05 Outubro 2023
Em uma nova exortação apostólica sobre as mudanças climáticas, o Papa Francisco condena veementemente os céticos do clima e insta os líderes mundiais a agirem antes que seja tarde demais.
A reportagem é de Loup Besmond de Senneville, publicada por La Croix International, 04-10-2023. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
No Vaticano, as viagens papais são categorizadas em vários tipos: as que serão lembradas por muito tempo, as que ainda estão por vir e as que deveriam ter ocorrido, mas foram canceladas no último momento, deixando uma sensação de incompletude. Foi o que ocorreu em novembro de 2021, quando Francisco pensou em participar na conferência COP26 em Glasgow, na Escócia. No entanto, no fim ele decidiu não ir. Declarou que não permitiria que sua visita servisse como mero endosso a negociações fracassadas.
Dois anos depois, a preocupação do Papa Francisco com o clima não diminuiu. Com o lançamento da Laudate Deum (“Louvado seja Deus”) em 4 de outubro, sua preocupação ficou ainda mais forte. Essa nova exortação apostólica, inteiramente dedicada à “crise climática”, segue os passos da significativa encíclica verde e social do papa, Laudato si’, publicada em 2015.
No entanto, desta vez, impulsionado por um senso de urgência cada vez maior, o papa soa o alarme ainda mais alto, afirmando que “dou-me conta de que não estamos reagindo de modo satisfatório” e que acredita que o mundo pode estar se “aproximando de um ponto de ruptura” [n. 2].
Nesse texto altamente instrutivo, Francisco opõe-se firmemente aos céticos do clima. Ele fornece uma exposição detalhada para quem contesta e “ridiculariza” a realidade das mudanças climáticas e suas consequências, recorrendo extensivamente aos relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC), frequentemente citados nas notas de rodapé do documento.
“A origem humana – ‘antrópica’ – da mudança climática já não se pode pôr em dúvida” [n. 11], insiste o papa, citando a concentração de gases de efeito de estufa, o derretimento das geleiras polaras e a acidez dos oceanos. Ele também dedica uma longa seção às conferências internacionais sobre o clima (COPs), revisando seus sucessos e fracassos: “Vejo-me obrigado a fazer estas especificações, que podem parecer óbvias, por causa de certas opiniões ridicularizadoras e pouco racionais que encontro mesmo dentro da Igreja Católica” [n. 14].
Ao escolher o dia 4 de outubro, festa de São Francisco de Assis, muitas vezes associado à natureza, o Papa Francisco coloca mais uma vez a ecologia no centro de seu pontificado. A publicação desse texto no mesmo dia da abertura do Sínodo sobre o futuro da Igreja Católica, que promete ser decisivo, aumenta ainda mais seu significado.
Apelando a uma “mudança cultural” que ele considera necessária, Francisco também destaca as ações individuais, incluindo as mudanças nos “hábitos pessoais, familiares e comunitários”. “Entretanto, não posso negar que é necessário sermos sinceros e reconhecer que as soluções mais eficazes não virão só dos esforços individuais, mas sobretudo das grandes decisões da política nacional e internacional” [n. 69].
Nesse documento de cerca de 45 mil palavras, ou seja, cinco vezes menor do que a Laudato si’, Francisco critica os líderes políticos e econômicos ocidentais, em parte vistos como responsáveis pela crise atual. Ele também condena “os privilégios de poucos com maior poder” e denuncia “as responsabilidades não cumpridas pelos setores políticos e a indignação contra o desinteresse dos poderosos” [n. 71].
“Se considerarmos que as emissões per capita nos Estados Unidos são cerca do dobro das de um habitante da China e cerca de sete vezes superiores à média dos países mais pobres, podemos afirmar que uma mudança generalizada do estilo de vida irresponsável ligado ao modelo ocidental teria um impacto significativo a longo prazo. Assim, juntamente com as indispensáveis decisões políticas, estaríamos no caminho do cuidado mútuo” [n. 72].
Frustrado pela inação política, Francisco parece expressar simpatia pelos grupos ativistas frequentemente descritos como “radicais” e engajados em ações fora das conferências climáticas. Ele acredita que eles preenchem um vazio na sociedade que deveria exercer uma “pressão saudável”. Francisco encontrou-se brevemente com a ativista do clima Greta Thunberg em abril de 2019, no Vaticano.
Ao longo das páginas da Laudate Deum, o papa assume um tom decrescente, criticando, como havia feito na Laudato si’, a ideia de “crescimento infinito ou ilimitado, que tanto entusiasmou os economistas, os teóricos da finança e da tecnologia”. Nesse sentido, ele se opõe à noção de que a crise climática possa ser resolvida ou contornada por meio da tecnologia. “Supor que qualquer problema futuro possa ser resolvido com novas intervenções técnicas é um pragmatismo homicida, como chutar uma bola de neve” [n. 57], insiste ele.
Embora encoraje novamente a “transição para formas renováveis de energia”, ele já não apela ao “abandono dos combustíveis fósseis”, como fez em setembro de 2022, antes de um encontro de jovens em Assis. Francisco afirma que essas mudanças “são capazes de gerar inúmeros postos de trabalho em diferentes setores” [n. 10], servindo como um lembrete de que, na sua opinião, a ecologia e as preocupações sociais permanecem intrinsecamente ligadas.
Sem dúvida, reconhece o papa, “são positivas algumas intervenções e progressos tecnológicos para absorver ou capturar os gases emitidos”. Mesmo assim, ele alerta contra o risco de “ficar bloqueados na lógica do consertar, remendar, retocar a situação, enquanto, no fundo avança um processo de deterioração” [n. 57].
Essa reflexão ética sobre a tecnologia e o progresso alinha-se com a reflexão papal sobre os limites dos seres humanos e seu poder sobre o mundo. O que Francisco chama de “paradigma tecnocrático”, a crença de que “o bem e a verdade desabrocham espontaneamente do próprio poder da tecnologia e da economia”, continua sendo uma ilusão. Esse paradigma leva os humanos a verem os recursos naturais como mero recurso à sua disposição. Ao contrário desse paradigma tecnocrático, insiste Francisco, “afirmamos que o mundo que nos rodeia não é um objeto de exploração, utilização desenfreada, ambição sem limites” [n. 25].
Nesse contexto, e com a abertura de uma nova COP nos Emirados Árabes Unidos em dezembro, um dos principais países produtores de petróleo do mundo, o que podemos esperar? “Adotar uma atitude renunciante a respeito da COP28 seria autolesivo, porque significaria expor toda a humanidade, especialmente os mais pobres, aos piores impactos da mudança climática” [n. 53], responde Francisco.
Ele conclui: “Devemos superar a lógica de nos apresentarmos sensíveis ao problema e, ao mesmo tempo, não termos a coragem de efetuar mudanças substanciais” [n. 56]. Para Francisco, não há margem para dúvidas: as ações devem ser tomadas sem demora.
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Emergência climática: Papa Francisco soa o alarme - Instituto Humanitas Unisinos - IHU