02 Março 2024
"Espero que o Sínodo não apague nenhum dos “problemas sensíveis” que surgiram até agora, mas tenha uma palavra franca, não ambígua, mas clara, correspondente ao evangélico “Sim, sim. Não, não" (Mt 5,37), sem a preocupação de ter que agradar o mundo e sem a ansiedade de condenar e usar palavras arrogantes", escreve o monge e teólogo italiano Enzo Bianchi, prior e fundador da Comunidade de Bose, em artigo publicado por Vita Pastorale, março de 2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
O Sínodo dos Bispos, como caminho empreendido em conjunto pelo povo de Deus, vive uma pausa entre a sessão de outubro passado e aquela que deverá ser a última, prevista para outubro próximo.
É claro que o tempo que nos separa desse compromisso não pode ser uma pausa ociosa, de férias, mas deve ser um tempo de aprofundamento, de discussão e de pesquisa principalmente por parte dos teólogos, por parte das Igrejas locais e, portanto, também dos bispos juntamente com o Papa Francisco, bispo de Roma.
Christoph Theobald, jesuíta e teólogo francês de nacionalidade alemã, hoje um dos mais respeitados da Igreja, publicou uma reflexão sobre o Sínodo do qual participou como especialista, com um título que apresenta o Sínodo em curso como um Concílio, embora não ouse denominá-lo assim (Un nouveau Concile qui ne dit pas son nom?, Paris 2023).
Ele sugere que, de fato, esse Sínodo assumiu uma forma mais conciliar do que os anteriores e é uma "continuação" do Concílio Vaticano II.
Ora, se é verdade que o Espírito Santo que sopra na assembleia sinodal parece ser o mesmo do Concílio, se é verdade que está em ato um discernimento coletivo, creio que seja prematuro julgar esse Sínodo, inteiramente novo na forma, realmente em continuidade com o Vaticano II. Existem de fato, infelizmente, algumas aporias e contradições que tornam precária a conclusão em vista de uma reforma da Igreja e da mensagem missionário para um mundo indiferente e não mais cristão.
Desse Sínodo surgiu novamente a urgência de uma “conversão eclesial” (não basta a “conversão pastoral” que ninguém sabe definir!), que seja reforma da Cúria não tanto em termos de estrutura, mas de sensibilidade e coerência com a Igreja de hoje; uma reforma da vida dos bispos e dos sacerdotes que não deixe espaço ao clericalismo; uma reforma da vida dos leigos que saibam encarnar a diferença cristã resistindo ao mundanismo e vivendo pela fé em Jesus Cristo!
E por isso é necessário também que as Igrejas locais, e dentro delas cada uma das comunidades, se envolvam mais concretamente com o Sínodo como processo eclesial. Estou realmente preocupado com o que ouvi, falando com paróquias por toda parte na Itália: a maioria das pessoas e dos fiéis não sabe o que é o Sínodo. E, de qualquer forma, nada foi dito nem feito sobre isso na paróquia. Como isso é possível? Por que os presbíteros não acreditam em Sínodo, por que não se envolvem nesse percurso eclesial?
No entanto, não é simplesmente um evento entre tantos criados pela Igreja - desgastou a todos, mas é um processo cotidiano, vital, que pode envolver pessoas e famílias na sua vida de fé. Seria muito importante que a Secretaria Geral do Sínodo dos os bispos e as Conferências Episcopais regionais exortem fortemente as paróquias a viver essa sinodalidade, sem a qual amanhã a nossa Igreja será cada vez mais anônima, desgastada, pobre e certamente sem possibilidades de fraternidade.
Já dissemos e escrevemos várias vezes: a crise da liturgia (em particular da missa dominical hoje) deve-se à falta de fraternidade, ao fato de ter tornado a missa um lugar de estranhamento e, portanto, de ter permitido que a fé se enfraquecesse. Faltam fé e fraternidade nas nossas comunidades cristãs. E só uma prática sinodal pode despertá-las e fazê-las viver. Estou pessoalmente certo disso.
Portanto, neste tempo seria algo bom e fecundo que Francisco pedisse aos teólogos, identificados pela sua competência, para estudar os problemas, os pedidos que surgiram na primeira sessão do Sínodo, e que esses chegassem na próxima reunião em outubro com a possibilidade de poder participar da reunião com uma palavra marcada pelo ministério dos "doutores" (didàskaloi) sobre os quais está fundada a Igreja, bem como sobre os apóstolos e os profetas.
E que pudessem dizer com a autoridade do seu carisma “palavras de sabedoria” e iluminar os trabalhos do Sínodo. Há urgência disso, porque é bom ter dado a palavra a todos, mas não esqueçamos que as palavras de todos têm peso e autoridade diferentes na Igreja. Os dons não são achatados e, se é verdade que há muitos dons e carismas, entre eles não esqueçamos que se destacam aqueles dos apóstolos, dos profetas e dos “doutores” (cf. 1Cor 12,28).
A Igreja de Deus está em peregrinação rumo ao Reino, não é a Jerusalém celeste que deve descer do alto, ainda não é a Esposa imaculada e fiel, mas espera que o Senhor a guie e a torne imaculada com o seu sangue, purificando-a e santificando-a. Não podemos sonhar com uma Igreja pura como a queriam os cátaros, mas queremos uma Igreja na qual Cristo reine; uma Igreja na qual o primado seja dado à palavra de Deus e a caridade seja constantemente buscada por todos os cristãos.
Espero que o Sínodo não apague nenhum dos “problemas sensíveis” que surgiram até agora, mas tenha uma palavra franca, não ambígua, mas clara, correspondente ao evangélico “Sim, sim. Não, não" (Mt 5,37), sem a preocupação de ter que agradar o mundo e sem a ansiedade de condenar e usar palavras arrogantes. O povo de Deus guiado pelos pastores possui um vivo sensus fidei e não cederá tão facilmente às tentações antagonistas ou cismáticas: desde que os pastores estejam no meio, à frente e atrás do povo, sempre solidários com ele mesmo nesta crise de Igreja, que deve ser atravessada para encontrar novos caminhos para o futuro. Continua sendo essencial, portanto, a unidade da Igreja em torno do Papa que, neste tempo, é objeto de rancores eclesiais e de uma maldade que vem do Maligno, do divisor.
O Papa Francisco é o sucessor de Pedro e foi chamado a organizar e presidir a comunhão em Igreja e entre as Igrejas. Deve-se a ele o maior respeito, mesmo quando eventualmente não se concorde com sua opinião sobre algumas realidades ou algumas providências. Isso não significa que não seja possível uma crítica respeitosa, mas isso requer humildade. E, além disso, preocupação e oração por quem foi posto para apascentar a Igreja de Deus. Hoje as tentações centrífugas e consequentemente os ataques ao Papa Francisco - a ponto de o deslegitimar e até mesmo declará-lo herético – são muitos e tornados eficazes pelas redes sociais. Mas esses católicos não sabem o que dizem e o que fazem. O Senhor garantiu a Pedro uma oração “para que não lhe falte fé!” (Lc 22,32); e como pode Cristo não ser atendido por Deus?
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A unidade da Igreja é em torno do Papa. Artigo de Enzo Bianchi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU