12 Dezembro 2023
No sábado, 25 de novembro, havia uma longa fila em frente à Biblioteca da Universidade de Gênova: centenas de pessoas esperavam para participar de uma palestra com o historiador israelense Ilan Pappé, organizada pelo BDS Gênova, Assopace e Tamu Edizioni. Setecentas pessoas conseguiram entrar; o resto teve que ficar do lado de fora. Era um evento muito aguardado com um dos principais expoentes do mundo acadêmico israelense e um contra-relato baseado em pesquisas históricas irrefutáveis.
"A história ensina que a descolonização não é um processo fácil para o colonizador", afirmou Pappé ao final do longo debate. "Ele perde seus privilégios, precisa devolver as terras ocupadas, precisa renunciar à ideia de um Estado nacional monoétnico. Os pacifistas israelenses acreditam que um dia acordarão em um país igualitário e democrático. Não será tão simples, os processos de descolonização são dolorosos: a paz começa quando o colonizador aceita desmantelar suas próprias instituições, constituição, leis, distribuição de recursos. No dia em que a colonização da Palestina terminar, alguns israelenses preferirão partir, outros permanecerão em um território livre onde não serão mais carcereiros de ninguém. Quanto mais cedo os israelenses perceberem isso, menos sangrento será esse processo. De qualquer forma, a história está sempre do lado dos oprimidos, todo colonialismo está destinado a acabar."
A entrevista é de Chiara Cruciati, jornalista do Il manifesto, publicada por Ctxt, 08-12-2023.
Por anos, falou-se sobre a "gazificação" da Cisjordânia: o cerco a Gaza como modelo para administrar as ilhas palestinas em que Israel dividiu a Cisjordânia. Agora, o oposto acontecerá? Gaza se tornará a Cisjordânia?
Eu não acredito que Israel tenha um plano neste momento. Existem várias opções. Uma delas é a criação em Gaza de uma espécie de Área A- ou B+ [Os Acordos de Oslo dividiram a região palestina da Cisjordânia em três setores administrativos denominados Área A, Área B e Área C]: a ideia dos "moderados", como Gantz e Gallant, é confiar uma parte da Faixa à Autoridade Nacional Palestina e criar uma zona tampão de 5-7 quilômetros. É uma ideia ridícula: Gaza tem apenas 12 quilômetros de largura em sua parte mais larga. A outra opção, da extrema direita no poder, é uma limpeza étnica o mais ampla possível, expulsando os palestinos para o Egito, ou pelo menos para o sul de Gaza, e levando os colonos para o norte. É cedo demais para saber o que acontecerá, assim como é cedo demais para saber como o mundo reagirá, se haverá uma guerra no norte com o Líbano, ou se isso provocará uma intifada na Cisjordânia.
Depois de negar a Nakba por 75 anos, hoje o governo israelense a menciona abertamente, fala de uma Nakba 2023, da necessidade histórica da expulsão. Esse abandono de toda moderação, mesmo verbal, ao propor a limpeza étnica como solução, de onde vem?
Aqueles que negavam a Nakba eram o centro e a esquerda. A direita nunca a negou, pelo contrário: eles se orgulhavam disso. Então, não é surpreendente que eles usem esse termo. A outra razão é que Israel trata 7 de outubro como um evento que mudou tudo; não sente mais a necessidade de ser cauteloso em seu discurso racista, ao falar de genocídio e limpeza étnica. Eles veem 7 de outubro como uma luz verde para agir.
O crescimento gradual, mas inexorável, da extrema direita israelense nos últimos trinta anos nos leva a observar uma evolução do sionismo de tendência religiosa. As declarações de membros do governo, começando por Netanyahu, que invocam a Torá para justificar as atrocidades e as políticas de Ben Gvir e Smotrich, são um exemplo disso. O que é o sionismo hoje? Podemos ver um processo de implosão nessa evolução?
Antes mesmo de 7 de outubro, já não se tratava mais de sionismo. Era algo além, em direção a um judaísmo messiânico. Essas pessoas, como os fanáticos islamistas, acreditam que têm Deus do seu lado. É uma evolução ideológica que dominou o sionismo pragmático e liberal, arrastando-o consigo. Hoje enfrentamos uma ideologia judaica messiânica, racista e fundamentalista que não apenas acredita que a Palestina pertence apenas ao povo judeu (como afirmou Netanyahu com a Lei do Estado-Nação de 2018), mas pensa que tem licença moral para matar e expulsar todos os palestinos. É uma evolução ideológica extremamente perigosa. Antes de 7 de outubro, a sociedade israelense já experimentava um confronto aberto entre o sionismo secular e o sionismo religioso. Esse confronto ressurgirá e mostrará que a única coisa que mantém os israelenses unidos é a rejeição aos palestinos. Para o sionismo, este é o princípio do fim: um processo de vinte ou trinta anos em termos históricos. Isso acontecerá porque é uma ideologia colonialista em um mundo que hoje segue em outra direção. Se o sionismo tivesse surgido há dois ou três séculos, provavelmente teria alcançado o objetivo de eliminar a população indígena, como ocorreu na Austrália e nos Estados Unidos. Mas surgiu em um momento em que o mundo já havia rejeitado o conceito de colonialismo e os palestinos já haviam desenvolvido sua identidade nacional.
A que se deve a virada à direita da sociedade israelense após o assassinato de Rabin e o impulso pacifista que anima uma ampla parcela da população?
Ser sionista liberal sempre foi problemático. Você tem que se mentir o tempo todo, porque não pode ser socialista e colonizador ao mesmo tempo. A sociedade se cansou disso, percebeu que tinha que escolher entre ser democrática e ser judia. Escolheu a natureza judia. Decidiu que a prioridade era estabelecer um Estado racista, em vez de compartilhá-lo com os palestinos. Era inevitável, uma consequência lógica do projeto sionista. O Israel de hoje é muito mais autêntico do que o Israel dos anos 90.
7 de outubro representou uma ruptura traumática para a sociedade israelense. A questão palestina tinha sido relegada a segundo plano, "gerenciada", como costuma dizer Netanyahu. Essa comoção pode levar a uma conscientização da necessidade de uma solução política?
Levará tempo. O futuro imediato será marcado pelo ódio e pelo impulso de vingança. Será difícil falar em uma solução de dois estados ou de um estado. A longo prazo, no entanto, é possível que Israel compreenda que os palestinos não vão a lugar nenhum e não ficarão em silêncio, aconteça o que acontecer em Tel Aviv. Muito dependerá da Europa e dos Estados Unidos: se continuarem sem exercer pressão, será difícil ouvir as vozes mais razoáveis de Israel. A sociedade civil não é suficiente; precisamos que os responsáveis políticos mudem. Esse tipo de processo leva tempo, mas é possível que dessa horrenda tragédia algo positivo surja. Também dependerá dos palestinos, se podem se unir, se a OLP será restabelecida. Também há diferenças entre eles: aqueles que vivem na Cisjordânia querem o fim da ocupação e da opressão, não são a favor de um estado. Mas aqueles que vivem dentro de Israel querem, assim como os refugiados da diáspora, para quem um estado significaria que poderiam retornar.
A dura campanha contra Gaza e o desejo declarado de expulsar os palestinos provocaram uma reação massiva de protestos públicos em todo o mundo e nos países do Sul global, em contraste com as posições dos estados ocidentais. Estamos testemunhando uma mudança de paradigma em nível global que terá efeitos a médio e longo prazo?
Estamos testemunhando um processo de globalização da Palestina: uma Palestina global formada pela sociedade civil, por cidadãos, por movimentos tão diversos quanto os movimentos indígenas, Black Lives Matter, os feminismos: em outras palavras, todos os movimentos anticoloniais, que podem saber pouco sobre a questão palestina, mas sabem o que significa a opressão. Essa Palestina global precisa ser capaz de enfrentar o Israel global, formado pelos governos ocidentais e pela indústria militar. Como fazer isso? Conectando as lutas contra as injustiças de todo o mundo em uma única rede. Aqui, na Itália, significa lutar contra o racismo.
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“Enfrentamos uma ideologia judaica racista que se acredita com licença moral para matar”. Entrevista com Ilan Pappé - Instituto Humanitas Unisinos - IHU