10 Outubro 2023
"Agora é totalmente evidente que são as nossas próprias atividades que empurram o gênero humano para o abismo", assevera Carlo Petrini, fundador do Slow Food, ativista e gastrônomo, sociólogo e autor do livro Terrafutura (editora Giunti e Slow Food), no qual relata suas conversas com o Papa Francisco sobre ecologia integral e o destino do planeta, em artigo publicado por La Stampa, 05-10-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Ontem, 4 de outubro de 2023, dia em que ocorre a festa de São Francisco de Assis, foi publicada a sexta exortação do Papa Francisco: Laudate Deum, a todas as pessoas de boa vontade sobre a crise climática.
Há algumas semanas, o próprio Bergoglio anunciou a publicação do documento, descrevendo-o como uma atualização da Encíclica Laudato si' – agora no seu 8º aniversário.
Pois bem, já se passaram 8 anos desde a publicação daquela mensagem política, ambiental e social de extraordinária envergadura. Um documento revolucionário que lançou as bases do que se provou ser o último encontro significativo das Nações Unidas sobre o tema do combate à crise climática, ou seja, a COP21 em Paris (dezembro de 2015).
A partir do Acordo de Paris, pudemos testemunhar uma falta de operacionalidade em nível global e uma escassa tomada de posição política no plano da luta contra à mudança climática. Enquanto isso a alteração ambiental intensificou os seus efeitos destrutivos. Eis que na Laudate Deum o Papa Francisco assume uma posição clara ao constatar a gravidade e a urgência da situação em que vivemos.
Por um lado, com essa exortação o Santo Padre quer reafirmar os princípios da Laudato Si’, sem poupar as diversas solicitações à comunidade política internacional para uma verdadeira mudança de marcha; por outro lado, insere dois elementos altamente incisivos.
Em primeiro lugar, há uma forte condenação a todo negacionismo; e, portanto, a compreensão de que confiar à tecnocracia para minimizar ou, pior ainda, para ofuscar os efeitos da mudança climática, é uma opção perdedora. Como afirma Francisco, é completamente contraproducente desresponsabilizar a atividade antrópica endossando teses que consideram inevitável a sucessão de períodos de resfriamento e aquecimento. Hoje estamos lidando com mudanças que viajam a uma velocidade inédita e cuja frequência e rapidez continuam a devastar um local após o outro. Agora é totalmente evidente que são as nossas próprias atividades que empurram o gênero humano para o abismo.
Em segundo lugar, encontramos uma forte legitimação daquele protagonismo generalizado da sociedade civil (em todas as suas formas, inclusive as mais radicais) que luta por uma verdadeira justiça ambiental (e, portanto, social). Trata-se de uma defesa declarada daquelas realidades que nascem de baixo, tomada com a consciência de que esse tipo de mobilização generalizada pode gerar mudanças duradouras:
“Recordar-se de que não há mudanças duradouras sem mudanças culturais, sem uma maturação do modo de viver e das convicções da sociedade; não há mudanças culturais sem mudança nas pessoas." (Laudate Deum, 70).
Desse ponto de vista, é emblemática a metáfora com a qual o próprio Francisco valorizou, durante um de seus discursos, as ações virtuosas da sociedade civil: comparando-as com a mudança de estado físico da água, que, através da administração de calor, chega ao estágio da fervura, gerando um movimento de baixo para cima.
Em alguns aspectos, a tenacidade e a teimosia deste homem não são apenas extraordinárias, mas política e eticamente representam um grito de denúncia que não pode ficar despercebido.
Também porque os tempos da conversão ecológica, de governação internacional virtuosa, dos prazos institucionais planetários (como as COPs) correm o risco de se tornarem demasiados longos em relação ao desastre anunciado. É preciso, portanto, uma mudança de marcha, sem a qual já muitos problemas de equilíbrio dos ecossistemas estão irremediavelmente comprometidos.
Com a Laudate Deum, o Papa Francisco oferece uma foto de um período que passou sem resultados consistentes. Ao fazê-lo, demonstra mais uma vez ser a única voz, em nível global, capaz de descrever lucidamente os tempos que estamos vivendo, sem perseguir qualquer tipo de interesse que não seja pelo cuidado da nossa casa comum.
Pessoalmente, uno-me à esperança que o Santo Padre presta à iminente COP28 de Dubai (30 de novembro a 12 de dezembro). Essa reunião poderia ser uma das últimas grandes ocasiões que a comunidade internacional tem à sua disposição para correr aos reparos.
No entanto, continuo convencido de que o maior voto que se possa fazer neste momento a toda a humanidade é que esta exortação de Bergoglio possa ser acolhida na vida e na cotidianidade do maior número de pessoas.
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Laudate Deum. Um grito de denúncia a ser ouvido antes que seja tarde demais. Artigo de Carlo Petrini - Instituto Humanitas Unisinos - IHU