13 Junho 2024
As mudanças climáticas são uma das maiores ameaças globais do século XXI, afetando ecossistemas, economias e sociedades. Eventos extremos, como secas e inundações, causam degradação ambiental, perda de biodiversidade e deslocamentos humanos em larga escala. Este artigo explora a interseção entre mudanças climáticas e deslocamentos humanos, analisando a crise climática e o conceito de refugiados climáticos.
O artigo é de Reinaldo Dias, doutor em Ciências Sociais pela Unicamp, pesquisador associado do CPDI do IBRACHINA/IBRAWORK, publicado por EcoDebate, 12-06-2024.
A crise climática global está intensificando eventos climáticos extremos, causando impactos devastadores em diversas regiões. Em maio de 2024, o mês mais quente já registrado, temperaturas extremas foram observadas em países como Índia e Paquistão, resultando em mortes e incêndios florestais (Copernicus, 2024). Na Amazônia, uma onda de calor contribuiu para uma seca severa, enquanto chuvas intensas no Brasil em 2023 causaram inúmeras mortes e deslocamentos (ONU, 2024). No México, mais de 165 macacos bugios morreram devido às fortes ondas de calor em maio de 2024. O calor extremo na região, com temperaturas atingindo 50°C, também causou a morte de vacas e peixes, ilustrando a extensão do impacto ambiental (Zanluchi, 2024).
As mudanças climáticas estão forçando milhões a migrar devido a eventos climáticos extremos, como inundações, secas e aumento do nível do mar. O relatório “Groundswell” do Banco Mundial prevê 216 milhões de deslocados internos em seis regiões até 2050, com pontos críticos surgindo em 2030. Regiões como a África Subsaariana e o Leste Asiático serão as mais afetadas (Clement et al, 2021). Em 2022, mais de 32 milhões de pessoas foram deslocadas devido a fenômenos extremos, exacerbando vulnerabilidades socioeconômicas (UNHCR, 2024b).
No Brasil, entre 2013 e 2022, desastres ambientais deslocaram 4,2 milhões de pessoas (Mendes, 2024). Esses eventos incluem enchentes que afetaram quase todos os municípios do Rio Grande do Sul, deslocando centenas de milhares de pessoas. As autoridades consideram a realocação de cidades inteiras para áreas mais altas como uma possível solução (Dias & McCoy, 2024). Desastres climáticos também impulsionam migrações internacionais, como o acordo entre Austrália e Tuvalu em 2023 para facilitar a transferência de cidadãos da ilha, afetados pelo aumento do nível do mar, para a Austrália (Climainfo, 2023). Países em desenvolvimento são desproporcionalmente impactados enfrentando, entre outros desafios, problemas com segurança alimentar e de saúde pública.
Os deslocamentos humanos devido às mudanças climáticas apresentam enormes e complexos desafios. Refugiados climáticos, ou pessoas forçadas a abandonar suas casas por causa de eventos climáticos extremos, são uma realidade crescente. A falta de reconhecimento jurídico internacional para esses deslocados dificulta a implementação de proteções adequadas. Além disso, a migração forçada exacerba as vulnerabilidades socioeconômicas existentes, impactando desproporcionalmente os países em desenvolvimento. É urgente a criação de mecanismos de proteção robustos e inclusivos para garantir a segurança e os direitos dessas populações em movimento.
O conceito de “refugiados climáticos” tem ganhado destaque nas discussões sobre mudanças climáticas e migrações forçadas. Embora o termo não seja oficialmente reconhecido pelo direito internacional, refere-se a indivíduos obrigados a abandonar suas casas devido a eventos climáticos extremos, como inundações, secas, tempestades severas e aumento do nível do mar.
O termo “refugiados climáticos” foi introduzido em 1985 por Essam El-Hinnawi, do PNUMA (Programa Ambiental das Nações Unidas), para descrever pessoas forçadas a deixar suas casas devido a desastres naturais (Ribeiro, 2023). No Brasil, a Academia Brasileira de Letras define refugiados climáticos como: “Pessoa que sai do país ou da região que habita para viver em outro local, devido a riscos relacionados aos efeitos extremos das mudanças climáticas” (ABL, 2022). Nesta definição da ABL o termo ‘refugiados climáticos” pode ser aplicado aos deslocamentos internos devido às mudanças climáticas.
As mudanças climáticas, exacerbadas pelo aquecimento global, intensificam eventos climáticos extremos, resultando em migrações internas e internacionais. Por exemplo, inundações no estado do Rio Grande do Sul, em 2024, afetaram mais de 300 mil pessoas e destacaram a necessidade de proteção para os deslocados climáticos (Carpentieri, 2024). As chuvas torrenciais devastaram o estado, expondo desigualdades sociais e exacerbando a vulnerabilidade das comunidades mais pobres.
Os deslocamentos forçados por desastres climáticos não se limitam a uma região específica. Em 2022, desastres causaram 32,6 milhões de deslocamentos internos, com 98% resultantes de riscos climáticos como inundações, tempestades, incêndios florestais e secas (ACNUR-BRASIL, 2024b). A maioria dos deslocamentos ocorre dentro dos próprios países, como no Brasil, onde as enchentes no Rio Grande do Sul deixaram mais de 72 mil desabrigados (Miranda, 2024).
As populações mais afetadas pelas mudanças climáticas são, geralmente, as mais pobres e vulneráveis. Essas comunidades, muitas vezes, vivem em locais remotos, campos superlotados ou assentamentos informais, com acesso limitado a serviços básicos e infraestrutura (ACNUR-BRASIL, 2024a). A crise climática não só prejudica os meios de subsistência, mas também agrava tensões e conflitos por recursos vitais como água e terras aráveis.
Um exemplo claro dessa vulnerabilidade é Bangladesh, onde se prevê que 20 milhões de pessoas perderão suas casas até 2050 devido ao aumento do nível do mar, submergindo 17% do país (Bellizzi,2023). Essas “vítimas esquecidas das alterações climáticas” enfrentam enormes desafios sem uma definição clara e sem um mecanismo internacional de proteção (Ida, 2021).
Apesar de sua utilidade descritiva, o termo “refugiados climáticos” não é reconhecido oficialmente e não oferece as mesmas proteções que a Convenção Internacional de 1951 sobre o Estatuto dos Refugiados (Ribeiro, 2023). Essa Convenção de 1951 define refugiados como pessoas que temem perseguição por razões de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas, sem incluir motivos ambientais (Ribeiro, 2023). Isso deixa milhões de pessoas desprotegidas, uma vez que os refugiados climáticos não são reconhecidos por essa convenção. A maioria das agências internacionais, como a Organização Internacional para as Migrações (OIM) e o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), evitam usar o termo “refugiados climáticos” devido à falta de reconhecimento legal e às implicações políticas (MDP, 2024).
O conceito de “refugiados climáticos” também enfrenta resistência por não refletir adequadamente a complexidade dos movimentos populacionais no contexto das mudanças climáticas. A migração ambiental é frequentemente interna e nem sempre forçada, o que complica ainda mais a definição e a proteção desses indivíduos (MDP, 2024). De acordo com o ACNUR, a maioria das pessoas deslocadas por eventos climáticos extremos permanecem dentro de suas próprias fronteiras, sendo classificadas como deslocados internos (ACNUR-BRASIL, 2024b).
Dada a crescente frequência dos desastres climáticos, é urgente reavaliar as normas internacionais para assegurar direitos e proteções adequadas aos refugiados climáticos (Carpentieri, 2024). Sem apoio adequado para se preparar, resistir e se recuperar dos impactos climáticos, essas populações enfrentam um risco maior de serem deslocadas novamente (ACNUR-BRASIL, 2024a).
O debate sobre os refugiados climáticos também envolve a necessidade de coletar dados abrangentes sobre deslocados internos e criar um mecanismo internacional para protegê-los (Ida, 2021). A comunidade internacional e os governos precisam fazer mais para abordar essa questão, fornecendo proteção e assistência adequadas às pessoas afetadas.
Para abordar a questão dos refugiados climáticos, várias propostas têm sido sugeridas. Uma delas é a criação de uma nova categoria de proteção dentro do direito internacional que reconheça explicitamente os refugiados climáticos. Isso incluiria a emenda à Convenção de 1951 ou a adoção de um novo protocolo que aborde as migrações induzidas pelo clima (Ribeiro, 2023).
Outra proposta envolve a implementação de políticas nacionais e internacionais eficazes que abordem tanto a mitigação quanto a adaptação às mudanças climáticas. Isso inclui investir em infraestruturas resilientes, promover práticas agrícolas sustentáveis e desenvolver sistemas de alerta precoce para desastres naturais (Apap & Harju, 2023). Essas ações não só ajudariam a reduzir os impactos das mudanças climáticas, mas também preparariam melhor as comunidades para lidar com os deslocamentos inevitáveis.
A criação de um fundo internacional para apoiar os países que enfrentam os maiores desafios climáticos também é uma solução viável. Este fundo poderia ser utilizado para financiar projetos de adaptação, fornecer assistência humanitária e apoiar a reconstrução após desastres. Em abril de 2024 a ACNUR anunciou a criação de um Fundo de Resiliência Climática, destinado a proteger contra mudanças climáticas. Esse fundo aumentará recursos sustentáveis, fornecendo energia limpa para infraestrutura de água, escolas e saúde para refugiados e comunidades de acolhida. Além disso, o fundo apoiará a restauração ambiental, a construção de abrigos climáticos adequados e meios de vida sustentáveis, reduzindo o impacto humanitário no meio ambiente. Priorizará projetos com efeitos locais e alinhados com estratégias nacionais de clima. Facilitará o financiamento direto e ação climática para refugiados, apátridas e deslocados, ajudando a criar resiliência e mitigar riscos (UNHCR, 2024a).
O conceito de refugiados climáticos é complexo e contestado no direito internacional e nas políticas de migração. Apesar da urgência de proteger os afetados pelas mudanças climáticas, a falta de reconhecimento oficial e a complexidade dos movimentos populacionais representam grandes desafios. A comunidade internacional deve desenvolver uma definição clara e mecanismos eficazes para enfrentar essa crise. A Convenção de 1951 sobre o Estatuto dos Refugiados foi bastante útil, mas novas realidades, como a crise climática, exigem uma atualização desse documento ou a criação de um novo. Enquanto as agências internacionais não definem integralmente os deslocamentos por eventos extremos, o termo “refugiados climáticos” tende a se popularizar, abrangendo também os deslocamentos internos.
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Zanluchi, J. (2024) Aumenta o número de macacos bugios que estão morrendo por causa do calor no México. Agência de Notícias de Direitos Animais – ANDA. 4 jun 2024. Disponível aqui.
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Crise climática e deslocamentos humanos: uma nova urgência global. Artigo de Reinaldo Dias - Instituto Humanitas Unisinos - IHU