02 Fevereiro 2015
"É necessário conhecer mais sobre a humanidade de Jesus e se interrogar sobre ela, pô-la em confronto com a nossa humanidade. Estas páginas são uma expressão da minha busca, em que tento ir ao encontro da necessidade de autenticidade, que pertence também a mim, indicando um possível trajeto rumo a Jesus."
Publicamos aqui um trecho do novo e-book de Christian Albini, intitulado L'umanità di Gesù. Tra storia e fede [A humanidade de Jesus. Entre história e fé], disponível aqui.
Albini é um teólogo leigo italiano, coordenador do Centro de Espiritualidade da diocese de Crema, na Itália, e sócio-fundador da Associação Viandanti.
O artigo foi publicado no seu blog Sperare per Tutti, 21-01-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
A figura de Jesus exerce um grande fascínio que ultrapassa as fronteiras da fé cristã e das Igrejas.
Gandhi disse dele: "Jesus chegou o mais perto possível da perfeição", em sintonia com Fiódor Dostoiévski, para o ele qual uma pessoa infinita e ilimitadamente bela.
Segundo o Dalai Lama, a imagem de Jesus na cruz (o fato de tomar sobre si o sofrimento de todos os homens) é um exemplo perfeito daquilo que os budistas poderiam definir como "o ideal do bodhisattva", isto é, de um iluminado que faz o voto de ajudar todos os seres a alcançarem a libertação, antes de entrar no nirvana.
Alguns anos atrás, pude fazer uma pergunta sobre Jesus ao mestre zen vietnamita Thich Hanh Nhath, que me disse as mesmas coisas e o definiu como completamente aberto, livre de dogmas, dotado de grande sabedoria e grande compaixão.
Mesmo junto a muitos ateus, o homem de Nazaré goza de grande consideração. Por exemplo, o filósofo marxista Ernst Bloch captou nele o representante eminente de uma humanidade que se inclina contra a dominação e a injustiça: "No rebelde Jesus, herege por excelência, [...] não foi pregado na cruz um fanático inofensivo, mas o advento de um homem que inverte o valor do mundo presente, o grande exemplar de outro mundo sem opressões e sem deus dos senhores".
O slogan "Jesus sim, Igreja não" pertence ao clima cultural contestador dos anos 1970, mas também expressa com eficácia o "crer sem pertencer", que é um fenômeno característico da religião contemporânea. Há atração pelo homem Jesus, mas repulsão por tantos aspectos da instituição eclesial. Essa desconfiança em relação à Igreja também se reflete sobre as suas doutrinas sobre o Nazareno.
Pode-se realmente crer que um carpinteiro da Galileia era o Filho de Deus? Ou: o que a tradição cristã ensina há dois mil anos sobre ele é só uma invenção funcional ao poder e à relevância da instituição religiosa?
Ao longo dos séculos da cristandade, a identidade de Jesus foi uma certeza indubitável, enquanto, hoje, tornou-se um mistério. É como se tivesse voltado à atualidade a pergunta que ele fez aos discípulos: "Mas vós, quem dizeis que eu sou?". (Mt 16, 15; Mc 8, 29; Lc 9, 20).
Não por acaso, nestes anos, tiveram um notável sucesso romances e ensaios que indagaram a figura de Jesus, hipotetizando uma verdade histórica bastante diferente das narrativas tradicionais; além disso, há quem duvide da coerência entre a pregação de Jesus e a posterior mensagem cristã.
A esse respeito, fala-se de uma deturpação operada – dependendo dos pontos de vista – por Paulo de Tarso, pela hierarquia eclesial, pelo encontro com o pensamento grego ou até por uma verdadeira traição de Jesus, que teria afastado dele as Igrejas que levam o seu nome.
Mesmo a partir de uma perspectiva intracatólica, uma biblista de fama como Marie-Emile Boismard, ao sintetizar as conclusões da sua pesquisa de muitas décadas, defendeu que um dos erros em que exegetas e teólogos incorrem ao interpretar os textos da Bíblia é o de supor a priori que os seus autores compartilhassem tal e qual a fé atual, engrandecendo o seu sentido. Os dogmas cristãos não nasceram da noite para o dia, mas foram se formando progressivamente.
A "distância" que existe entre a pessoa de Jesus, os textos do Novo Testamento (cuja escrita abrange a segunda metade do século I) e os dogmas cristológicos da Igreja (definidos pelos concílios dos primeiros sete séculos) é o espaço em que o mistério e a suspeita cresceram. É um processo que se desenvolveu ao longo do arco da modernidade, com a afirmação do primado da razão no conhecimento da verdade, que, pouco a pouco, relegou para segundo plano a confiança em uma revelação e submeteu à crítica a sua autenticidade.
A fé cristã é posta diante de um desafio radical. O Papa Bento XVI também se deu conta disso, quando quis dedicar o tempo livre que lhe foi deixado pelo seu ministério para a escrita de um livro sobre Jesus que reafirmasse as certezas de sempre.
Há algum tempo, aconteceu-me de dialogar com Vito Mancuso, em uma apresentação do seu livro sobre Deus, em um teatro cheio de pessoas atentas e interessadas. É o sujeito, dizia ele, que deve identificar um princípio universal que justifique a fé em Deus, porque a autoridade da Igreja e da Bíblia não são suficientes, não resistem a uma séria crítica.
Certamente, argumentava eu, a fé passa pela consciência e pela escolha pessoal; porém, para não ser uma projeção da nossa mente, precisa de um fundamento externo, de uma revelação da fisionomia de Deus que, pessoalmente, eu só consigo perceber em Jesus.
Não pretendo, aqui, discutir as teses de Mancuso, mas considero que o grande sucesso das suas obras responde a exigência difusa, uma necessidade de autenticidade e de "boas razões" que não se contenta com fórmulas prontas e não aceita às cegas os ensinamentos da autoridade religiosa.
A minha fé também é difícil, combatida. Sou filho do meu tempo. Jesus é o verdadeiro motivo do meu caminho de fé, do meu ser cristão. Busco o seu rosto, que às vezes me parece muito próximo e, em outras, opaco e indecifrável. Todos os dias, perscruto as Escrituras que, há séculos, movem os corações de gerações de homens e mulheres, explorando os caminhos da oração, tentando, com os meus limites, ser seu discípulo. Ele lhes disse: "Vinde e vede" (Jo 1, 39). Não posso deixar de me fazer perguntas, assim como não posso ignorar as dúvidas de tantas pessoas.
Convenci-me de que a chave é a humanidade de Jesus: a sua história, a sua personalidade, o seu "estilo" de vida e de entrar em relação com os outros. Para usar a linguagem dos Evangelhos, refiro-me a Jesus filho do homem. Quem era esse "judeu marginal", e ele realmente revelou Deus?
É um tema importante também para a Igreja italiana, que, em 2015, celebrará em Florença o seu 5º Congresso Eclesial Nacional, "Em Jesus Cristo, um novo humanismo".
Há um caminho de crescimento na humanidade, rumo a uma autêntica realização pessoal e intensidade de vida (cfr. Papa Francisco, Evangelii gaudium, n. 10), que nos é indicado pelo homem de Nazaré. O autenticamente humano se revela no ser-homem de Jesus, lê-se no material para o Congresso: como diz o Concílio Vaticano II, quem segue Cristo também se torna mais homem (cfr. Gaudium et spes, n. 41); Jesus revelador do homem, além de Deus.
Torna-se, então, necessário conhecer mais sobre a humanidade de Jesus e se interrogar sobre ela, pô-la em confronto com a nossa humanidade.
Estas páginas são uma expressão da minha busca, em que tento ir ao encontro da necessidade de autenticidade, que pertence também a mim, indicando um possível trajeto rumo a Jesus.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Jesus, fascínio e mistério de um homem. Artigo de Christian Albini - Instituto Humanitas Unisinos - IHU