28 Outubro 2020
Levantamento da Articulação Nacional de Agroecologia identifica 725 iniciativas em 10% dos municípios brasileiros. Inclusive dominados pelo agronegócio.
A reportagem é de Cida de Oliveira, publicada por Rede Brasil Atual – RBA, 27-10-2020.
O incentivo à agroecologia pela prefeitura de Tangará da Serra (MT) é o contraponto ao agronegócio que domina toda a região. Por meio do Núcleo de Políticas para a Economia Solidária (Nupes), o município realiza duas feiras semanais, onde a maioria dos produtos comercializados vem da agricultura familiar de base agroecológica produzidos em assentamentos de reforma agrária. Sem agrotóxicos nem transgênicos. Além disso, o poder público presta assistência técnica e executa o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) da agricultura familiar.
Feira agroecológica em Belém: produtos da agricultura familiar sem agrotóxicos. (Foto: Rede Brasil Atual – RBA)
Nas regiões do Baixo Parnaíba e Baixo Munim, no Maranhão, os municípios de Belágua, São Bendito do Rio Preto, Mata Roma, Milagres, Santa Quitéria do Maranhão, Barreirinhas, Magalhães de Almeida e São Bernardo aprovaram leis contra o avanço do agronegócio. Por meio da mobilização de agricultores, pescadores, povos e comunidades tradicionais e organizações de assessoria da sociedade civil, ficou proibida a implementação de novos empreendimentos de monoculturas de eucalipto, mamona, cana-de-açúcar, bem como a utilização de árvores nativas da região para a produção de carvão vegetal em escala industrial.
Essas iniciativas estão entre as 725 mapeadas em 530 municípios brasileiros pela Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), todas com apoio do poder público municipal. A região Sul é a que concentra o maior número (285), seguida pelo Nordeste (224), Sudeste (134) e Centro-Oeste (59). Os estados do Norte têm o menor número (23). Acre e Amapá têm apenas duas cada. Dos cinco municípios onde estão a maioria dessas iniciativas, três são do Nordeste: Caxias (MA), Piquet Carneiro (CE) e Brejo da Madre de Deus (PE).
Das políticas, a mais comum é o apoio a feiras e circuitos curtos de vendas. Vão desde a cessão de espaço público para realização da feira, construção de um ponto fixo de comercialização, compra de barracas e apoio na logística para transportes, entre outros.
Na sequência vêm as compras institucionais da agricultura familiar, princípio básico da agroecologia, e outros instrumentos de geração de demanda pela produção da agricultura familiar. São feitas por meio do acesso a políticas como PAA e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae), que têm também apoio financeiro federal e em alguns casos, estadual. Laranjal do Jari (AP), Crateús (CE), Cáceres (MT), Tome-Açu (PA), Tamandaré (PE), Rolim de Moura e Vilhena (RO) – essas duas também dominadas pelo agronegócio.
Resumido por região, a construção do conhecimento da agroecologia é tema mais encontrado no Sudeste. No Sul, o fomento à produção de base agroecológica. O Centro-Oeste concentra mais atividades voltadas ao extrativismo, conservação, uso e comercialização de produtos da sociobiodiversidade. No Norte predominam políticas de reconhecimento e proteção a territórios de povos e comunidades tradicionais. E no Nordeste prevalecem a assistência técnica, extensão rural (Ater), cisternas e outras políticas de estocagem de água.
O relatório destaca também uma experiência desenvolvida no município de Pinhão (PR). Ali, o Vale Feira é um instrumento da política de gestão integrada de resíduos sólidos. As famílias que aderem ao programa separam adequadamente o lixo doméstico para a coleta seletiva. A contrapartida é o ressarcimento integral da taxa do lixo paga em forma de Vale Feira, que só pode ser usado na feira livre do município.
Semelhantemente, a prefeitura de Santiago (RS) lançou, em 2020 o projeto Pila Verde, que busca recompensar o cidadão que realizar a separação correta de resíduos e entregar o lixo orgânico para compostagem coletiva. A cada 5 kg de lixo orgânico entregue, os moradores recebem uma cédula de “1 pila”, cujo valor equivale a R$ 1,00. As “pilas” podem ser usadas na compra de hortifrutigranjeiros na Feira do Produtor, com feirantes cadastrados no projeto. Em Umuarama (PR), o programa Lixo que Vale promove a troca de materiais recicláveis por alimentos adquiridos direto do produtor rural.
Em Picuí (PB), o centro municipal de compostagem recebe e tritura resíduos coletados, produzindo todo mês aproximadamente 10 toneladas de composto orgânico. Só coleta de casca de coco verde em bares e restaurantes e de galhos provenientes de podas das árvores têm possibilitado a redução de 40% do lixo que vai para o aterro municipal. E beneficiado agricultoras locais, que recebem gratuitamente o composto.
Em Rio Branco (AC) os pesquisadores encontraram a única experiência envolvendo reforma agrária, um dos princípios básicos da agroecologia. Por meio do Programa Polos Agroflorestais, a prefeitura destinou pequenos lotes no cinturão verde da cidade para famílias que migraram dos seringais e ficaram desempregadas. Assim puderam produzir e comercializar na cidade. Antiga, a experiência data de 1993. Posteriormente, o governo estadual adotou a mesma ideia e criou alguns polos em Rio Branco e outros municípios, como Mâncio Lima, Rodrigues Alves, Cruzeiro do Sul, Feijó, Bujari, Porto Acre, Xapuri, Capixaba, Epitaciolândia e Brasiléia. Hoje há grupos de produtores orgânicos em alguns dos polos. Durante a criação dos polos, foram criadas também associações para gestão das iniciativas, das quais participam beneficiários do projeto.
“Muitas dessas políticas nem sequer pressupõem uma dotação orçamentária significativa e, ainda assim, podem ter impactos diretos sobre parcelas consideráveis da população, representando alternativas concretas para a superação das crises democrática, social, sanitária, ambiental, política e econômica que enfrentamos hoje”, dizem os autores da pesquisa.
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Agroecologia faz a diferença em 530 municípios brasileiros - Instituto Humanitas Unisinos - IHU