10 Outubro 2023
"Está diante dos olhos de todos que os pobres sofrem muito mais os efeitos das mudanças climáticas do que os ricos. Durante este verão escaldante aqueles que tinham ar condicionado ficaram relativamente confortáveis; os outros ficaram mal e, no caso de idosos ou pessoas com problemas de saúde, eventualmente morreram. Estima-se que na Itália no ano passado houve dezoito mil mortes devido às ondas de calor e provavelmente teremos este ano mais de vinte mil, aproximadamente o dobro do número de mortes por Covid", escreve Giorgio Parisi, físico italiano, Prêmio Nobel de Física de 2021, em artigo publicado por La Stampa, 07-10-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Estou muito satisfeito por estar aqui para comentar a exortação apostólica Laudate Deum: é uma intervenção extremamente necessária dado que os governos pouco se importam com as mudanças climáticas e que a voz daqueles que defendem a importância de combatê-las é uma voz que grita no deserto. A exortação apostólica dirige-se não só aos fiéis, mas a todas as pessoas de boa vontade, porque, como muitas vezes diz o Papa, ninguém pode salvar-se sozinho.
A exortação começa relatando uma série impressionante de fatos baseados na ciência: o Papa descreve a situação com precisão, utilizando os documentos do IPCC que são as melhores sínteses científicas sobre o assunto. Esse aporte científico pode parecer estranho num documento papal, mas o Papa explica imediatamente o porquê: “Vejo-me obrigado a fazer estas especificações, que podem parecer óbvias, por causa de certas opiniões ridicularizadoras e pouco racionais que encontro mesmo dentro da Igreja Católica”. No final desse exame preciso o Papa conclui: “Por muito que se tente negá-los, escondê-los, dissimulá-los ou relativizá-los, os sinais da mudança climática impõem-se de forma cada vez mais evidente. Ninguém pode ignorar que, nos últimos anos, temos assistido a fenômenos extremos, a períodos frequentes de calor anormal, seca e outros gemidos da terra”.
Um ponto muito importante é levantado. Às vezes acontecem enormes ondas de frio, queda de neve, eventos que são usados para “pôr em ridículo quem fala do aquecimento global”, mas que “são apenas expressões alternativas da mesma causa: o desequilíbrio global causado pelo aquecimento global". É contraintuitivo, mas a explicação é simples: sabemos que os polos se aquecem muito mais do que o equador devido às grandes massas de ar quente que vão do equador em direção aos polos e que são contrabalançadas por grandes massas de ar frio que se movem na direção oposta; por onde dessas massas de ar passam, temos eventos extremos: calor equatorial ou frio polar, dependendo dos casos.
O Papa exorta com razão: “De uma vez por todas acabemos com a atitude irresponsável que apresenta a questão apenas como ambiental, ‘verde’, romântica, muitas vezes ridicularizada por interesses econômicos. Admitamos, finalmente, que se trata de um problema humano e social em sentido amplo e emdiversos níveis. Por isso requer-se o envolvimento de todos". Está diante dos olhos de todos que os pobres sofrem muito mais os efeitos das mudanças climáticas do que os ricos. Durante este verão escaldante aqueles que tinham ar condicionado ficaram relativamente confortáveis; os outros ficaram mal e, no caso de idosos ou pessoas com problemas de saúde, eventualmente morreram. Estima-se que na Itália no ano passado houve dezoito mil mortes devido às ondas de calor e provavelmente teremos este ano mais de vinte mil, aproximadamente o dobro do número de mortes por Covid.
Bloquear com sucesso as mudanças climáticas exige um esforço monstruoso de todos. E uma operação que tem custos colossais, não só financeiros e sociais, com repercussões que afetam as nossas existências. O Papa sublinha bem que de alguma forma se deve proceder de maneira solidária e justa entre todos os países: lembra-nos que “as emissões pro capite nos Estados Unidos são cerca do dobro daquelas de um habitante da China e cerca de sete vezes superiores à média dos países mais pobres, podemos afirmar que uma mudança generalizada do estilo de vida irresponsável ligado ao modelo ocidental teria um impacto significativo a longo prazo. Assim, juntamente com as indispensáveis decisões políticas, estaríamos no caminho do cuidado mútuo".
“Os esforços das famílias para poluir menos, reduzir os esbanjamentos, consumir de forma sensata estão criando uma nova cultura. O simples fato de mudar os hábitos pessoais, familiares e comunitários alimenta a preocupação pelas responsabilidades não cumpridas pelos setores políticos e a indignação contra o desinteresse dos poderosos. Note-se, pois, que, mesmo se isso não produzir imediatamente um efeito muito relevante do ponto de vista quantitativo, contribui para realizar grandes processos de transformação que agem a partir do nível profundo da sociedade”.
A África é muitas vezes citada no documento como um continente com muitos problemas. Parece-me que justamente ali pode ser visto o fracasso dos esforços para combater as mudanças climáticas. Na África há muito sol e painéis solares seriam extremamente eficientes, mas não existem os recursos para fazer a transição maciça para a energia solar e exportar o excesso de energia. É necessário um colossal plano de investimento, mesmo que seja a fundo perdido, para construir fontes de energia renovável nos países em desenvolvimento: só assim se pode pensar num crescimento econômico que não prejudique o clima. Ao mesmo tempo, é fundamental melhorar a educação de todos, mas especialmente a educação feminina, que muitas vezes é esquecida nesses países. Ao fazer isso, evitaríamos nas próximas décadas uma onda migratória de centenas de milhões de pessoas. São necessários enormes recursos que não estamos disponibilizando: evidentemente não percebemos que num mundo altamente interconectado não podemos deixar ir à pique um continente sem depois sofrer amargamente as consequências.
Gostaria de terminar destacando uma frase que realmente me impressionou: “Já passaram oito anos desde a publicação da carta encíclica Laudato si’... Mas, com o passar do tempo, dou-me conta de que não estamos reagindo de modo satisfatório, pois este mundo que nos acolhe, está desmoronando e talvez se aproximando de um ponto de ruptura". Creio que o Papa tenha em mente as guerras, aquela armada com a Rússia e aquela comercial com a China, e que a ruptura poderia ser uma guerra nuclear.
Para bloquear eficazmente as mudanças climáticas, precisamos de uma humanidade solidária, mas essa solidariedade não pode existir num mundo devastado pelas guerras. É absolutamente necessário parar com esse desmoronamento e afastar-nos do ponto de ruptura.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Mais mortes por clima do que por Covid, alguém ouça o apelo do Papa. Artigo de Giorgio Parisi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU