06 Outubro 2023
A exortação Laudate Deum resume as questões da crise ambiental e ataca a tecnocracia. A sequência ideal da encíclica Laudato si' marca a transição da esperança para a ecoansiedade.
A reportagem é de Francesco Peloso, publicada por Domani, 05-10-2023.
Francisco tenta novamente: com a exortação apostólica Laudate Deum, publicada em 4 de outubro, dia em que se celebra São Francisco, tentou desenvolver uma segunda parte, uma espécie de sequência, da Laudato si’. Mas, como sempre acontece, a segunda parcela da série não está à altura da primeira. Se a encíclica inspirada em São Francisco libertou definitivamente o ambientalismo do nicho de especialização com um sabor vagamente fundamentalista para incluí-lo legitimamente entre os grandes desafios que afetam a humanidade no futuro próximo em todos os seus aspectos, em Laudate Deum prevalece um tom mais apocalíptico, dramatizante, em última análise, pessimista quanto às possibilidades das sociedades contemporâneas enfrentarem a crise climática.
Da mesma forma, se o signo sob o qual a grande assembleia sinodal do Vaticano começou a discutir o futuro da Igreja é precisamente a esperança, a capacidade de construir relações para além dos conflitos e das diferenças de opiniões, a nova exortação apostólica do pontífice, que também interage com a reunião em curso, está cheio de amargura e frustração diante do desastre ambiental. Em última análise, a segunda etapa do Papa dedicada ao cuidado da nossa casa comum parece carecer de uma profunda “visão, feita de uma grande planície e de um céu maior”, para colocá-lo nos versos de um autor querido por Francisco como Jorge Luis Borges.
É claro que a Laudato si' foi lançada perto da cimeira mundial do clima em Paris em 2015 (COP21), durante a qual foram alcançados acordos importantes para abrandar o aquecimento global, e de fato a intervenção do Papa foi de ajuda aos governos que estavam a pressionar pelo acordo, a começar pelo presidente francês; a situação hoje é muito diferente. As cimeiras subsequentes não confirmaram os desejos expressos em Paris, foram de fato pouco produtivas e, como tal, são descritas um tanto inutilmente na Lauduate Deum. Além disso, no texto dedicado “a todas as pessoas de boa vontade”, quase nenhum espaço é dedicado aos muitos exemplos de escolhas virtuosas, em contraste com o quadro geral, visando conter a crise climática, feito pelos países do norte e do sul do mundo, de pequenas comunidades, de regiões individuais ou áreas metropolitanas. Por outro lado, também não nos afastamos do genérico quando mencionamos os efeitos catastróficos das alterações climáticas, esquecendo quais os acontecimentos que foram particularmente significativos nos últimos anos (pense na gigantesca inundação que devastou o Paquistão há pouco mais de um ano, ou na incêndios que atingiram a América do Norte e a Austrália).
O novo documento do papa é salpicado de um toque populista quando indica as elites globais genéricas como os novos inimigos das necessidades das pessoas, assume um pouco de culpa pelo progresso tecnológico e científico como sendo culpado de iludir a humanidade em ser onipotente e ser capaz de encontrar soluções para cada problema, neste sentido, levanta um alarme – completamente fora de contexto – contra a inteligência artificial. Ele usa um tom de desprezo contra os negacionistas das alterações climáticas, colocando a economia de mercado, o desejo de poder e lucro e, claro, o Ocidente no banco dos réus. E aqui reside talvez, do ponto de vista do problema climático, o erro mais grave do ponto de vista científico. Os principais poluidores do mundo são, na verdade, a China, os EUA, a Índia, a UE, a Rússia e o Japão (ver, por exemplo, dados da Agência Internacional de Energia ou das próprias Nações Unidas). Uma mistura de países emergentes e superpotências clássicas, com a China claramente a deter o recorde em termos de emissões nocivas. É verdade que cada uma destas realidades se compromete a reduzir a utilização de energia proveniente de combustíveis fósseis, mas, na verdade, as coisas são mais articuladas e complexas do que aquilo que emerge de um terceiro-mundismo algo datado, que brilha numa expressão demasiado evidente entre as linhas do texto.
Mais interessante é a parte em que Francisco lança a proposta de um novo multilateralismo, embora esta também permaneça um pouco confusa. "O mundo está a tornar-se tão multipolar e, simultaneamente, tão complexo que é necessário um quadro diferente para uma cooperação eficaz. Não basta pensar nos equilíbrios de poder, ocorre também responder aos novos desafios e reagir com mecanismos globais aos desafios ambientais, sanitários, culturais e sociais, sobretudo para consolidar o respeito dos direitos humanos mais elementares, dos direitos sociais e do cuidado da casa comum. Trata-se de estabelecer regras universais e eficazes para garantir esta proteção mundial”. Tudo isto, afirma-se logo a seguir, "pressupõe que se adote um novo procedimento para a tomada de decisões e a legitimação das mesmas, porque o procedimento estabelecido há vários decénios não é suficiente nem parece ser eficaz. Neste contexto, são necessários espaços de diálogo, consulta, arbitragem, resolução dos conflitos, supervisão e, em resumo, uma espécie de maior 'democratização' na esfera global, para expressar e incluir as diversas situações".
Contudo, não está claro, no Laudate Deum, o que aconteceu com a posição histórica do Vaticano a favor de uma reforma da ONU, a começar pelo Conselho de Segurança, pela resolução de conflitos, supervisão e, em suma, uma espécie de maior “democratização” na esfera global, para expressar e incluir diferentes situações.
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Laudate Deum no dia do início do Sínodo. Clima, decrescimento e casa comum. A visão apocalíptica do Papa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU