempo não para. No máximo, volta sobre si mesmo em um trilho duplo entre conquistas e retrocessos.
E justamente estes últimos nos foram contados por Amina, Zelam e Rhanda, três freiras africanas que descreveram a dolorosa subordinação a que são forçadas a maioria das mulheres africanas, por causa de uma cultura que quer que o homem como cabeça e mestre. Isso produz graves distorções até mesmo dentro da Igreja, gera problemas relacionados tanto ao carisma quanto às vocações religiosas e torna mais atual do que nunca a admoestação do Papa Francisco sobre o serviço das mulheres na Igreja: um serviço que nunca deve se tornar servidão.
Na África, diante 35 mil padres e 3.500 missionários, as irmãs são mais de 60 mil. Porém, "a Igreja nunca se envolveu muito na sua formação". As religiosas geralmente são formadas somente e apenas para o apostolado, ou seja, para a catequese e o ensino na escola fundamental. Isto é, para responder às exigências sociais e não para entender e aprofundar o carisma e a espiritualidade da congregação a que pertencem. A Igreja não se comprometeu muito com a formação dessas religiosas. Religiosas que se encontram sempre aplicando decisões já tomadas por outros e para outras.
A religiosa virtuosa era e é incensada como pivô entre o mundo visível e invisível, a revelação do amor e da graça, o ser mais naturalmente religioso que Deus criou. Mas, depois, tudo isso desemboca em uma condição de servidão doméstica e social da religiosa africana, ao contrário do que acontece nas congregações masculinas.
As religiosas são exaltadas pelos trabalhos feitos: cozinham bem por amor a Jesus, ensinam a catequese às crianças, decoram as igrejas paroquiais, limpam, remendam e costuram roupas, ajudam os prelados e os idosos, cuidam das crianças em dificuldades. Mas tudo isso exclui as religiosas africanas das funções principais, da gestão, da administração e da decisão.
A situação agora piorou ainda mais devido ao aumento do número de pequenas fundações de tipo diocesano, fundadas por bispos e padres africanos, com mulheres escolhidas para estarem a seu serviço. Quando os prelados terminam o seu mandato ou morrem, essas obras fracassam. Consequentemente, nascem outros problemas ainda para as irmãs envolvidas.
Às vezes, as religiosas africanas são enviadas para a Europa como missionárias nas dioceses, mas essa cooperação missionária muitas vezes acaba mal por falta de projetos claros e de preparação, e as religiosas, não raramente, acabam nas ruas, tornando-se sem-teto.
Dada a penúria de recursos – conta-nos a irmã Anne – "há muitas congregações africanas pobres que enviam as religiosas para estudar sem lhes fornecer qualquer apoio econômico", tanto que muitas vezes elas têm que pedir esmola. Um fato que, por si só, provoca um forte sentimento de vulnerabilidade.
Em alguns casos, não raros, a situação dessas religiosas despreparadas a serviço das hierarquias eclesiásticas é ainda mais humilhante. Isto foi denunciado em 2001 pelo importante jornal católico norte-americano National Catholic Reporter, que publicou o relatório que a Ir. Maria Marie McDonald, superiora geral das Missionárias de Nossa Senhora da África, em novembro de 1998, enviou a um grupo de delegados da União dos Superiores Gerais (congregações masculinas), da União Internacional das Superioras Gerais (congregações femininas) e da congregação vaticana para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica que estavam lidando com a questão.
A Ir. McDonald escreve que o problema não está circunscrito à África, embora o grupo que preparou o relatório tenha feito referência à experiência africana. "É precisamente por causa do nosso amor pela Igreja e pela África que nos sentimos tão aflitos com o problema que apresentamos a vocês."
A denúncia explicava especificamente o círculo vicioso que se desencadeia nesses casos, começando pela existência de assédio sexual e até mesmo estupros por parte de eclesiásticos contra as irmãs. Frequentemente, depois, a freira é afastada da sua congregação, enquanto o padre, muitas vezes, só é transferido para outra paróquia ou enviado para estudar.
São muitas as freiras que conhecem essa realidade – enfatizam as religiosas – embora não falem a respeito por medo. Até que engravidam, e, então, a congregação as manda embora do convento, porque "é uma vergonha". É uma situação "normal na África", onde institutos ou congregações de outros países acorrem para buscar vocações, mas não buscam "pessoas interessadas na vida religiosa a se formar", mas apenas uma espécie de mão de obra "para resolver os seus problemas: precisam de pessoal que trabalhe nas escolas ou nas creches que administram".
Nos países onde a Aids é muito generalizada – denunciam as irmãs – as irmãs são consideradas mais "seguras" para evitar o contágio nas relações sexuais. Não são casos isolados, esclarecem: é quase impossível quantificar o número de freiras que sofrem abusos dos seus "benfeitores" e, depois, são abandonadas pela sua congregação.
Isso é um escândalo para toda a Igreja, porque essas religiosas, antes de entrar nessas congregações diocesanas, eram meninas normais, inteligentes, muitas vezes as melhores da sociedade a que pertenciam.
Quase desde o início, a Igreja promoveu a realização feminina. Seria difícil encontrar outra instituição do planeta que – como um fato da Igreja Católica – tenha permitido simplesmente que as mulheres pensem com a própria cabeça, sejam aquilo que nasceram para ser e realizem grandes coisas.
Em vez disso, um estranho contraste parece caracterizar hoje o status das mulheres no catolicismo africano. Se, por hipótese, desaparecesse a sua contribuição na catequese, na animação litúrgica e nas atividades de caridade, é fácil imaginar que as comunidades paroquiais entrariam em colapso.
Virginia Woolf dizia que "uma história não existe enquanto não for contada", e o silêncio sobre a crise de identidade das religiosas africanas talvez durou muito tempo. É preciso ajudá-las: esse é o apelo lançado pelas religiosas africanas.
Escutemo-las ainda: "Elas estão espalhadas pelo mundo, mas quem jamais se interessou por elas? Onde elas estão? O que fazem? A Igreja deve enfrentar os sofrimentos das religiosas africanas em particular, mas, mais em geral, a situação das mulheres dentro dela, justamente porque as mulheres, e as religiosas em particular, são o rosto da Igreja que, com mais frequência e com mais facilidade, vai ao encontro dos pobres".
Palavras duras e cheias de dor.
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A crise existencial e espiritual das religiosas africanas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU