12 Fevereiro 2023
Criada em Veneza numa família “naturalmente ecumênica”, como ela própria define, Maria Cristina Bartolomei experimentou desde criança a riqueza de ter uma dupla raiz: uma séria tradição católica por parte da mãe e uma igualmente séria posição leiga - “mas não irreligiosa”, especifica de parte do pai.
A reportagem é de Federica Tourn, publicada por Jesus, fevereiro-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Ao clima da casa soma-se o ambiente heterogêneo que a cidade oferecia já nas décadas de 1950 e 1960: “Os nossos vizinhos, com quem tínhamos relações muito próximas, eram valdenses e a minha colega de classe na escola onde estudei perto do Gueto, era judia”, lembra ela. Segue-se a atitude para "um reconhecimento natural do outro na sua singularidade", que a acompanhará ao longo de toda a vida.
Professora de Filosofia, apaixonou-se pela relação entre filosofia e teologia, com particular atenção ao "lugar das mulheres" na Igreja. Muitas vezes um lugar vago, que deve ser ocupado para preencher a dissonância que ainda existe no mundo católico entre homens e mulheres: uma discriminação que a sua “educação esclarecida" não lhe permitiu colocar em foco até a época dos estudos universitários.
“Última de quatro irmãos, todos tratados da mesma forma, não fui imediatamente sensível à diferença de gênero”, confirma Bartolomei, “mas eram os anos de 1968 e logo percebi que no mundo dominava por um único olho, ciclópico, que interpretava toda a realidade: nós, as mulheres, éramos vigiadas, sujeitas desprovidas de autoridade, por um único olho de homem”.
Se a sociedade oferece apenas o olhar masculino, certamente as coisas não são melhores na Igreja: “A contradição era assombrosa”, especifica a estudiosa. “A exclusão das mulheres de tantos âmbitos soava como uma transgressão da criação e, mais ainda, do Evangelho”. Jesus de fato, a despeito das regras sociais de seu tempo, que privavam as mulheres de todos os direitos, as chama a si como discípulas: “Não só são consideradas dignas de acolher o ensinamento do Mestre”, diz Bartolomei, “mas recordemos que em Maria o Verbo se faz carne e Maria de Magdala tem a tarefa de levar o anúncio da ressurreição".
Nas primeiras comunidades cristãs, portanto, “antes de a Igreja ser dominada pela cultura da época, as mulheres também eram apóstolas, enquanto hoje se eu digitar a palavra no computador, o programa de escrita me informa um erro". Sinal dos tempos que não mudam, ou mudam muito lentamente.
No entanto, enormes saltos foram dados nas últimas gerações: em 1967, por exemplo, a Pontifícia universidade Gregoriana abre as portas também às mulheres e três anos depois fará o mesmo a Pontifícia Universidade Santo Anselmo, onde Maria Cristina se matricula, a primeira mulher entre 90 homens.
“Tínhamos conquistado o nosso Palácio de Inverno, uma riqueza maravilhosa a que finalmente as mulheres tinham acesso”, conta hoje.
Também se formou em teologia, mas acabou lecionando filosofia: “Senti-me dupla face, com vontade de aprofundar os vínculos entre as duas disciplinas e, parafraseando Ricoeur, sou uma filósofa, sou uma cristã, mas não me defino como uma filósofa cristã”. Mais uma vez, a educação para a liberdade dos esquemas assume o controle.
O acesso à formação teológica não é a única conquista dos últimos cinquenta anos, ainda que muitas barreiras permaneçam por quebrar. Uma delas é o diaconato feminino: “Não reconhecer o diaconato para as mulheres, apesar da experiência estabelecida na Igreja antiga, é inaceitável: devemos nos empenhar urgentemente nesta frente”, comenta a estudiosa. No entanto, há algumas notas positivas: "A novidade do acolitato e leitorado foi um passo fundamental, porque quebrou o ‘teto de cristal’ da admissão de mulheres ao ministério, demonstrando à Igreja que pode ser representada tanto por mulheres quanto por homens", explica Bartolomei.
O Papa Francisco, ressalta a estudiosa, “é um aliado das mulheres, e demonstrou isso colocando-as em posições de poder nos dicastérios vaticanos, onde até ontem só havia homens, e muitas vezes bispos. Na Suíça, assim como na Alemanha e no resto da Europa, há mulheres assistentes pastorais, e em muitos países, especialmente nas missões, se encontram freiras que desempenham as funções do pároco, exceto a celebração da Eucaristia e dos sacramentos da reconciliação e óleo para os enfermos", acrescenta. Também a abertura aos viri probati após o Sínodo sobre a Amazônia é um sinal de que algo está se movendo: pode parecer pouco, mas na Igreja, diz Bartolomei, "é preciso estar atento a essas brechas".
“O Papa Francisco abriu um espaço para que as mulheres possam ter voz, e é hora de firmar nossa posição”, conclui ela. Além disso, como demonstra o drama dos abusos clericais que atravessa o mundo católico em todas as latitudes, uma gestão mais coral só pode ser positiva: "'Não é bom que o homem esteja só' é uma recomendação que não vale apenas para Adão, mas para todos os homens”, conclui Bartolomei. “Não os deixemos demasiado sozinhos, para o bem deles e de toda a Igreja”.
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"O papa abriu algumas brechas, agora nós mulheres temos que firmar nossa posição", defende Maria Cristina Bartolomei - Instituto Humanitas Unisinos - IHU