O romance sobre Jesus, Cristo e Vito. O último livro de Vito Mancuso. Artigo de Andrea Grillo

Foto: Vatican Media

Mais Lidos

  • Eles se esqueceram de Jesus: o clericalismo como veneno moral

    LER MAIS
  • O economista Branko Milanovic é um dos críticos mais incisivos da desigualdade global. Ele conversou com Jacobin sobre como o declínio da globalização neoliberal está exacerbando suas tendências mais destrutivas

    “Quando o neoliberalismo entra em colapso, destrói mais ainda”. Entrevista com Branko Milanovic

    LER MAIS
  • Estereótipos como conservador ou progressista “ocultam a heterogeneidade das trajetórias, marcadas por classe, raça, gênero, religião e território” das juventudes, afirma a psicóloga

    Jovens ativistas das direitas radicais apostam no antagonismo e se compreendem como contracultura. Entrevista especial com Beatriz Besen

    LER MAIS

Revista ihu on-line

O veneno automático e infinito do ódio e suas atualizações no século XXI

Edição: 557

Leia mais

Um caleidoscópio chamado Rio Grande do Sul

Edição: 556

Leia mais

Entre códigos e consciência: desafios da IA

Edição: 555

Leia mais

03 Dezembro 2025

"Tenho Jesus e Cristo diante de mim, e devo decidir por um ou outro. Esse é o enredo de um romance. É o romance de Vito, que tem três personagens: JesusCristo e Vito. Mas, no final, fala apenas de Vito e de sua concepção de salvação. Não por má vontade, mas por defeito de método", escreve escreve Andrea Grillo, teólogo italiano, em artigo publicado por Come Se Non, 01-12-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.

Eis o artigo.

Plutarco escreveu Vidas Paralelas. Hoje encontramos um livro de Vito Mancuso (Gesù e Cristo, Garzanti, Milão, 2025), de 727 páginas, mais 60 de anexos (notas, bibliografia e índices), no qual o autor, de forma elegante e com extensa documentação, oferece uma representação das vidas paralelas de Jesus e Cristo, como se isso fosse o ponto do qual partir. Aqui fica evidente que a perspectiva de Vito não parte de uma tese, mas daquilo que ele quer apresentar como uma evidência: que exista de um lado Jesus e do outro, Cristo.

Essa narrativa, reconstruída com uma abordagem à primeira vista muito rigorosa e estruturada, não hesita em adotar a perspectiva que sugere como tese. Faz isso de tal forma que o primeiro capítulo (intitulado "A tese") começa com: "Jesus nasceu em Nazaré, Cristo em Belém". A princípio, equivocadamente, pensei que essas frases fossem o "gatilho publicitário" do livro, e não sua tese. Mas eu estava enganado. Mesmo em seus momentos mais intensos, o livro parte sempre dessa hipótese: desde o início, portanto, apresenta-se como uma história de "vidas paralelas". Há dois sujeitos (Jesus e Cristo), um diferente do outro, que um terceiro sujeito (Vito) tenta identificar em suas diferenças, buscando, em seguida, conectá-los de alguma forma, antes do final do livro. Cabe ressaltar que a intenção não é destrutiva, mas construtiva: não se contenta com a separação, mas busca-se a conexão. A questão, porém, é se essa tentativa pode ser considerada bem-sucedida.

O esquema de trabalho

A estrutura da obra é bastante complexa. São 9 capítulos, divididos em 215 parágrafos. Apenas três capítulos possuem subdivisões internas, isto é, aquelas dedicadas ao “jesuísmo, à “morte na cruz” e ao “cristianismo”.

Vale a pena ler os títulos dos 9 capítulos em sequência:

I. A tese

II. Clareza sobre a minha posição

III. O problema Jesus-Cristo

IV. Jesuísmo

V. A morte na cruz

VI. Cristianismo

VII. Ressurreição

VIII. Nascimento na terra e geração no céu

IX. Neocristianismo

Dessa estrutura, gostaria de examinar como se apresenta a elaboração do capítulo III. É o único concebido na forma clássica de uma série de 20 teses. As duas primeiras páginas apresentam as breves teses em sequência, enquanto as 80 páginas seguintes abordam cada tese individualmente, tentando justificar seu conteúdo. Todas as 20 teses são baseadas no paralelismo entre Jesus e Cristo, não apenas distinguindo, mas frequentemente opondo o primeiro ao segundo. Se a construção do segundo personagem, Cristo, se baseasse numa interpretação arbitrária, atribuída à tradição e, desde o princípio, a Pedro e Paulo, como seria possível não cair no desespero de uma oposição entre Jesus e Cristo e entre Cristo e Jesus?

Nota-se, em diversas teses, desvios do equilíbrio, que o autor tenta manter ao longo das 800 páginas. Vito, diante dos dois personagens em busca de definição (Jesus e Cristo), tenta ser imparcial, dando a cada um seu espaço. Mas nem sempre consegue, porque não é fácil. É perfeitamente legítimo acreditar que se deseja servir à fé, como Vito afirma explicitamente na página 43. Mas se Vito, para cultivar a fé, cria uma ruptura drástica entre Jesus e Cristo, transformando-os em dois personagens que, em 20 teses, são radicalmente separados um do outro e muitas vezes contrapostos, então é inevitável que aquela "fé pessoal" que Vito quer fundar e justificar contra qualquer "fé eclesiástica" se depara com dois paredões de montanha, íngremes e verticais, que permanecem a ser escalados, mas sem pontos de apoio, sem pregos de ancoragem e sem cordas. O único recurso: a fé pessoal de Vito, diferente de qualquer "fé eclesiástica". Uma espécie de "redução" da fé à "simples razão".

Equilíbrio e acelerações

Vito tenta controlar seu estilo com distanciamento e serenidade. Muitas vezes, ele consegue, com verdadeira dedicação. Mas, em algumas passagens, emerge uma espécie de julgamento brusco, uma forma de aceleração pouco meditada, que desponta com força e quase toma o autor pela mão. As 20 teses que podem ser lidas nas páginas 67-69 são um concentrado desses preconceitos com traços muito duros. Se uma reconstrução "histórica" de Jesus é oferecida, uma reconstrução "doutrinária" de Cristo é apresentada de forma bastante caricatural: justamente no final da 20ª tese, um parêntese é revelador: após ter relembrado a proposição paulina sobre o anúncio da morte "enquanto aguardamos a tua vinda", acrescenta-se um parêntese bastante venenoso: "(mesmo que, na verdade, hoje em dia, quase ninguém mais aguarde a sua vinda)" (69). Seria esse um "dado histórico"? Mas quem o afirma? Quem pode dizer que ninguém continua "na espera", mesmo hoje, e que o tema do advento é simplesmente uma relíquia do passado? Não é precisamente a espera uma das características que unem, ainda hoje, todas as formas de fé cristã, para além das diferenças entre Ocidente e Oriente, entre Norte e Sul? Não é "Senhor, vem" a palavra que une toda fé cristã?

"Gesù e Cristo", de Vito Mancuso (2025).

Lacunas filosóficas e uma teologia ultrapassada

Uma fé pessoal, que não apenas decide sobre os conteúdos, mas que pode até mesmo examinar o que pensam aqueles que professam a "fé doutrinal", parece-me ser um sinal de uma grave incompreensão do fenômeno fé, que ameaça toda a empreitada de Vito. Eu a expressaria com as palavras com que M. Blondel, já há 130 anos, julgava o "historicismo" e o "extrinsecismo" da exegese e da teologia de sua época. Trata-se, muitas vezes, de "lacunas filosóficas" (isto é, maneiras equivocadas de considerar não apenas o dogma, mas sobretudo a história) que não podem mais ser repetidas como se fossem evidências: a reconstrução que Vito propõe, traçando um paralelo entre Jesus e Cristo, baseia-se, em sua essência, numa contraposição entre mundo e "fora do mundo", entre real e ideal, que ele extrai de L. Wittgenstein e de seu Tractatus. Essa tese, forçada por Mancuso, pode levá-lo a confundir a história real com os esquemas históricos com os quais descrevemos os fenômenos. Assim, utilizando, por um lado, uma história presa aos fatos e, por outro, um dogma que prescinde da história, chega-se inevitavelmente às "vidas paralelas" de Jesus e Cristo. Diante das quais, Vito, como um "terceiro", estando fora e julgando quase à revelia, deve escolher entre as opções e, embora o faça segundo seu conhecimento e consciência, fica ancorado em sua dupla representação do "Jesus-fato" e do "Cristo-ideia".

Essa oposição de princípio é o que a tradição contesta e o que a boa teologia dos últimos 200 anos tem buscado abordar com uma força nova e surpreendente. Jamais encontramos um Jesus sem as formas de Cristo, e jamais encontramos um Cristo sem a experiência de Jesus: pelo menos é o que dizem, a partir de Schleiermacher, Labertonnière, Harnack, Rahner, Von Balthasar, Pannenberg, Juengel (para citar apenas alguns nomes), tentando pensar em diálogo com o pensamento contemporâneo: existe um liberalismo crente e uma doutrina católica sadia, assim como existe também uma teologia pós-liberal e uma teologia pós-tridentina. Não há uma palavra sequer sobre tudo isso. O único interlocutor parece ser sempre o catecismo. Como é possível que Vito esteja 200 anos atrasado na maneira de abordar a questão e, como teólogo, a elabore de forma tão simplificada e forçada?

Outro Wittgenstein e a tradição cristã

Talvez, mesmo que Vito quisesse seguir Wittgenstein a todo custo, mantendo-se fora da tradição teológica, se não tivesse fixado o olhar apenas em uma proposição do Tractatus, mas tivesse se aprofundado na obra do próprio Wittgenstein, teria percebido que a revisão do conceito de "representação", típica da primeira fase de seu pensamento, permite ao segundo Wittgenstein descobrir os "jogos linguísticos" e as "formas de vida", reconhecendo que o significado depende do uso: não fora do mundo, mas mediado por ele (na prática e na teoria). Essa descoberta, se integrada no grande trabalho de Vito, teria permitido ao autor ir além daquele paralelismo entre "fatos" e "dogmas", entre História e Ideal (um paralelo muito positivista e excessivamente abstrato) sobre o qual é construído não apenas o livro, mas a intenção de todo o projeto. O resultado é que Jesus e Cristo continuam inevitavelmente (eu diria metodologicamente) dois opostos, que podem ser reconciliados não pelos fatos ou pelos ideais, mas pela "fé pessoal" de Vito. Aqui, a meu ver, reside a lacuna filosófica, mais que teológica, que impede de encontrar, no fim do longo percurso textual, algo diferente do que já está escrito na primeira linha do livro. Se uma profissão de fé (Jesus é Cristo) é reduzida à associação de dois fenômenos, um estranho ao outro (Jesus e Cristo), a hermenêutica da tradição resulta tão dilacerada por essa opção inicial que, no fim, sobra apenas um augúrio, um desejo, um sentimento, um vislumbre da orientação subjetiva do autor.

Ter fé no Senhor Jesus não é uma forma de inautenticidade da tradição, de confusão de níveis, de ruptura entre mundo e "fora do mundo", de imposição arbitrária das coisas, mas uma maneira original de ser homens e mulheres. É a projeção de uma autoridade sobre a liberdade que a torna autêntica: Kant continua sendo uma pedra angular, mas a incondicionalidade é conferida às condições da tradição. Um encontro "puro" com Jesus e com Cristo é um "sonho visionário", assumindo a perspectiva (abstrata) de que uma verdadeira relação entre fatos e dogma só possa existir através da opção absoluta e incondicional de uma consciência originalmente autônoma, puramente interior, puramente individual. Tenho Jesus e Cristo diante de mim, e devo decidir por um ou outro. Esse é o enredo de um romance. É o romance de Vito, que tem três personagens: Jesus, Cristo e Vito. Mas, no final, fala apenas de Vito e de sua concepção de salvação. Não por má vontade, mas por defeito de método.

Leia mais