03 Fevereiro 2025
"O colapso ambiental evidenciado pelas atuais catástrofes socioambientais mostra que a racionalidade econômica que caracteriza o mundo contemporâneo está levando a humanidade ao precipício, deixando a sociedade sem tempo de resposta", escreve Sandoval Alves Rocha.
Sandoval Alves Rocha, doutor em Ciências Sociais pela PUC-Rio, mestre em Ciências Sociais pela Unisinos, bacharel em Teologia e bacharel em Filosofia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE), membro da Companhia de Jesus (jesuíta), trabalha no Serviço Amazônico de Ação, Reflexão e Educação Socioambiental (Sares), em Manaus.
Nos dias 26 e 27 de janeiro, diversas organizações entregaram água potável e alimentos em duas comunidades ribeirinhas do entorno de Manaus: Jatuarana e São Francisco do Mainã. A iniciativa faz parte da Campanha “Água é Vida, Doe Vida”, anunciada em coletiva de imprensa, no Centro de Formação da Arquidiocese de Manaus (26/11/2024). Na ação, foram distribuídos 8.100 litros de água potável e 170 cestas básicas provenientes de doações de vários lugares do Amazonas.
A iniciativa busca enfrentar a grave crise hídrica que tem impactado comunidades ribeirinhas, indígenas e a população das periferias de Manaus. A campanha foi criada por meio da união do Movimento dos atingidos por Barragens (MAB) e da Caritas Arquidiocesana de Manaus, somando esforços de várias instituições como o Fórum das Águas do Amazonas. Além destas instituições, a campanha contou com o apoio dos coletivos Levante Popular da Juventude, Sindicato dos Servidores da Justiça do Trabalho, Observatório Socioambiental Encontro das Águas, Coletivo de Mulheres da Educação, Alternativo de Petrópolis, Favelafro, Cria Visu e os Jesuítas do Brasil.
As mudanças climáticas intensificaram a vulnerabilidade de milhares de famílias na Amazônia, agravando a escassez de recursos essenciais, entre os quais o fornecimento de água potável. A devastação do meio ambiente causada pelo modelo econômico capitalista tem dificultado aos pobres o acesso desses serviços fundamentais. Os desastres ambientais gerados pela exploração irracional do meio ambiente têm colocado em risco as condições de manutenção da vida humana no planeta. A busca desequilibrada do lucro não deixa espaço para a realização de uma reflexão aprofundada nem a criação de organizações sociais ambientalmente sustentáveis.
O abastecimento de água e o esgotamento sanitário são direitos fundamentais reconhecidos pela Organização das Nações Unidas em julho de 2010, mas na Amazônia e em outras regiões do Brasil ainda constituem serviços inacessíveis para significativa parcela da população, sendo os setores mais prejudicados as populações das periferias urbanas, indígenas, ribeirinhos e os quilombolas. A cultura da desigualdade inerente à sociedade contemporânea impede a realização de ações efetivas de transformação social que venham a beneficiar ao conjunto coletividade.
A submissão desses serviços à lógica do mercado tem sido criticada por diversas comunidades, movimentos sociais, ambientalistas e acadêmicos, uma vez que as tarifas elevadas impostas pelas empresas de saneamento dificultam o acesso das populações mais vulneráveis. O Fórum das Águas do Amazonas tem registrado essas dificuldades na cidade de Manaus, onde os serviços de água e esgoto estão privatizados desde o ano 2000. Ações do coletivo nas periferias confirmam essa situação, mostrando através de relatos dos moradores a fragilidade dos direitos humanos ao serem subordinados aos interesses econômicos.
A despeito da riqueza produzida em Manaus, a população sofre com a falta de serviços básicos, pois a economia não prioriza as necessidades das comunidades, mas o retorno econômico. Esta lógica também é replicada na gestão privada dos serviços de saneamento básico. A concessionária Águas de Manaus amplia a cada ano o seu rendimento econômico, mas oferece serviços precários aos manauaras. Esta política impõe uma baixa qualidade de vida à população que sofre a falta de água e a ausência de esgotamento sanitário. A empresa, com o consentimento dos poderes públicos (Prefeitura, Câmara Municipal) prejudica a saúde pública e contribui com a crise ambiental, deteriorando os rios e igarapés da cidade.
O colapso ambiental evidenciado pelas atuais catástrofes socioambientais mostra que a racionalidade econômica que caracteriza o mundo contemporâneo está levando a humanidade ao precipício, deixando a sociedade sem tempo de resposta. Projetos antiambientais de exploração como agronegócio, mineração, grandes rodovias, hidrelétricas, pecuária extensiva, produzem consequências negativas que prejudicam o ecossistema e dificultam a continuidade dos ciclos vitais.
A campanha “Água é Vida, Doa Vida” inspira atitudes e posturas cada vez mais difíceis de serem encontradas, pois ela é impulsionada por valores como solidariedade, colaboração, diálogo, justiça socioambiental, ecologia integral, bem comum e direitos humanos. As organizações envolvidas nesta iniciativa sinalizam que apesar das dificuldades impostas pela cultura do consumo e do descarte é possível criar sociedades sustentáveis, iniciando processos de transformação que beneficiam a todos e todas