11 Janeiro 2025
"Se a Igreja é uma rede vital de pessoas que creem em relação entre si, é claro que o sofrimento de um membro, ao inibir a sua ação, só pode fazer sofrer todo o corpo e limitá-lo. Por que, então, a Igreja não se dá conta do sofrimento das mulheres? Existe uma espécie de patologia eclesial segundo a qual, ao contrário do que ensinam Paulo (cada membro é essencial) e o Evangelho (a vontade do Pai é que nem mesmo um só desses pequeninos se perca), pensa-se que há membros com mais valor, que basta nutrir e favorecer a vida desses membros para que todo o corpo viva."
Publicamos aqui a conferência “Desmasculinizar a Igreja. Perspectivas para uma eclesiologia inclusiva”, proferida pela teóloga leiga italiana Simona Segoloni Ruta. Casada e mãe de quatro filhos, é professora de Teologia Sistemática, Teologia Trinitária, Eclesiologia e Mariologia no Instituto Teológico de Assis. Faz parte da Coordenação das Teólogas Italianas e da Associação Teológica Italiana, sendo membro de seu conselho diretivo.
A conferência, realizada em novembro de 2024, fez parte do Ciclo de Estudos “O (não) lugar das mulheres: o desafio de desmasculinizar a Igreja”, promovido pelo Instituto Humanitas Unisinos - IHU.
A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Agradeço sinceramente pela oportunidade de participar de um ciclo de conferências tão interessante e rico. Foi-me atribuída a questão eclesiológica, que é particularmente espinhosa, pois, se tivéssemos de aplicar à Igreja Católica os critérios do gender gap [disparidade de gênero], estaríamos absolutamente em último lugar entre as sociedades do mundo, com o agravante de que encontraríamos muitas pessoas, incluindo lideranças eclesiais, até mesmo pessoas muito instruídas, prontas a nos explicar por que essa condição de marginalização e de subordinação das mulheres é boa para todos, especialmente para as mulheres, e que não tem nada a ver com discriminação, patriarcado ou sexismo.
Encontraríamos muitas pessoas dispostas a nos dizer que é simplesmente a vontade de Deus e que não tem nada a ver com as privações ou as injustiças que as mulheres sofrem nas sociedades civis. O problema seria simplesmente negado. Não surpreende, portanto, mesmo que seja triste, que o parágrafo 60 do documento final do Sínodo, que fala das dificuldades das mulheres na Igreja, tenha sido o que teve o maior número de votos contrários. O problema é negado e depois manipulado a ponto de afirmar que, na Igreja, a diferença entre os sexos é valorizada. Melhor nunca perguntar em que consiste essa diferença. Poderíamos ouvir todo tipo de resposta. Quase nenhuma válida.
A questão é espinhosa, portanto, porque não é abordada de bom grado na Igreja. Na verdade, faz-se de tudo para negar o problema. Mesmo assim, tentarei abordá-la deste modo: primeiro, darei algumas indicações sobre o que uma Igreja inclusiva pode significar; depois, analisarei a situação atual; em seguida, tentarei indicar algumas prioridades para mudar a situação. Por fim, questionarei por que é importante fazer essas mudanças.
A palavra incluir pode nos dar a ideia (porque esse é seu primeiro significado) de alguém que está fora e deve ser colocado dentro de outra coisa. Nesse caso, incluir as mulheres (porque é disso que estamos falando) significaria conseguir colocar as mulheres dentro da Igreja, como se estivessem excluídas dela ou como se fosse preciso que alguém as fizesse entrar. Todas nós sabemos que não é assim: as mulheres são Igreja e não precisam da permissão de ninguém para serem. Crer no Evangelho e receber o batismo é suficiente para ser Igreja. Portanto, não estamos falando de inclusão para colocar as mulheres dentro de algo que seria apenas dos homens: absolutamente não. Falamos de inclusão, em vez disso, em outros termos, isto é, especificamente para indicar a característica de um ambiente que não descarta, não marginaliza e – de forma positiva e absolutamente decisiva – favorece a vida de todos aqueles que pertencem a esse ambiente.
Digo isso com as palavras do Papa Francisco na Fratelli tutti, número 110: “Uma sociedade humana e fraterna é capaz de preocupar-se por garantir, de modo eficiente e estável, que todos sejam acompanhados no percurso da sua vida, não apenas para assegurar as suas necessidades básicas, mas para que possam dar o melhor de si mesmos, ainda que o seu rendimento não seja o melhor, mesmo que sejam lentos, embora a sua eficiência não seja relevante”. Um lugar inclusivo é aquele em que todas as pessoas podem dar o melhor de si, e isso não ocorre se a diversidade de cada uma não for reconhecida e se o direito de viver não for reconhecido a cada uma.
De fato, pode acontecer que alguns pensem que têm mais direito de viver do que outros, por exemplo porque têm competências ou tarefas específicas e, portanto, vivem relações e – se tiverem o poder – estruturam ambientes em que apenas alguns podem fazer florescer a própria vida. Pensemos no racismo: constrói-se um ambiente em que pertencer a uma etnia prejudica as pessoas, mas isso é justificado pelo fato de que são os dados factuais que mostram uma etnia como superior, razão pela qual é útil para todos que os membros dessa etnia gerenciem o poder e os recursos. O sexismo funciona da mesma forma: os homens têm a maior parte dos poderes e a gestão da maior parte dos recursos, mas isso seria um fato natural e, em última análise, útil também para as mulheres, que não estariam aptas para fazer o que os homens fazem.
Na Igreja, isso é justificado com categorias teológicas, por exemplo o princípio mariano e o princípio petrino, segundo os quais o feminino mariano (que, além disso, pertenceria a todos) diz respeito ao amor, à santidade, aos sentimentos, mas não à responsabilidade da instituição nem à autoridade da palavra pública; enquanto o masculino encarnado por Pedro (notemos que este pertence apenas aos homens, ao contrário do princípio feminino mariano) coincidiria com a responsabilidade pública, a liderança, a palavra de autoridade. Haveria, portanto, no masculino e no feminino – embora não fique claro com base em quais dados isso seja afirmado – uma diferença tal que justificaria plenamente a atual hierarquia social entre os sexos (acho tudo isso suspeitamente conveniente, não sei vocês), como se viesse de Deus.
Pelo contrário, um ambiente inclusivo é construído de modo que todos possam dar o melhor de si, e nenhum ambiente deveria ser mais inclusivo do que a Igreja, porque o entrelaçamento das relações eclesiais é constitutivamente pensado para transmitir vida e salvação: ninguém pode ser perdido, e nenhuma vida pode ser sufocada ou mortificada.
A pergunta, então, é: a Igreja é neste momento um ambiente inclusivo em relação ao gênero? Isto é, homens e mulheres têm as mesmas oportunidades de dar o melhor de si e de fazer florescer a própria existência? Obviamente não. Tentemos indicar alguns dos problemas, ressaltando primeiro que temos a ordem simbólica do sujeito coletivo Igreja. De fato, todos os sujeitos coletivos se expressam em símbolos para poderem compartilhar a experiência dos indivíduos e, assim, determinar a existência de um sujeito coletivo. A ordem simbólica eclesial em suas três expressões principais, que são as doutrinas (o que se crê), os ritos e as práticas, é fortemente afetada pela hierarquia entre os sexos, que continuamente reaparece.
Vou me concentrar no processo de simbolização. A experiência de fé, profundamente interior, é exteriorizada em símbolos para ser compartilhada e comunicada. Esses símbolos são palavras que expressam aquilo em que se crê (as doutrinas, justamente), ritos e práticas da vida pessoal e eclesial. Para cada uma desses âmbitos, podemos dar exemplos de como a ordem simbólica é sexista e determina uma hierarquia entre homens e mulheres.
Do ponto de vista doutrinal, lembremos apenas aquilo que já foi escrito muitas vezes: a nossa fé expressa Deus no masculino, dando a entender que ser homem determina uma maior semelhança a Deus (não é esse também o motivo da reserva masculina do ministério ordenado?), tanto que, ao olhar para Jesus, é sua masculinidade que se torna interessante para se assemelhar a ele (novamente: não é esse o motivo da reserva masculina do ministério ordenado?) e representá-lo, não sua etnia, sua pertença religiosa, nem mesmo (paradoxalmente) seu modo de viver: a única condição segura para representá-lo parece ser a masculinidade. Por que toda essa atenção na masculinidade? Precisamente devido à ordem simbólica entre os sexos, que marca as culturas: o masculino tem algo que o coloca em uma posição mais alta, sob todos os pontos de vista. Também usamos imagens femininas para falar de Deus, mas sempre como se fossem metafóricas (e obviamente o são), enquanto as masculinas são como se fossem reais (e obviamente não o são: a linguagem sobre Deus é sempre metafórica).
Portanto, dizer que Deus é mãe expressaria uma analogia com algumas propriedades que reconhecemos como maternas e femininas, enquanto dizer que Deus é pai simplesmente diria o que Deus é. A consequência (desejada ou não) desse raciocínio é que os homens (os pais/padres, neste caso) têm algo em comum com Deus, que justamente teria características masculinas. Na Mulieris dignitatem, o Papa João Paulo II tentou conjugar essas propriedades masculinas rastreáveis em Deus indicando o “amar por primeiro”, mas, se é certamente verdade que Deus é aquele que ama por primeiro, não é de todo verdade que isso valha para os homens e é ainda menos verdade que seja próprio do feminino (e, portanto, das mulheres) responder ao amor, ser responsorial.
No nível dos ritos, há um constrangimento da escolha: a presidência sempre masculina das assembleias; em muitas partes do mundo, a exclusão das mulheres até mesmo do serviço ao altar (apesar das últimas aberturas do Papa Francisco que, no entanto, seguem-se a nada menos do que 50 anos de inexplicável discriminação); a escolha das leituras a serem proclamadas na liturgia. De fato, deveríamos reconhecer que certas passagens das cartas paulinas e pseudopaulinas, indicadas como mensageiras da mentalidade antiga até mesmo pela Mulieris dignitatem, não deveriam mais ser proclamadas: falar em relação às mulheres de submissão, de silêncio, de não poder mandar sobre os homens etc. é, hoje, profundamente regressivo em relação ao Evangelho. Mas não nos preocupamos em escolher as leituras nesse sentido nem em fornecer os instrumentos para uma pregação adequada que explique do que estamos falando.
No que diz respeito às práticas que estruturam a Igreja de forma iníqua e sexista, basta lembrar que todo cargo de responsabilidade que uma mulher pode ocupar depende sempre da vontade e do beneplácito masculinos. Até mesmo a prática, muitas vezes elogiada, de nomear mulheres para os mais altos cargos vaticanos (mesmo que os números sejam tão baixos a ponto de serem mais o sinal de uma mudança do que uma mudança real), depende apenas do beneplácito do papa, e a situação poderá mudar sem afetar uma única norma ou um único procedimento se outro papa (ou este mesmo) quiser agir de outra forma, enquanto a norma de nomear homens permanecerá totalmente inalterada. Nunca é uma mulher quem designa um cargo de responsabilidade ou, se o faz, deve fazê-lo de acordo com o homem a quem deve responder, porque, se ocupa um cargo de responsabilidade, sempre o faz por gentil concessão masculina, e é uma concessão que pode ser retirada de modo totalmente arbitrário.
Esses exemplos revelam a ordem simbólica eclesial ou, se quisermos usar outra perspectiva, o gender system [sistema de gênero] eclesial. De fato, os estudos de gênero nos dizem que as sociedades se organizam segundo um sistema de gênero que, fundamentando-se nos significados atribuídos à diferença sexual, define papéis sexuais e estrutura as relações entre os sexos, determinando as reais possibilidades de cada um e as modalidades de exercício do poder. Por exemplo, é particularmente interessante ver como, na formação das nações e nos nacionalismos, o elemento feminino simbolizou a pátria ou o povo (muitas vezes com a metáfora materna, porque gera filhos a ela devotos), enquanto o elemento masculino acabou por simbolizar o governo ou a força militar, que deve guiar ou defender a pátria.
Isso, que parece ser uma projeção da realidade antropológica sexuada sobre realidades não sexuadas, como o sujeito coletivo pátria e as instituições governamentais ou militares, é, na realidade, uma mediação simbólica que atravessa transversalmente todas as realidades: não é da natureza das coisas que as mulheres sejam guiadas e protegidas, assim como não o é o fato de que os homens guiem e protejam. Essa atribuição de significados é totalmente arbitrária, fruto de um processo histórico e cultural que pode (e deve, diriam muitos, inclusive eu) ser modificado. Com efeito, a realidade é descrita por meio de um sistema binário ativo/passivo, forte/fraco, guia/obediente, cujo primeiro elemento é identificado com o masculino, e o segundo, com o feminino. Quer sejam seres humanos, quer sejam instituições ou sujeitos coletivos, quando pensamos neles como passivos, subordinados, obedientes, silenciosos, incapazes de obterem sozinhos aquilo de que precisam para viver, necessitados de orientação (e poderíamos continuar), sempre pensamos neles como algo feminino.
Inevitavelmente, a aplicação dos símbolos femininos à Igreja também é afetada por tais representações. De fato, a Igreja é descrita às vezes em termos femininos, seguindo aquilo que o Primeiro Testamento já fazia ao falar do povo de Deus, mas isso não leva de forma alguma a atribuir maiores responsabilidades às mulheres ou a reconhecer sua visibilidade. Antes, o contrário é verdadeiro: a hierarquia entre a Igreja (pensada no feminino) e Deus (pensado no masculino) é utilizada para distribuir os papéis dentro da comunidade: aos homens cabe a tarefa de guiar e de proteger (como Deus), às mulheres, a de obedecer, participar, cuidar do que os homens lhes indicam. Isso explica por que, apesar de tanta retórica e também de tanto reconhecimento sincero do ser “mulher” da Igreja, esta não envolve as mulheres fiéis, exceto esporadicamente, em espaços de responsabilidade, de decisão, de palavra de autoridade ou de representatividade: as mulheres permanecem sempre os sujeitos passivos e necessitados de orientação [1].
A questão é a atribuição a toda a realidade antropológica, incluindo a eclesial, de supostas características deduzidas da diferença sexual. Acabamos, desse modo, por redistribuir as relações, as práticas e o poder entre homens e mulheres segundo um esquema que é atribuído a Deus, mas que, na realidade, depende dos significados que queremos dar ao ser homem e ao ser mulher, e que depois expandimos para qualquer aspecto da realidade, recolocando-o no mesmo sistema, assim como, para cada nome, podemos dizer – usando os esquemas formais da gramática – se é masculino ou feminino, mesmo quando isso tem pouco a ver com a diferença sexual [2].
Um último elemento a considerar é o problema da exclusão das mulheres do sacramento da ordem. De fato, neste ponto, isso acaba se revelando apenas como um aspecto, e nem sequer o mais grave. Por outro lado, em um contexto ainda fortemente clerical, a exclusão das mulheres também do diaconato determina – mesmo que poderia muito bem não ser assim –, de fato, a sua exclusão de todo papel de representação, liderança ou palavra de autoridade, se não provisoriamente e sempre por uma gentil concessão do ministro ordenado de plantão. Tudo isso reforça a ordem simbólica, o sistema de gênero de que falamos acima, porque, cada vez que celebramos, que decidimos, que nos encontramos como Igreja ou ouvimos uma palavra de autoridade, as mulheres nunca estão em posição elevada, mas sempre e somente em posição inferior. Além disso, para justificar esse fato, oferecem-se motivações teológicas inquietantes, que reforçam o próprio sistema, como aquelas (já mencionadas) que atribuem propriedades masculinas a Deus e, portanto, tornam os homens seres humanos mais semelhantes a Deus do que as mulheres podem ser, independentemente do que creiam ou vivam.
Pelo que foi dito, parece-me que a urgência é elaborar uma nova ordem simbólica entre os sexos, uma ordem simbólica que se inspire no Evangelho e nas primeiras experiências da Igreja: as mulheres, assim como os homens, creem; as mulheres, assim como os homens, fazem parte do grupo daquelas pessoas que seguem Jesus; as mulheres (não os homens) se encontram presentes no momento da crucificação, do sepultamento e na manhã seguinte, quando é anunciada a ressurreição. As mulheres fazem parte da Igreja desde o início, recebem o batismo, participam da eucaristia, têm carismas reconhecidos, falam na assembleia com autoridade (caso contrário, por que, na primeira carta aos Coríntios, encontraríamos toda aquela discussão para decidir se, para falar, elas devem usar o véu na cabeça ou não?), têm responsabilidades eclesiais e de liderança (basta repassar as saudações da primeira carta aos Romanos).
A ordem simbólica que atribui ao feminino passividade, silêncio e âmbitos privados não encontra vestígios no estilo de Jesus. Não se encontra uma palavra ou um gesto que possa levar a pensar que Cristo atribua qualquer peculiaridade ao ser masculino nem se detém jamais naqueles que têm sido os mantras eclesiais em relação ao feminino: não exalta o papel materno (a se julgar pelo que ele responde à mulher que declara bem-aventurada aquela que o deu à luz, ele faz exatamente o contrário), não exalta o papel de esposa, muito menos a submissão (basta pensar que, entre as discípulas que o seguiam, havia mulheres casadas), nunca uma palavra sobre a virgindade. Alguns poderiam dizer que ele escolhe doze homens como núcleo especial de discípulos, mas, se considerarmos o valor simbólico dessa escolha, que devia indicar que o Messias estava reunindo as tribos de Israel, entendemos que a masculinidade dos doze serve apenas para lembrar os doze patriarcas. Em vez disso, se compararmos a ordem simbólica patriarcal, em vigor no tempo de Jesus e não questionada por ninguém, com o comportamento de Cristo, devemos observar uma ruptura, uma provocação, o início de outro estilo, e certamente não uma confirmação.
Precisamos, portanto, de outra ordem simbólica e devemos obtê-la diretamente do evento do Evangelho e do estilo de Cristo.
Nessa operação, além disso, é de fundamental importância reler a tradição eclesial, percebendo que as mulheres não só fizeram parte dela, mas também a determinaram. Eu dizia que, no nosso caso, incluir não significa colocar dentro da vida da Igreja, porque as mulheres já fazem parte dela; em vez disso, eventualmente, significa reconhecer sua presença, seu valor, sua contribuição e determinar um ambiente eclesial em que elas possam dar o melhor de si mesmas, florescer. Não precisamos da concessão paternalista de um lugar ao sol, mas apenas que percebamos que, sem a contribuição vital das mulheres, a Igreja não seria o que ela é ou, melhor, sequer existiria. Na primeira conclusão do Evangelho de Marcos, capítulo 16, versículos 1-8, as mulheres amedrontadas não dizem nada a ninguém sobre a ressurreição de Cristo. O evangelista nos provoca: o que teria acontecido se as mulheres não tivessem falado? Sabemos, pelos outros Evangelhos, que elas o fizeram, mas o que teria acontecido se não o tivessem feito? A vida da Igreja não teria começado, a traditio, a cadeia do anúncio do Evangelho não teria começado, porque o primeiro elo, o fundamental, já está nas mãos das mulheres. O que teria acontecido se elas tivessem se calado?
Na Dei Verbum 8, lemos alguns elementos fundamentais para compreender o papel essencial desempenhado pelas mulheres em todos os aspectos da vida da Igreja, apesar da negação, da marginalização e do silenciamento (portanto, em condições totalmente desfavoráveis). Com efeito, o texto conciliar nos diz que “a Igreja, na sua doutrina, vida e culto, perpetua e transmite a todas as gerações tudo aquilo que ela é e tudo quanto acredita”. Ou seja, lemos que a Igreja (todo o povo, portanto, mulheres e homens) transmite tudo o que é e acredita. A Igreja não transmite conteúdos que seriam guardados e garantidos por poucos (obviamente homens), mas transmite a própria vida e a própria fé, que é de todo o povo, no qual não se pode julgar a importância a ser dada a algum dos membros, porque – por exemplo – muitas vezes foi o povo mais humilde e ignorado que manteve a fé, quando aqueles que tinham a responsabilidade de liderança causavam escândalo ou estavam ocupados com outras coisas. Se se trata daquilo que um povo vive, então depende da vida de todos e de todas.
Além disso, DV 8 continua nos falando do crescimento da tradição: “Esta tradição apostólica progride na Igreja sob a assistência do Espírito Santo. Com efeito, progride a percepção tanto das coisas como das palavras transmitidas, quer pela contemplação e estudo dos crentes, que as meditam no seu coração (cfr. Lc 2,19. 51), quer pela íntima inteligência que experimentam das coisas espirituais, quer pela pregação daqueles que, com a sucessão do episcopado, receberam o carisma da verdade. Isto é, a Igreja, no decurso dos séculos, tende continuamente para a plenitude da verdade divina, até que nela se realizem as palavras de Deus”.
A passagem é interessante não só pela visão dinâmica em crescimento da tradição de origem apostólica (e lembremos a esse respeito que os apóstolos no Novo Testamento não coincidem com os doze, mas com o grupo das testemunhas autorizadas que estiveram com Jesus desde o início e que podem anunciar sua morte e sua ressurreição: entre eles, não podemos deixar de contar as mulheres). A passagem é interessante também pelas modalidades de crescimento da tradição, sendo as duas primeiras uma prerrogativa de todo fiel, homem e mulher, pois contemplar, estudar, meditar e compreender a experiência que se faz das coisas espirituais é algo que diz respeito a todos. Com efeito, a referência bíblica que encontramos no texto é a Maria, que medita sobre o que acontece.
Ou seja, trata-se de um exemplo feminino e de uma mulher exemplar justamente pela sua fé (essa é a dimensão que será central para falar de Maria no oitavo capítulo da Lumen gentium): encontramos, aqui, um estilo sapiencial de inteligência das coisas espirituais, isto é, um exemplo de como viver concretamente a proximidade de Deus, de como encarná-la na própria vida e, ao mesmo tempo, meditá-la e compreendê-la para transmiti-la. Em tudo isso (na vida concreta vivida, contemplada, compreendida e transmitida), as mulheres não são “segundas” em relação a ninguém; pelo contrário, se a tradição cristã deve dar um exemplo, pode fornecer precisamente o de uma mulher (que certamente não é a única, mas nos é indicada como um exemplo excelente para todos os fiéis, homens e mulheres).
Na tradição eclesial, portanto, tudo o que a Igreja é e vive simplesmente não existiria sem as mulheres. Não se trata de fazê-las entrar em algo que os homens fizeram, mas sim de perceber que esse algo foi feito e é feito também por elas, de começar a tomar consciência de que sufocar a voz delas ou os seus carismas empobrece a própria tradição, impede seu crescimento e sua vitalidade. É hora de reconhecer que as mulheres não apenas fazem a sua parte, mas também a fazem sem que se queira reconhecê-la ou, melhor, pondo obstáculos àquilo que elas devem fazer para que a própria tradição viva. É um pouco como se os doze (que ficaram em onze, na verdade) tivessem tapado a boca das mulheres que traziam o anúncio da ressurreição, se as tivessem repreendido e segregado porque haviam ousado falar ou se as tivessem ridicularizado como se fossem insensatas, como se estivessem foras de si.
Porém, dar-se conta do papel paritário das mulheres, de sua contribuição essencial para a tradição e, portanto, para a vida da Igreja, assim como a revolução simbólica provocada pelo Evangelho no que diz respeito à relação entre os sexos implica outra mudança, que é aquela em relação à qual, ao que me parece, estão em curso as maiores resistências: refiro-me à necessidade de repensar o masculino. Todo o sistema patriarcal, sexista e também o da ordem simbólica ainda vigente na Igreja se baseia, de fato, na ideia de que o masculino é simplesmente o humano, que não é apenas uma expressão parcial do humano, porque existe também o humano feminino, mas é simplesmente o humano, o normal, o não específico e, portanto, aberto a todas as possibilidades do humano.
São as mulheres que devem ser compreendidas em sua especificidade e cujas características e tarefas precisam ser identificadas; os homens são simplesmente humanos, podem fazer tudo, são tudo. Além desse engano de um falso universal masculino, que desequilibra as relações ao fazer os homens pensarem que as mulheres são específicas e setoriais, e, portanto, só deveriam estar em alguns lugares e desempenhar apenas algumas tarefas, enquanto os homens podem fazer aquilo que mais bem lhes corresponde, há uma concepção do masculino (fortemente ligada à ideia de que esse é o humano em seu pleno e mais elevado potencial) como força, orientação, autoridade.
Os homens se identificam com o poder, e normalmente com o poder a ser exercido sobre aquilo que é classificado como feminino, isto é, como mais fraco, a ser submetido pelo seu próprio bem, a ser usado em vista de um bem maior: pode-se explorar e submeter a Terra para produzir riqueza (a ponto de destruí-la e devastá-la), pode-se usar as mulheres por prazer ou para a procriação (até à violência ou à morte, quando as mulheres não se adaptam), pode-se explorar os mais pobres ou aqueles sobre os quais se consegue exercer o poder para produzir riqueza (na convicção paternalista de que, no fim, essa riqueza também será um bem para quem é explorado). A lógica do domínio está fortemente implicada na simbólica masculina e (mesmo que nos ambientes eclesiais a mascaremos com o nome de serviço) determina um desequilíbrio nas relações, uma hierarquia de dignidade e um desconhecimento das mulheres. Por fim, essa lógica é extremamente prejudicial também para os homens, porque definir a masculinidade como poder sobre alguém empobrece as relações e obriga os homens a sempre demonstrarem esse poder em todos os âmbitos e em todos os momentos, perdendo a própria possibilidade de viverem todos os aspectos da própria humanidade.
Ser homem não significa ter poder sobre alguém: essa é uma boa notícia sobretudo para os homens e deveria ser gritada aos quatro ventos.
Chegamos ao último passo. Por que deveríamos nos empenhar na mudança de uma ordem simbólica? Dissemos que isso é indispensável para termos uma Igreja em que todas as vidas sejam igualmente favorecidas, como o povo de que fala a Fratelli tutti no número 110. Mas por que deveríamos ter uma Igreja assim? Por que deveríamos querer uma Igreja em que as mulheres tenham a possibilidade de viver o melhor de si mesmas? E por que isso deveria interessar aos homens? Será que estes já têm um ambiente onde podem dar o melhor de si mesmos ou o fato de o sistema social da Igreja impedir o florescimento das mulheres também reverbera nas possibilidades de vida dos homens, limitando-as e mortificando-as?
Vou começar a partir desta última pergunta. Se a Igreja (lembremos a imagem do corpo nas cartas paulinas) é uma rede vital de pessoas que creem em relação entre si, uma relação espiritual e vital que as une assim como os membros de um mesmo corpo se unem, se isso é a Igreja, é claro que o sofrimento de um membro, ao inibir a sua ação, só pode fazer sofrer todo o corpo e limitá-lo. Por que, então, a Igreja não se dá conta do sofrimento das mulheres? Existe uma espécie de patologia eclesial segundo a qual, ao contrário do que ensinam Paulo (cada membro é essencial) e o Evangelho (a vontade do Pai é que nem mesmo um só desses pequeninos se perca), pensa-se que há membros com mais valor, que basta nutrir e favorecer a vida desses membros para que todo o corpo viva.
Não nos damos conta de que vivemos, mas não caminhamos, ou não conseguimos falar, ou trabalhamos com uma só mão, porque decidimos, a priori, que essas partes do corpo são secundárias, não significativas. Não conseguimos ver quais vantagens haveria para todos no bem-estar de todos os membros, no fato de lhes dar a possibilidade de viver como são, frutificando os talentos que Deus deu a cada um e a cada uma. Não conseguimos ver isso porque quem tem mais oportunidade teme perdê-las e mascara esse medo atrás da vontade de Deus, como se fosse Deus quem quisesse que haja alguns que vivam mais e melhor do que outros, como se fosse Deus quem quisesse apenas que alguns dos membros possam viver os dons que ele dá a todos e a todas.
Na realidade, é preciso uma conversão. Uma conversão nos significados (na ordem simbólica, portanto) e nas práticas. Essa conversão brota do Evangelho, mas não ocorrerá se não forem removidos os obstáculos e as pré-compreensões que impedem de ver o que Deus já faz. Essa conversão, de fato, passa pela tomada de consciência daquilo que já existe e que desde sempre pertence à tradição eclesial, mas não conseguimos ver pela defesa das nossas ideias preconcebidas.
Como conclusão, recordo um trecho dos Atos que pode iluminar este percurso, isto é, o episódio do encontro entre Cornélio e Pedro.
Naquele caso, a questão era admitir que os pagãos também pudessem ouvir o anúncio do Evangelho, crer e entrar na Igreja. Para conseguir fazer isso, era necessária a concomitância de duas visões (a primeira visão é de Pedro, que vê descer do céu uma toalha de alimentos proibidos, enquanto uma voz o convida a comer, e ele se recusa nada menos do que três vezes; a segunda visão é de Cornélio, que é instruído a mandar chamar Pedro). Parece que estamos justamente diante de algo epocal e de difícil compreensão. Quando chegam os mensageiros de Cornélio, Pedro está mergulhado na busca do significado da visão recebida e os acompanha. Chegando à casa dos pagãos, encontra pessoas desejosas de ouvir o Evangelho e, naquele momento, dá-se conta de que Deus não faz preferência de pessoas, mas, enquanto ainda está falando do Evangelho, o Espírito Santo desce sobre aqueles que o escutam. Pedro deve se render (é precisamente essa a dinâmica) ao fato de que todos podem receber o Espírito e crer no Evangelho: fatos são fatos. A mesma dinâmica (ou seja, render-se às evidências) será aquela que se reproduz na assembleia de Jerusalém, quando Pedro e Barnabé discutem diante de todos sobre a entrada dos pagãos na Igreja. Deus não faz preferência de pessoas, mas acolhe qualquer pessoa que pratique a justiça, independentemente do povo a que pertença e qualquer que seja seu sexo (acrescentamos). A questão é se conseguimos nos render às evidências: ao estilo de Jesus, àquela que foi a tradição eclesial, aos dons do Espírito derramados sobre as mulheres, à mortificação das relações que ocorre quando se mantêm discriminações, marginalizações e hierarquias.
Essa conversão, essa rendição diante das evidências, pede liberdade, mas pede a liberdade que faltou ao jovem rico, aquela liberdade que lhe teria sido necessária para vender todos os seus bens e seguir a Cristo. Provocativamente, gostaria de recordar outro ditado sobre o seguimento, em que o Senhor adverte que não podemos segui-lo se amamos algo mais do que ele e, portanto, antes de iniciar o empreendimento, é preciso pensar bem, como quem deve construir uma torre e não começa a menos que tenha certeza de encontrar os meios para concluí-la. Temos liberdade e amor suficientes para construir uma Igreja inclusiva, eliminando os obstáculos que nos impedem de reconhecer os dons e a importância das mulheres e, portanto, de construir um entrelaçamento de relações em que elas também possam dar o melhor de si, alimentando o corpo inteiro? A pergunta é apenas essa. Qual Igreja queremos ser. E, sobre essa escolha, estará em jogo a nossa credibilidade e a do Evangelho que anunciamos.
1. Infelizmente, Mulieris dignitatem também cai nessa armadilha, da qual citamos uma das passagens significativas a respeito da assunção do esquema ativo/passivo identificado com a diferença masculino/feminino: “O chamamento da mulher à existência junto ao homem (‘um auxiliar que lhe seja semelhante’: cf. Gn 2,18) na ‘unidade dos dois’ oferece, no mundo visível das criaturas, condições particulares a fim de que ‘o amor de Deus seja derramado nos corações’ dos seres criados à sua imagem. Se o autor da Carta aos Efésios chama Cristo Esposo e a Igreja Esposa, ele confirma indiretamente, com tal analogia, a verdade sobre a mulher como esposa. O Esposo é aquele que ama. A Esposa é amada: é aquela que recebe o amor para, por sua vez, amar” (Mulieris dignitatem, n. 29). O homem, portanto, é pensado como aquele que ama, e a mulher, como aquela que é amada, contra toda experiência factual que nos diz que todos e todas começamos a nossa existência sendo amados, e todos e todas amamos e somos amados.
2. Por exemplo, por que garfo é masculino e colher é feminino? E por que lua é feminino e sol é masculino? Enquadramos todos os nomes na estrutura formal do gênero (masculino e feminino, e neutro para as línguas que o preveem), mas sem nenhum vínculo com a diferença sexual.
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Desmasculinizar a Igreja: por uma eclesiologia inclusiva. Artigo de Simona Segoloni - Instituto Humanitas Unisinos - IHU