23 Janeiro 2023
"Nestas parábolas cabe perceber o zelo de Deus pela vida das pessoas excluídas e desprezadas. É importante notar que o posicionamento de Deus é diferente do comportamento humano, Ele possui uma pedagogia que inclui a pessoa. Em outras palavras, o Senhor alegra-se e compartilha com seus anjos todo momento que um só pecador alcança a graça", escreve Leônidas Inácio Felix.
Leônidas Inácio Felix é licendiado em Filosofia pela Faculdade São Bento da Bahia (2016), com chancela de diploma pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), obtendo a nota "Summa cum Laude", em seu trabalho monográfico, intitulado: "A linguagem e a arte musical na filosofia de Santo Agostinho". Em 2018 iniciou sua segunda graduação em Teologia na Pontifícia Universidade Católica do Chile, onde permaneceu por 02 anos. Ao retornar ao Brasil, segue seus estudos teológicos pelo Centro Universitário Católica de Quixadá, CE, 2021. É Especialista em Gestão Escolar e Coordenação Pedagógica; Especialista em Metodologia do Ensino da Língua Inglesa pela Faculdade Intervale, em Mantena, MG, 2022; Também é Graduado em Licenciatura Plena em Pedagogia pela mesma Faculdade. Ademais, é Pós-Graduando (Latu Senso) em Teologia Pastoral pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, em Belo Horizonte, 2022.
O termo grego “Παραβολή” é empregado para traduzir o hebraico: “mashâl” (transliterado). Trata-se de uma narrativa cuidadosamente elaborada para despertar o pensamento e a reflexão. Já o termo no aramaico “matla”, é concernente ao enigma proposto, conforme Joachim Jeremias. A partir daí o termo “Παραβάλλω” consiste em lançar, arremessar, projetar adiante, ultrapassar. No século V a. C. o termo era empregado para referir-se aos heróis que “arriscavam a vida” nas batalhas do Peloponeso. Além de ser uma narrativa para ilustrar uma mensagem, a parábola carrega elementos específicos, ou seja, ressalta o atrevimento em expressar ideias novas além do que foi estabelecido.
Dessa maneira, as parábolas remontam uma tradição muito fiel aos ensinamentos de Jesus, cultivando uma sintonia entre a fala e a prática. As imagens se mantém fixas na memória mais do que as explicações abstratas. Jesus menciona elementos que falam simplesmente da vida do povo palestinense. Por exemplo, acender uma lâmpada Mt 5,14; as plantas que crescem Mt 13,31; pastores trabalhando Mt 15,4; a mulher que faz o pão Lc 13,20; odres que se rompem Mc 2,22; falar do Reino como festa de casamento Mt 22,2, etc. Tudo isto para mostrar uma maneira simples de transmitir a sua mensagem através de artifícios pedagógicos utilizados pelo próprio Mestre, observando a vida daquela gente. De forma simples, podemos afirmar que a parábola é uma história de verdade.
Observemos que uma característica principal das parábolas é o exagero, por exemplo, onde já se viu que uma mulher que tem dez moedas, perde uma, vai atrás e quando a encontra gasta as outras nove – faz uma festa para celebrar o acontecimento (Lc 15,9); um contraste pagar o mesmo valor para quem trabalhou o dia todo e para quem trabalhou uma hora (Mt 20,1-10) e assim por diante. De outro modo, a parábola sempre deseja chamar atenção, trata-se de um ensinamento aberto, onde “a última palavra é dada por que escuta" (Lc 10,26). Refere-se ao recurso pedagógico que funciona como pergunta, por isso, frequentemente Jesus dizia: “Quem tem ouvidos para ouvir, ouça!” (Mt 11,15).
Ao considerar estes critérios, é importante notar que em relação a Jesus de Nazaré o núcleo da pregação das parábolas é Reino de Deus, todavia, a partir do cotidiano, da linguagem do povo. Além disso, consideremos que na compreensão do Antigo Testamento já havia parábolas, por exemplo, “As aves do céu se abrigam” em Ez 17,22-24, como também Dn 4,8-9.18, onde afirma que “o Reino brilha para todos os povos – os ramos dão abrigo a todas as aves”. Neste sentido, vemos que Jesus busca o que povo já tem no seu coração para falar e aprender das parábolas.
No texto de Lucas 15,4-7, aparece a Parábola da Ovelha Perdida. Aqui Deus é comparado a um criador de cem ovelhas, que ao perder uma, deixa as noventa e nove e vai em busca daquela que ficou perdida, procura até encontrá-la; logo retoma em seus braços e convoca os amigos para festejar com ele porque encontrou aquela ovelha. Já em Lc 15,8-10, vemos o cuidado da mulher e seu empenho para encontrar uma moeda perdida. Parece que Jesus também deseja incluir a importância da mulher na vida da sociedade. Embora, é notório, que na época de Jesus a presença da mulher, como também das crianças, não tinha nenhuma influência nas decisões do cotidiano. Sempre predominou a figura patriarcal, o homem. Também ela aparece preocupada em reunir todas as suas amigas e vizinhas, ao encontrar a moeda que havia perdido, agora, uma vez encontrada o que também para ela era precioso, decide também festejar com júbilo. Fica evidente que esta imagem de Deus é praticamente deixada de lado, caímos no marchismo e consequentemente deixamos de mencionar a magnitude do papel da mulher, apenas, ao longo da história, a mulher foi vista como simplesmente a genitora que serve para parir filhos. É preciso reconhecer que homens e mulheres possui direitos iguais, embora cabe, por natureza, papéis distintos no plano para gerar nova vida.
Em Lucas 15,11-32, temos a Parábola do Pai Misericordioso, a qual trata-se dos aspectos culminantes do Evangelho de Lucas. Ali Jesus mostra o autêntico rosto de Deus, o centro de sua mística, onde é possível independente do que somos merecemos participar do verdadeiro Amor. No cenário aparece, de um lado, os coletores de impostos e pecadores que buscam ir ao encontro de Jesus para escutá-lo, do outro, está presente os fariseus e escribas murmurando sem limites. Neste dilema, Jesus resolve lançar a parábola, seguramente para fazê-los entender sua atitude de acolhida perante os excluídos. A estrutura das três parábolas se assemelham. As duas primeiras que mencionamos a perda da ovelha e da moeda, resultam na busca, no encontro e nos festejos com os amigos preferidos. Em sintonia a isso, a terceira parábola exemplificada, frisa também a perda, a volta e o reencontro que se dá em grande festa.
Na parábola da ovelha perdida Deus é atribuído a um criador de cem ovelhas. Lá pelas tantas, esse criador perde uma, decide imediatamente deixar as noventa e nove e corre para encontrar aquela que se extraviou; seu esforço só termina após encontrá-la. Assim sendo, recolhe em seu regaço e convida alegremente todos os amigos para celebrar com ele, uma vez que encontrou tal ovelha. Em seguida, vemos que Deus é comparado a uma figura materna que ao perder uma moeda, busca com todos os cuidados até encontrá-la, posteriormente reúne todas as amigas para festejar porque a alegria é imensa por ter encontrado aquela moeda. E por fim, observemos a presença de um Pai misericordioso que se compadece até as entranhas, acolhe com bondade e laços de amor (cf Os 11). Um verdadeiro Pai capaz de oferecer uma festa inigualável por ocasião da volta do Filho mais novo, ademais, chega a tal ponto de presentear-lhe com a melhor roupa, sandálias e anéis brilhantes.
Nestas parábolas cabe perceber o zelo de Deus pela vida das pessoas excluídas e desprezadas. É importante notar que o posicionamento de Deus é diferente do comportamento humano, Ele possui uma pedagogia que inclui a pessoa. Em outras palavras, o Senhor alegra-se e compartilha com seus anjos todo momento que um só pecador alcança a graça. De outro modo as três parábolas acentua-se a alegria do céu e dos anjos, comparada a alegria do pastor e da mulher que reencontra a ovelha e a moeda perdida, se une ainda mais na parábola do filho perdido e o filho fiel, onde o Pai comparte na alegria ao realizar a maior festa, o que causa raiva no irmão mais velho.
Buscando aprofundar a última parábola, averiguamos que a ênfase não consiste no fato do filho mais novo ter abandonado a sua casa paterna com o intuito de esbanjar seus bens herdados, pelo contrário, aqui vale ressaltar a atitude do Pai que reencontra e acolhe, outra vez, seu filho. Observemos que Pai readmite como partícipe da herança: veste com a mais bela roupa, acolhe como uma pessoa digna, que merece um anel e sandálias brilhantes. Nos comes e bebes, não resume em qualquer cardápio, mas, sobretudo, precisamos de um novilho cevado, ou seja, todos os esforços era para celebrar a volta do filho mais novo. Naturalmente que esta posição do Pai inquieta o filho mais velho, que se recusa entrar na festa, todavia, o Pai busca fazer entender que esta alegria também lhe pertence, porque afinal todos compõem a mesma família, merecedores da mesma herança.
O rosto de Deus expresso nestas parábolas revela o Deus misericordioso que “não mata nem castiga”. Além disso, a proposta do Reino inaugurado por Jesus de Nazaré nos esclarece que este Reino pertence a todos, no qual “a alegria do Evangelho é para todo o povo, não se pode excluir ninguém” (EG 23). Parece que vem contrariar a nossa posição em acreditar que Deus anota tudo no “caderno azul” e cobra minuciosamente cada falta cometida pelo ser humano. Em contrapartida, o Deus de Jesus Cristo, demonstrado nestas passagens bíblicas, age mediante um olhar para restaurar a vida da pessoa, no qual todos são convidados a participar da mesa da misericórdia. Aqui cabe uma indagação para nós mesmos: Será que estamos dispostos em acolher aquele irmão que chega de modo despreparado, a tal ponto de não ter medo de nos igualar a pessoas indígenas, pessoas que vivem na rua, gays, lésbicas e transexuais, inclusive buscando alternativas a fim de que também eles façam a experiência do retorno à dignidade plena? Tudo isso nos impulsiona a novos questionamentos e abre um novo horizonte para olharmos qualquer comportamento dos irmãos, mediante o olhar de Cristo Misericordioso, que veio para trazer vida plena a qualquer pessoa humana, afinal, todos somos filhos de Deus e merecemos participar como co-herdeiros dos céus, a verdadeira alegria, onde a festa não se acaba mais.
BÍBLIA – Bíblia de Jerusalém. 1ª Edição. São Paulo: Paulus, 2002.
FRANCISCO, Papa. Exortação Apostólica Evangelii Gaudium. A alegria do Evangelho. São Paulo: Paulinas, 2013.
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WENZEL, José Inácio; SCHINELO, José Edmilson. Evangelhos Sinóticos e Atos dos Apóstolos. Campo Grande: Universidade Católica Dom Bosco, 2001
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O rosto misericordioso de Deus nas parábolas de Lucas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU